Gaudí:
o arquiteto que pode virar santo
O
Vaticano colocou o arquiteto espanhol Antoni Gaudí no caminho da canonização em
reconhecimento às suas "virtudes heroicas".
Gaudí —
que foi apelidado por alguns de "arquiteto de Deus" — é o artífice de
um dos locais religiosos e atrações turísticas mais famosos da Espanha, a
inacabada basílica da Sagrada Família, em Barcelona.
Na
segunda-feira (14/4), o Vaticano emitiu um comunicado afirmando que o papa
Francisco havia autorizado um decreto declarando o arquiteto nascido na
Catalunha "venerável".
Esse é
um passo inicial no caminho para que um candidato à santidade seja formalmente
canonizado pela Igreja Católica.
Este é
o mais recente acontecimento em uma campanha de décadas para que Gaudí, que era
um católico devoto, seja reconhecido como santo.
O
Arcebispo de Barcelona, Cardeal Juan Jose Omella, chamou a notícia de uma
"alegria".
"É
um reconhecimento não apenas do seu trabalho arquitetônico, mas de algo mais
importante", disse ele, de acordo com a agência de notícias AFP.
O
cardeal continuou: "Ele está dizendo que vocês... em meio às dificuldades
da vida, em meio ao trabalho, em meio à dor, em meio ao sofrimento, estão
destinados a ser santos."
O
processo formal usual para alguém ser declarado santo envolveria a
beatificação, um passo antes da santidade plena.
Essa é
uma categoria reservada aos mártires, aqueles que são considerados como tendo
vivido uma vida de valores heroicos e candidatos que a Igreja declara terem uma
reputação de santos.
No caso
de Gaudí, que morreu em 1926 após ser atropelado por um bonde enquanto
caminhava para a igreja, o Vaticano provavelmente exigiria prova de um milagre
que pudesse ser atribuído a ele após a morte para prosseguir com a
beatificação.
Gaudí
nasceu em 1852 e muitas de suas obras mais conhecidas continuam atraindo
visitantes a Barcelona, onde grande parte de seu legado está situado.
A
basílica da Sagrada Família está em construção desde 1883 e permanece
inacabada.
Foi
incluído na lista do Patrimônio Mundial da Unesco, juntamente com algumas
outras obras de Gaudí, e foi consagrado pelo Papa Bento 16 em 2010.
• Campanha
A
campanha para tornar Gaudí santo foi lançada ainda em meados da década de 1990,
quando o padre José Manuel Almuzara sugeriu que o arquiteto catalão seria um
bom candidato à beatificação — o que com frequência é um passo rumo à
santificação.
Almuzara
formou a Associação pela Beatificação de Antoní Gaudí e começou a trabalhar
para reunir a documentação para que o nome do arquiteto fosse considerado pelo
Vaticano.
Um dos
documentos-chave da campanha é sua biografia, escrita pelo jornalista Josep
Maria Tarragona.
Tarragona
já disse que ter criado a Sagrada Família não é algo que necessariamente
qualifique o arquiteto à beatificação.
"Se
usarmos esta lógica, teríamos que beatificar Michelangelo e Mozart",
afirmou o jornalista.
"A
questão é que Gaudí foi um cristão exemplar. Sua vida foi a vida de um
santo."
• Gênio ou louco?
Gaudí
nasceu na região da Catalunha em 1852. Sua família era rica e frequentava a
ópera e os melhores restaurantes, segundo Tarragona.
Quando
se formou em arquitetura pela Universidade de Barcelona, ele começou a elaborar
uma linguagem visual única, inspirada em edifícios pré-islâmicos do delta do
Nilo.
Diz a
lenda que, quando o diretor da escola de arquitetura da universidade, Elies
Rogent, deu a Gaudí seu diploma, disse que não sabia se estava entregando o
documento a um gênio ou a um louco.
Por
toda sua vida, Gaudí se preocupou com o bem estar dos trabalhadores. Ele ajudou
a criar a progressiva Colônia Guell, uma comunidade de trabalhadores que ficava
em torno de um moinho, com escolas e um hospital, assim como o primeiro estádio
de futebol da Espanha.
Depois
de começar a trabalhar na Sagrada Família, em 1883, ele construiu escolas para
os filhos dos trabalhadores e paroquianos.
Na
época, Gaudí foi uma escolha controversa para o projeto, porque não era um
católico praticante. Mas isso começou a mudar conforme a enorme basílica foi
saíndo do papel.
Tarragona
acredita que, enquanto Gaudí trabalhava na fachada da igreja, ele "viu
Jesus Cristo em pessoa".
• Devoção
Aos
poucos, ele tornou-se mais devoto e passou a levar uma vida mais simples. No
almoço, comia apenas algumas folhas de alface mergulhadas em leite.
Quando
tinha pouco mais de 40 anos, quase morreu ao fazer jejum para a Quaresma e só
voltou a comer quando um padre o lembrou de sua missão de construir a basílica.
Ele
dedicou mais de quatro décadas de sua vida ao projeto, abrindo mão de contratos
lucrativos em Paris e Nova York.
E
quando o projeto correu o risco de ficar sem fundos, buscou freneticamente
doações para manter uma pequena equipe trabalhando no local.
Gaudí
nunca se casou, mas isso não teve nada a ver com religião, segungo Tarragona.
Ele simplesmente não teve sorte no amor.
O
arquiteto passou seus últimos meses de vida completamente imerso no trabalho,
morando próximo de sua oficina no interior da igreja.
Quando
foi atingido por um bonde a caminho de uma confissão, pensou-se a princípio que
o homem esquelético e com vestes maltrapilhas era um pedinte.
Gaudí
morreu três dias depois, deixando o restante de seu dinheiro para a basílica.
• Processo lento
Nos
anos seguintes à formação da associação de Almuzara, em 1992, pouco aconteceu.
O
pedido formal para que Gaudí fosse considerado à beatificação foi feito por
bispos da diocese, mas Tarragona afirma que os líderes religiosos da Catalunha
estavam céticos — talvez com medo de que a Sagrada Família atraísse menos
turistas não católicos se a campanha prosperasse.
A
campanha pela beatificação também enfrentou forte oposição de catalães não
religiosos, para quem a Igreja estaria se apropriando de um símbolo nacional.
Mas a
mensagem da campanha chegou à imprensa internacional — e, em meados de 2020,
aos ouvidos do então papa João Paulo 2º.
Com os
claros sinais positivos por parte do Vaticano, o processo começou a progredir
mais rapidamente.
Em
2003, os bispos da Catalunha enviaram um portfólio de uma pesquisa sobre a vida
do arquiteto ao Vaticano.
Para
sua surpresa, autoridades da Igreja responderam quase imediatamente com
interesse na questão.
Gaudí
foi nomeado oficialmente um "servo de Deus", a primeira etapa de uma
beatificação.
Em
2010, veio mais um desdobramento positivo para os devotos do arquiteto. O papa
Bento 16 consagrou a Sagrada Família.
O
próximo passo foi uma votação em que cardeais e teólogos avaliaram a trajetória
de Gaudí e, em seguida, apresentaram seu resultado ao papa.
Com um
veredito positivo do papa Francisco, Gaudí passou a ser considerado
"venerável". O próximo passo será a beatificação.
Fonte:
BBC News

Nenhum comentário:
Postar um comentário