quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

A postura internacional agressiva de Trump foi encomendada pela indústria bélica?

O presidente Donald Trump tomou posse da presidência no dia 20 de janeiro, e os think tanks dos EUA não pouparam esforços para expor sua lista de pedidos. As indicações promovem mais gastos militares e também os interesses dos doadores aos think tanks.  

O Atlantic Council, um dos maiores think tanks, lançou um relatório chamado “Oito grandes ideias para o segundo governo Trump”. A primeira sugestão do texto é que Trump aprove um novo pacote de armas dos EUA para a Ucrânia.

“Isso poderia ser um empréstimo, mas deve incluir armas avançadas — certamente Army Tactical Missile Systems, os ATACMs, de longo alcance e caças F-16, mas talvez mais…” escreveu John Herbst, diretor sênior do Eurasia Center do Atlantic Council.

Lockheed Martin e General Dynamics, os fabricantes desses sistemas, contribuíram com US$ 600 mil e US$ 50 mil, respectivamente, para o think tank nos últimos cinco anos. Se Trump aceitar essa indicação, isso sem dúvida seria uma bênção para esses financiadores.

Esses think tanks se apresentam como institutos de pesquisa objetivos, imparciais. O Atlantic Council, por exemplo, diz que tem uma política de “estrita independência intelectual para todos os seus projetos e publicações.” 

Contudo, uma nova investigação e o banco de dados do Quincy Institute, do qual sou co-autor, indicam que essas instituições podem não ser tão livres de influência externa quanto afirmam ser. Os think tanks dependem do financiamento de corporações privadas e fontes governamentais. Empresas militares doaram mais de US$ 35 milhões para os 50 maiores think tanks de política externa nos últimos cinco anos.

Esse financiamento importa porque os think tanks têm um papel grande no processo de política externa nos EUA. Os especialistas dos think tanks concedem entrevistas para jornalistas, aconselham o governo e dão testemunho ao Congresso.

E os efeitos dessa influência ultrapassam as fronteiras dos EUA. Por exemplo, foi um think tank que arquitetou muito do planejamento da guerra do Iraque. Já na América Latina, o Atlantic Council e o Wilson Center exerceram influência no processo de privatização do setor petrolífero brasileiro.

Outra proposta do Atlantic Council para o Trump foi a criação de um “Iron Dome for America”, uma rede de defesa antimísseis — uma promessa que o próprio Trump fez durante sua campanha eleitoral. Contudo, dois especialistas do Atlantic Council sugeriram que Trump começasse a financianciar programas como o Ground-Based Interceptor, feito pela Boeing e RTX, Standard Missile-3 Block IIA, da RTX, e Terminal High Altitude Area Defense, da Lockheed Martin.

Nos últimos cinco anos, o Atlantic Council recebeu ao menos US$ 600 mil da Lockheed Martin, US$ 750 mil da RTX e US$ 40 mil da Boeing. As dificuldades em criar uma rede antimísseis — incluindo o sistema proposto não ser eficaz contra mísseis de longo alcance e a estimativa de custar US$ 2,5 trilhões para cobrir efetivamente todo o país — não foram mencionadas. Também não citaram o financiamento que receberam da indústria bélica.

O Hudson Institute também defendeu com afinco a ideia de um novo sistema de defesa antimísseis, publicando um artigo intitulado “Trump está certo sobre um escudo antimísseis ‘Iron Dome’ para a pátria dos EUA”. O Hudson Institute recebeu mais de US$ 2,2 milhões das 100 maiores empresas militares nos últimos cinco anos, incluindo pelo menos US$ 450 mil das principais empresas de defesa antimísseis Lockheed Martin e Northrop Grumman.

O Center for a New American Security, o CNAS, um think tank fundado por autoridades de segurança nacional próximas ao Partido Democrata, também lançou seu próprio planejamento para o governo Trump. O relatório argumentou que a nova gestão do republicano deveria começar investindo em “armas grandes” e “implantando sistemas autônomos de baixo custo” para deter a China. O CNAS recebeu, pelo menos, US$ 6,6 milhões da indústria de defesa desde 2019.

