Emmy Noether, a matemática que revolucionou a
física e foi chamada de 'genial' por Einstein
Quando a alemã Emmy Noether quis estudar
matemática, ainda não era permitido que mulheres se matriculassem na
universidade.
Anos depois, quando conseguiu permissão para
dar aulas a estudantes universitários, não recebia salário.
Ainda assim, para Albert Einstein, "a
senhorita Noether foi o gênio matemático criativo mais importante que já
existiu desde que as mulheres começaram a ingressar no ensino superior".
Ela é considerada a mãe da álgebra moderna
por suas teorias sobre anéis e corpos, mas sua contribuição à ciência não se
restringe à matemática.
Seu trabalho é fundamental para entender a
teoria da relatividade geral. E não se limita apenas a isso. Noether é
peça-chave para entender todas as teorias da física.
"Quando você conhece história de
Noether, se pergunta: que outras contribuições uma pessoa intitulada gênio
matemático teria feito se todas as portas estivessem abertas para ela desde o
primeiro dia?", questionou, em 2017 (quando essa reportagem foi
originalmente escrita), a física Mayly Sánchez, atualmente professora da
Universidade Estadual da Flórida, nos Estados Unidos.
• Sem
salário
Emmy Noether nasceu em 1882, e o pai dela, o
matemático Max Noether, era professor na Universidade de Erlangen, na Baviera,
Alemanha.
O corpo docente desta mesma universidade
chegou a dizer que permitir a matrícula de mulheres "derrubaria toda a
ordem acadêmica".
Mas, segundo a Sociedade Estadunidense de
Física (APS, na sigla em inglês), anos depois, Noether foi uma das mulheres
autorizadas a se matricular na instituição.
Só que sem os mesmos direitos que os outros
estudantes.
Ela só podia assistir às aulas como ouvinte,
e isso se os professores dessem autorização expressa para que ela entrasse na
sala.
"Isso foi suficiente para que ela se
fosse aprovada no exame para graduação em 1903 e obtivesse um título
equivalente ao de uma licenciatura", explica Michael Lucibella, autor da
biografia de Noether publicada pela APS.
"Ela passou o ano seguinte estudando na
Universidade de Göttingen [também na Alemanha], mas voltou para Erlangen quando
a universidade finalmente revogou as restrições contra as estudantes mulheres
para concluir sua dissertação sobre invariantes para formas biquadráticas
ternárias em 1907", destaca o escritor.
Apesar de a universidade ter dado um passo
importante para permitir a matrícula de mulheres, ainda continuava as excluindo
de cargos no corpo docente.
"Noether lecionou em Erlangen por sete
anos seguidos sem receber salário, em algumas ocasiões substituindo seu
pai", relata Lucibella.
• 'Somos
uma universidade, não uma sauna'
Em 1915, o renomado matemático alemão David
Hilbert tentou levar Noether para lecionar na Universidade de Göttingen, mas
foi rechaçado pelos colegas do departamento de Matemática.
"O que nossos soldados vão pensar quando
voltarem para a universidade e descobrirem que terão que aprender com uma
mulher?", perguntou um dos professores.
Hilbert respondeu: "Não vejo por que o
sexo dos candidatos seja um argumento contra sua admissão. Somos uma
universidade, não uma sauna".
Noether teve que dar aulas sob o nome de
Hilbert pelos quatro anos seguintes e sem receber salário.
Lucibella explica que Hilbert queria ter
Noether na Universidade de Göttingen porque seu conhecimento e experiência
sobre "a teoria dos invariantes - os números permanecem constantes mesmo
quando manipulados de maneiras diferentes - poderiam ser aplicados à incipiente
teoria da relatividade geral de Albert Einstein, que parecia desafiar a lei da
conservação de energia".
• O
teorema de Noether
Noether desenvolveu um teorema fundamental
para entender a física das partículas elementares e a teoria quântica de
campos.
Em poucas palavras, "para entender toda
a física mais sofisticada", explicou em 2017 à BBC Mundo, serviço em
espanho da BBC, Manuel Lozano Leyva, atualmente pesquisador honorário do
Departamento de Física Atômica, Molecular e Nuclear da Universidade de Sevilha,
na Espanha.
"Quando Einstein viu o trabalho de
Noether sobre as invariantes, ele escreveu a Hilbert: 'Estou impressionado que
essas coisas possam ser compreendidas de uma maneira tão geral. A velha guarda
de Göttingen deveria aprender algumas lições com a senhorita Noether. Se vê que
ela sabe o que está fazendo'", indica a biografia publicada pela APS.
Em que consiste o teorema?
Lozano explicou: "O teorema,
conceitualmente, é muito simples e matematicamente muito complicado. Trata-se
de relacionar a simetria com as quantidades conservadas".
Pedimos ao professor Lozano, que durante 30
anos ensinou sobre isso aos seus alunos na Espanha, uma explicação.
"O que é uma simetria?
Imagine que eu estou segurando uma taça de
vinho e te peço para fechar os olhos. Enquanto você está com os olhos fechados,
eu giro a taça no seu próprio eixo e depois te peço para abrir os olhos.
Provavelmente, você não vai perceber se a taça se moveu ou não.
Mas, se eu giro a taça de forma perpendicular
ao eixo, ou seja, eu a viro de cabeça para baixo, e te peço para abrir os
olhos, você vai perceber que algo aconteceu com a taça.
