terça-feira, 25 de março de 2025

Cruz e Souza, o gênio máximo do simbolismo brasileiro

Há 127 anos, em 19 de março de 1898, falecia o poeta catarinense Cruz e Sousa. Ele morreu aos 36 anos de idade, vitimado pela tuberculose. Malgrado sua vida curta e atribulada, Cruz e Sousa tornou-se o principal expoente do simbolismo no Brasil, dando enorme contribuição para as inovações estilísticas no uso poético da língua portuguesa, aliando o lirismo imagístico ao uso primoroso da aliteração, da metáfora e da sinestesia.

Cruz e Sousa foi um dos primeiros autores negros a ingressar nos cânones literários nacionais, produzindo obras de grande originalidade libertária, abrangendo sobretudo o misticismo e a angústia existencial. Ele também teve importante atuação como jornalista e foi um aguerrido militante da causa abolicionista.

  • A juventude de Cruz e Sousa

João da Cruz e Sousa nasceu em 24 de novembro de 1861, em Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis), filho do pedreiro Guilherme da Cruz e da lavadeira Carolina Eva da Conceição, ambos escravizados alforriados que trabalhavam para marechal Guilherme Xavier de Sousa.

Impossibilitada de ter filhos, a esposa do marechal, Clarinda Fagundes, afeiçoou-se ao menino, assumindo sua tutela e encarregando-se de custear sua educação. Aos nove anos de idade, Cruz e Sousa já compunha e recitava poemas.

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Entre 1871 e 1875, o jovem estudou no Ateneu Provincial Catarinense, onde cursou francês, inglês, latim, grego, matemática e ciências naturais. Nessa instituição, ele foi aluno do naturalista alemão Fritz Müller, um dos principais colaboradores de Charles Darwin.

Em uma carta enviada ao seu irmão em 1876, Müller elogiou efusivamente a inteligência de Cruz e Sousa, apontando-o como uma evidência que contrariava as teorias racistas sobre a alegada superioridade intelectual ingênita dos brancos.

Com a morte do marechal, as condições de vida de Cruz e Sousa tornaram-se mais difíceis. Após concluir os estudos no Ateneu, ele se dedicou ao magistério e publicou alguns poemas nos jornais da província. Em 1881, em parceria com Virgílio Várzea e Manuel dos Santos Lostada, fundou o jornal literário “Colombo“, perfilado ao parnasianismo.

  • Jornalista e militante abolicionista

Nesse mesmo ano, Cruz e Sousa começou a trabalhar como secretário na Companhia Dramática Julieta dos Santos, com a qual realizou um périplo pelo Brasil, viajando do Amazonas ao Rio Grande do Sul. A experiência lhe propiciou um contato ainda mais intenso com o flagelo da escravidão, impelindo-o à defesa vocal da causa abolicionista.

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Ao longo de três anos, Cruz e Sousa uma série de conferências sediadas nas capitais brasileiras, defendendo o fim da escravidão. Também tomou parte da campanha antiescravagista promovida pela sociedade carnavalesca “Diabo a Quatro”.

O ideal antiescravagista norteou a atuação de Cruz e Sousa no jornalismo. Escreveu para a “Tribuna Popular“, um dos mais importantes diários catarinenses, ajudando a consolidar sua linha editorial republicana e abolicionista. Também dirigiu o semanário ilustrado “O Moleque“, imprimindo um forte viés de crítica política e social, causando grande desconforto nos círculos abastados da província.

A oposição que sofria dos setores mais reacionários era enormemente intensificada pelo preconceito racial. Em 1883, o escritor foi nomeado promotor de Laguna, mas foi impedido de assumir o cargo devido à reação truculenta dos chefes políticos locais, indignados com a possibilidade de um negro assumir a função.

Apesar do ambiente de discriminação, Cruz e Sousa tornou-se um dos mais destacados intelectuais catarinenses. Interessou-se por autores como Charles Baudelaire, Leconte de Lisle, Giacomo Leopardi, Guerra Junqueiro e Antero de Quental e ajudou a fundar o grupo “Ideia Nova”, que se dedicou a difundir o conhecimento sobre as vanguardas literárias europeias.

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  • A carreira literária

Em 1885, Cruz e Sousa publicou, em conjunto com Virgílio Várzea, seu primeiro livro — “Tropos e Fantasias“, uma coletânea de poemas em prosa. Ainda imbuída de influxo naturalista, a obra anteciparia diversas características que se fariam presentes na sua produção posterior, incluindo o vocabulário requintado, o gosto pelo experimentalismo e a importância conferida ao ritmo.