As empresas militares são apenas algumas das muitas corporações e fontes governamentais que doam generosamente para think tanks. Empresas petrolíferas, tecnológicas, e o próprio governo estado-unidense também são doadores relevantes. O Departamento de Defesa, especialmente, contribui de maneira generosa, tendo doado US$ 780 milhões para think tanks nos últimos cinco anos. A grande maioria desse dinheiro vai para a RAND Corporation, um think tank criado pelo próprio governo dos EUA na década de 1950 e que opera vários centros de pesquisa patrocinados pelo Departamento de Defesa.

Esse tipo de dependência do financiamento da indústria bélica pode causar autocensura ou até censura externa mesmo. Como Kjølv Egeland and Benoît Pelópidas, autores de uma pesquisa sobre think tanks, explicaram: “muitos especialistas de think tanks se apresentam como especialistas com total liberdade acadêmica — o que não é absolutamente o caso”. Afinal, quem morderia a mão que o alimenta?

Em 2014, a cofundadora do CNAS, Michèle Flournoy, até admitiu que os fundadores querem comprar influência. “Todo financiador tem intenção. Eles lhe dão dinheiro por um motivo. E o que você tem que garantir ao administrar um think tank é que esse viés não se infiltre ou restrinja a sua análise”, disse ela em uma apresentação para a Fletcher School.

Porém, as empresas militares financiando o CNAS não são mantidas à distância. Em vez disso, são convidadas a ajudar na produção de análises. Em setembro, o CNAS publicou um relatório sobre inovação militar. Executivos de corporações militares como Lockheed Martin, Palantir, Leidos, Booz Allen serviram como parte da força-tarefa para o relatório.

Todas essas empresas também são doadoras dos think tanks, sendo que cada uma doou pelo menos US$ 175 mil nos últimos cinco anos. Sem surpresa alguma, o relatório recomendou um “financiamento mais consistente” voltado para a inovação em defesa, financiamento que, sem dúvida, vai para os bolsos desses doadores. 

Resta saber se a administração Trump seguirá o conselho dos think tanks. Trump tem sido leve em detalhes sobre sua visão de “Paz através da Força”, mas indicou que é a favor do aumento dos gastos com defesa. No mínimo, ele deveria reconhecer que as recomendações apresentadas pelos think tanks de Washington vêm com um asterisco: “este testemunho foi pago pela indústria bélica”.

¨      UE responderá "com firmeza" se Trump impuser novas tarifas

União Europeia afirmou neste domingo (02/02) que vai responder "com firmeza" se o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, concretizar sua promessa de aumentar as tarifas de importação de produtos do bloco europeu.

Até o momento, a UE havia indicado que esperava evitar um conflito comercial com Trump, que vem citando a possibilidade de criar barreiras contra produtos europeus desde a campanha presidencial.

Na última sexta-feira, porém o presidente americano subiu o tom e disse que "com certeza" planeja atingir o bloco europeu de 27 nações com novas taxas de importação, ao mesmo tempo em que impôs tarifas a Canadá, México e China.

"Vou impor tarifas à União Europeia? Você quer a resposta verdadeira ou uma resposta política? Com certeza. A União Europeia nos tratou de forma terrível", disse Trump a repórteres, criticando o superávit comercial europeu com os EUA.

Em resposta, o porta-voz da UE disse que o bloco "responderá com firmeza a qualquer parceiro comercial que impuser tarifas injustas ou arbitrárias sobre os produtos da União Europeia".

"As tarifas criam perturbações econômicas desnecessárias e aumentam a inflação. Elas são prejudiciais para todos os lados", acrescentou.

Ele afirmou ainda que a UE continua comprometida com uma política de tarifas baixas como forma de "impulsionar o crescimento e a estabilidade econômica dentro de um sistema comercial forte e baseado em regras".

O bloco também criticou a sobretaxa aplicada por Trump sobre Canadá, México e China. Neste domingo, os dois países norte-americanos decidiram retaliar o vizinho com medidas tarifárias e não tarifárias para encarecer produtos dos EUA. Já a China anunciou que irá recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC).

<><> Alemanha pede cautela

O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, também alertou sobre os efeitos das tarifas punitivas dos EUA sobre o comércio mundial neste domingo.

"A troca global de mercadorias e commodities provou ser uma grande história de sucesso que possibilitou a prosperidade para todos nós", disse a jornalistas em uma reunião com o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, na Inglaterra.