Isso significa que a taça é simétrica em
relação às rotações em torno de um eixo, mas não é simétrica em relação às
rotações em outro eixo.
Agora pense em quantidades físicas que todo
mundo conhece, como a energia, que não é criada nem destruída, mas que se
transforma. Isso é o que chamamos de uma quantidade conservada.
O que Emmy Noether fez foi relacionar a
simetria de um sistema com as quantidades físicas que se conservam, e essas
quantidades são uma ferramenta fundamental na hora de formular problemas e
resolvê-los na física".
E isso se aplica a todos os sistemas físicos,
desde o sistema planetário até um cristal, ou os metais. "Tudo!",
disse o professor, com entusiasmo.
• 'O
teorema mais belo do mundo'
O teorema criado pela cientista alemã já
recebeu inúmeros adjetivos.
"O chamam de teorema mais belo do mundo,
mas não é só porque ele é bonito do ponto de vista da simetria, mas é de uma
potência matemática tremenda e de uma capacidade de cálculo fantástica",
afirmou Lozano.
"Meus alunos ficavam maravilhados quando
lhes ensinava, porque, embora seja algo matematicamente difícil de formular,
suas consequências são enormes", disse.
E ressaltou: "Todos os físicos devem
muito a essa mulher".
Essa opinião é compartilhada pela professora
Sánchez, dos Estados Unidos.
"É um teorema extremamente elegante.
Traz a beleza do conceito de simetria para os princípios da física", disse
em entrevista à BBC Mundo.
"Noether é uma dessas figuras na
história da física que foram escondidas, e depois você as descobre",
afirmou.
"Quando aprendi o teorema pela primeira
vez, me apaixonei pelo conceito. Meu professor nos deu uma aula belíssima sobre
como esse era um dos princípios mais elegantes da física. Agora que eu ensino
essa mesma matéria na graduação, me emociono. É um dos pontos onde a física e a
matemática se conectam de uma maneira muito bonita".
"O que meu professor não me disse
naquela aula é que o teorema de Noether havia sido escrito por Emmy Noether.
Nunca mencionou que era uma mulher, e só anos depois, no meu doutorado, é que
descobri que havia sido uma mulher que o criou", conta.
• 'Os
meninos de Noether'
Após o fim da Primeira Guerra Mundial, houve
alguns avanços nos direitos das mulheres na Alemanha.
"Noether passou a receber um salário
pequeno na Universidade de Göttingen em 1923", relata Lucibella. "Mas
nunca lhe foi dado o título de professora titular".
A maioria dos estudantes de matemática eram
homens, e eles ficaram conhecidos como "Os meninos de Noether",
indica a biografia.
Com a ascensão do nazismo na Alemanha,
Noether teve que abandonar a vida acadêmica no país devido a uma lei que
removia os judeus de cargos no governo e em universidades, lembra Lucibella.
Noether foi então demitida da Universidade de
Göttingen.
"Inicialmente, ela recebia os alunos em
casa, mas depois foi forçada a abandonar a Alemanha, junto com outros
acadêmicos judeus", conta Lucibella.
Noether se mudou para os Estados Unidos, onde
continuou a carreira acadêmica no Colégio Bryn Mawr e no Instituto de Estudos
Avançados, em Princeton.
Em 1935, foi diagnosticada com um tumor na
pelve. Foi operada, e mesmo com o sucesso da cirurgia, uma série de
complicações a levaram à morte quatro dias depois.
Ela tinha 53 anos.
• A
carta de Albert Einstein em homenagem a Emmy Noether após sua morte
Trechos da carta escrita por Albert Einstein
e enviada ao jornal The New York Times em 1º de maio de 1935.
Na opinião dos matemáticos vivos mais
competentes, a senhorita Noether foi o gênio matemático criativo mais
importante que já existiu desde que as mulheres começaram a ingressar no ensino
superior.
No campo da álgebra, ao qual os matemáticos
mais talentosos têm se dedicado por séculos, ela descobriu métodos que já se
provaram ser de uma importância enorme para o desenvolvimento da atual geração
de jovens matemáticos.
A matemática pura é, à sua maneira, a poesia
das ideias lógicas.
Nascida em uma família judia que se destacou
pelo amor ao conhecimento, Emmy Noether nunca alcançou a posição acadêmica que
merecia em seu próprio país, apesar de todos os esforços do grande matemático
de Göttingen, Hilbert. Ainda assim, cercou-se de um grupo de estudantes e
pesquisadores em Göttingen, que já se tornaram professores e cientistas
renomados.
Seu trabalho altruísta e significativo,
realizado durante muitos anos, foi recompensado pelos novos governantes da
Alemanha com uma demissão, que lhe custou não apenas sua fonte de renda para
manter seu estilo de vida simples, mas também a oportunidade de continuar seus
estudos matemáticos.
Seus amigos visionários da ciência neste país
(EUA) tiveram sorte de negociar com o Colégio Bryn Mawr e (a Universidade de)
Princeton para que ela encontrasse, nos Estados Unidos, até o dia de sua morte,
não apenas colegas que apreciavam sua amizade, mas também alunos gratos, cujo
entusiasmo fez de seus últimos anos os mais felizes e, quiçá, os mais
frutíferos de toda sua carreira.
Fonte: BBC News Mundo

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