Três anos depois, aceitando o convite de Oscar Rosas, Cruz e Sousa viajou ao Rio de Janeiro, em busca de um ambiente menos hostil e mais propício ao ofício de escritor. Na antiga capital, ele conheceu Luís Delfino e fez amizade com Nestor Vítor, que se tornaria importante divulgador de sua obra. Permaneceu na cidade por oito meses, mas viu-se obrigado a retornar a Desterro por não conseguir emprego.

Em 1890, Cruz e Sousa instalou definitivamente no Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar como arquivista da Central do Brasil. Colaborou com diversos periódicos, incluindo as revistas “Ilustrada” e “Novidades“. No ano seguinte, publicou nos jornais “Folha Popular” e “O Tempo” os primeiros artigos-manifestos do simbolismo, assumindo o papel de principal difusor da estética simbolista-decadentista.

Em 1893, Cruz e Sousa publicou os livros “Missal” (sob influência da prosa baudelairiana) e “Broquéis” (coligindo poemas em verso), que se tornariam marcos da literatura nacional e o consagrariam como maior representante do simbolismo no Brasil.

Inovadoras, as obras combinavam características simbolistas, como a preocupação com a musicalidade e a temática metafórica e transcendental, com traços parnasianos, sobretudo o preciosismo sintático e a sofisticação lexical.

A despeito da qualidade literária de suas obras, Cruz e Sousa não conheceria o sucesso em vida. O escritor seguiria produzindo poemas de inspiração simbolista, abandonando progressivamente o formalismo estético em favor da expressão poética e da musicalidade, versando sobre temas como o misticismo, o individualismo, os estados da alma, a noite e o mistério.

  • Os últimos anos

Ainda em 1893, Cruz e Sousa se casou com Gavita Rosa Gonçalves, também descendente de escravizados. O matrimônio gerou quatro filhos: Raul, Guilherme, Reinaldo e João. Dependendo de empregos mal remunerados, a família teve de lidar com severas privações financeiras.

A situação se agravaria a partir de 1894, quando Cruz e Sousa contraiu tuberculose em função das péssimas condições de trabalho na Central do Brasil. Gavita, por sua vez, desenvolveu graves distúrbios mentais após o nascimento do segundo filho.

A discriminação racial, a pobreza, a melancolia, a morte e a indignação seriam temas presentes nos últimos poemas de Cruz e Sousa. Em “Emparedado“, o escritor expressa sua “completa, lógica e inevitável revolta” com os obstáculos interpostos por uma sociedade racista, cruel e injusta, descritos como uma “parede horrendamente incomensurável de egoísmos e preconceitos”.

Em 1897, o escritor concluiu o livro de prosa poética “Evocações“, mas o agravamento da doença o impediu de publicar a obra. Cruz e Sousa se mudou para Curral Novo, em Minas Gerais, na esperança de que as condições climáticas mais favoráveis ajudassem em sua recuperação.

A tentativa foi em vão. Cruz e Sousa faleceria em 19 de março de 1898, com apenas 36 anos de idade. Sua família teve a mesma sina. Todos os quatro filhos morreram de tuberculose antes de atingirem a maioridade. Testemunhando o destino trágico dos filhos, Gavita enlouqueceu e, em 1901, também sucumbiu à moléstia.

  • A consagração após a morte

José do Patrocínio arcou com as despesas do funeral do escritor, sepultado no Cemitério São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro. Seus escritos foram reunidos por amigos e postumamente publicados: “Evocações“, lançado no ano de sua morte, “Faróis“, publicado dois anos depois, e “Últimos Sonetos“, lançado em 1905.

Três coletâneas contendo alguns poemas inéditos de Cruz e Sousa foram lançadas em 1961, por ocasião do centenário de nascimento do autor: “Outras Evocações“, “O Livro Derradeiro” e “Dispersos“.

Todas essas obras transparecem o que Ivone Daré Rabello chamou de “respostas líricas do excluído” — poemas que sintetizam os dilemas e os infortúnios advindos do jugo de uma sociedade escravocrata que jamais o aceitou. Como observou Ronald de Carvalho, “não há quase um verso seu em que não haja um grito contra a opressão do ambiente que o cercava”.

Em 2007, os restos mortais do escritor foram trasladados para Florianópolis e depositados no Palácio Cruz e Sousa, antiga sede do governo catarinense. Ele é o patrono da cadeira nº. 15 da Academia Catarinense de Letras.

Por seu extraordinário talento literário e enormes contribuições para a cultura brasileira, Cruz e Sousa recebeu a alcunha de “Dante Negro”. É considerado por muitos críticos como o maior poeta brasileiro do século XIX e frequentemente listado como um dos maiores nomes do simbolismo, ao lado de Stéphane Mallarmé e Stefan George.

 

Fonte: Por Estevam Silva, em Opera Mundi 

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