"É por isso que é importante que não dividamos o mundo com muitas barreiras alfandegárias, mas que tornemos esse intercâmbio de bens e serviços possível também no futuro."

Quando perguntado sobre possíveis contramedidas europeias, Scholz disse que a UE é um bloco econômico forte e tem "suas próprias opções de ação".

O líder da oposição alemã e principal candidato a se tornar o próximo chanceler, Friedrich Merz, também se manifestou. "As tarifas nunca foram uma boa ideia para resolver conflitos de política comercial", disse ele na convenção do partido conservador CDU em preparação às eleições de 23 de fevereiro.

Merz disse que o custo das tarifas acabará sobrecarregando os consumidores americanos e, portanto, provocará resistência no país, acrescentando que a UE deve agora entrar unida nas negociações com os EUA.

Neste domingo, Trump respondeu sobre o impacto das tarifas para o consumidor final. Ele argumentou que os americanos podem sentir "dor" econômica, mas argumentou que o preço "vale a pena" para garantir os interesses dos EUA.

 

¨      Estados Unidos reconhecem que a tentativa de dominar o mundo acabou. Por Arnaud Bertrand

Está ficando cada vez mais claro que estamos diante de uma mudança sísmica no relacionamento dos EUA com o mundo, entre:

1) Os EUA desmantelando seus aparelhos de interferência estrangeira (como a USAID). 

2) Marco Rubio afirmando que estamos agora num mundo multipolar com “multi-grandes potências em diferentes partes do planeta” e que “a ordem global do pós-guerra não está apenas obsoleta; é agora uma arma que está a ser usada contra nós”

3) As tarifas sobre supostos “aliados” como o México, o Canadá ou a UE

Isso é os EUA efetivamente dizendo “nossa tentativa de dominar o mundo acabou, cada um com o seu gosto, agora somos apenas mais uma grande potência, não a ‘nação indispensável'”.

Parece “idiota” (como o WSJ acabou de escrever) se você ainda estiver mentalmente no velho paradigma, mas é sempre um erro pensar que o que os EUA (ou qualquer país) faz é idiota.

A hegemonia acabaria mais cedo ou mais tarde, e agora os EUA estão basicamente escolhendo acabar com ela em seus próprios termos. É a ordem mundial pós-americana – trazida a vocês pela própria América.

Mesmo as tarifas sobre aliados, vistas por esse ângulo, fazem sentido, pois redefinem o conceito de “aliados”: eles não querem mais – ou talvez não possam pagar – vassalos, mas sim relacionamentos que evoluem com base nos interesses atuais.

Você pode ver isso como um declínio — porque, sem dúvida, parece o fim do império americano — ou como uma forma de evitar um declínio maior: uma retirada controlada dos compromissos imperiais para concentrar recursos nos principais interesses nacionais, em vez de ser forçado a uma retirada ainda mais confusa em um estágio posterior.

Em todo caso, é o fim de uma era e, embora o governo Trump pareça um caos para muitos observadores, eles provavelmente estão muito mais sintonizados com as realidades mutáveis ​​do mundo e com a situação de seu próprio país do que seus antecessores. 

Reconhecer a existência de um mundo multipolar e escolher operar dentro dele em vez de tentar manter uma hegemonia global cada vez mais custosa não poderia ser adiado por muito mais tempo. Parece confuso, mas provavelmente é melhor do que manter a ficção da primazia americana até que ela eventualmente entre em colapso sob seu próprio peso.

Isso não quer dizer que os EUA não continuarão a causar estragos no mundo, e de fato podemos estar vendo-os se tornarem ainda mais agressivos do que antes. Porque quando antes estavam (mal, e muito hipocritamente) tentando manter alguma aparência de autoproclamada “ordem baseada em regras”, agora nem precisam fingir que estão sob qualquer restrição, nem mesmo a restrição de jogar bem com aliados. É o fim do império dos EUA, mas definitivamente não é o fim dos EUA como uma grande força disruptiva nos assuntos mundiais.

No geral, essa transformação pode marcar uma das mudanças mais significativas nas relações internacionais desde a queda da União Soviética. E os mais despreparados para isso, como já é dolorosamente óbvio, são os vassalos da América, pegos completamente desprevenidos pela percepção de que o patrono em que confiaram por décadas agora os está tratando como apenas mais um conjunto de países com quem negociar.

 

¨      Essa América cada vez menor que abandona o papel de líder. Por Mário Giro

Onde está a América que se coloca à frente do mundo livre? A América que guia o globo e aponta para o futuro comum da liberdade? Não apenas aquela da Nova Fronteira kennedyiana ou do New Deal rooseveltiano, mas também aquela de Eisenhower, Reagan e dos Bushes: a América líder do mundo livre, que venceu fascismo e comunismo e enfrentou impávida terrorismos de todo tipo.

No discurso de posse de Trump, não havia sinal dessa América: nenhuma referência aos aliados nem à visão americana do mundo, nem a como gostaria de moldá-lo nem à história. Ele praticamente se isolou em uma esfera pequena e mais íntima que, se não fossem os Estados Unidos, poderia ser definida de “provinciana”, pelo menos como pensamento.

<><> Soberanismo vingativo

É uma América que vale só para si mesma, sem ninguém ao redor e, acima de tudo, sem ambição de moldar nada. Uma América que não oferece nada, pretende e ponto. O soberanismo dos Estados Unidos não pode se reduzir a uma atitude vingativa e rancorosa em relação a tudo e a todos: dessa forma, parece mais fraco e limitado, reduzido a uma ambição pequena e sem projeto global.

A verdadeira aspiração estadunidense, o “destino manifesto” da “casa sobre a colina”, deveria brilhar no alto, visível para todos, um exemplo para todos, um modelo para cada uma das outras nações, envolvente, não importa se curvado para direita ou para esquerda. Deveria ser uma América dona da história.

Sempre haverá adversários, às vezes até inimigos, é óbvio. Mas sem um apelo que atraia a todos, não existe América, mas apenas um país banalizado, semelhante a outros, focado apenas em seus próprios interesses econômicos (como todos), o mais forte e poderoso, mas que não seduz e não atrai. Não importa se a visão venha a se explicitar na versão republicana ou democrata: a América sempre foi uma exceção, justamente porque, além de ser o país mais forte e rico, é também aquele que propôs uma ideia comum e um sonho para cada homem e cada país sobre esta terra.

<><> Esquecer os sonhos

Pode ser um projeto oposto a outros, severo e inflexível, mas ainda assim oferecido a todos.

Uma ideia imperial. Fala-se muito da Roma antiga como exemplo, mas nas palavras de Trump faltava exatamente o apelo às outras nações, não havia nem mesmo um convite para se curvar à visão estadunidense do bem comum global. A grandeza dos Estados Unidos sempre foi uma aspiração ao universalismo de seus valores de liberdade, democracia e livre iniciativa. Caso contrário, trata-se de uma América que não quer impérios, sem sonho, sem voo, sem despregar de asas, uma espécie de reedição da Europa colonial e egoísta de outrora, mas fora do prazo de validade.

Não estamos mais no século XIX e outras nações reagem de forma diferente, sem aceitar nenhuma supremacia a menos que seja acompanhada de uma paixão coletiva. Sem ser estadunidenses, como se sentir dentro do discurso de Trump na posse? Somente se tornando estadunidenses, o que, a propósito, está cada vez mais difícil. Não havia naquelas palavras nenhuma ideia de comunidade de nações, nem sequer dependente da férrea hegemonia de Washington. Ou estava implícita demais.

O resto do mundo simplesmente não existia, exceto a parte descrita como hostil e criminosa. Não havia aliados, amigos, fiéis e nem mesmo súditos. Não ouvimos uma proposta para eles ou para o mundo.

Mas uma América enrodilhada sobre si mesma e sem ambição global, que tipo de país é? Cabe se perguntar isso agora que começa o segundo governo Trump. E seus (e nosso?) adversários mais fortes têm uma proposta para todos, como Moscou e Pequim pregam há muito tempo. Eles certamente atraem pouco, mas se Washington parar de tentar “conquistar os corações e as mentes”, terão mais chance. Não se trata de ter medo, mas de esperar e torcer para que a América volte a ser realmente si mesma: uma América para o mundo. 

 

Fonte: Por Nick Cleveland-Stout, em The Intercept/DW Brasil/Jornal GGN/Domani

 

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