Trocas sinistras:
conceito-chave para compreender a população em situação de rua
Grupo de pesquisa
lança nova pesquisa chamada "Trocas sinistras" e traz uma mudança de
perspectiva sobre a população
em situação de rua.
O grupo reúne
universidades brasileiras, entre pesquisadores da Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF), Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Estudos Sociais e
Políticos (IESP-IUPERJ) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade do Distrito Federal
(UnDF), Universidade Federal do Ceará (UFCE), Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG), UNIFACIG, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
(FLACSO).
A pesquisa foi
Coordenada pelos sociólogos Dr. Igor
de Souza Rodrigues (UNIFACIG)
e Dr. Dmitri Cerboncini Fernandes (UFJF).
Confira os principais
resultados da pesquisa.
1. Finalizamos uma
pesquisa sobre a situação de rua. O relatório é fruto de mais de 10 anos
de investigação, teórica e empírica sobre a vida nas ruas.
2. A pesquisa foi
realizada em Volta Redonda-RJ, Manhuaçu-MG, Passos – MG, Barbacena-MG, Coretolândia e Sagrado
Altar (cidades ocultadas pela questão ética científica) – para entender o
avanço da situação de rua para as médias cidades e pequenas cidades do Brasil.
3. Mostramos o
aumento na assistência nos últimos anos; mostramos o aumento dos estudos sobre
a situação de rua; o aumento dos serviços prestados. Mostramos também como a
quantidade de pessoas
em situação de rua aumentou nos últimos anos;
4. O trabalho
procura inicialmente explicar então "onde o Brasil está
errando": o fracasso das políticas públicas, apesar do aumento dos
serviços, dos investimentos na assistência, houve aumento expressivo no número
de pessoas vivendo nas ruas, ao mesmo tempo, o debate público passa por uma
crise de alternativas - o que chamamos de "panorama sombrio".
5. Uma boa parte da
sociedade desconhece ou ignora o fato de que a situação de rua não é
produto apenas do comportamento daqueles que vivem nestas condições, a
sociedade como um todo tem colaborado para engendrar e produzido o grupamento.
6. A pesquisa
mostrou como os mitos construídos sobre os cidadãos em situação de
rua retiram a dignidade na medida em que massacram o grupamento e levam
subjetividades à ruína (destruição de autoestima, autoconfiança, disciplina).
7. Inovamos em
diversas questões: descartamos a teoria da multicausalidade da
situação de rua (que a situação de rua tem múltiplas causas), assim como
a teoria da exclusão (que são excluídos da sociedade - apontamos como
fazem parte do sistema).
8. A pesquisa
mostrou como a situação de rua decorre, em suas manifestações, dos processos de
ruptura das trocas, simbólicas e materiais, e da fragmentação da reciprocidade
com o social, a sociedade tem tido dificuldades em absorver estes indivíduos
com vínculos que garantam direitos e cidadania.
9. O aumento
da situação de rua tem tido grande interferência da eliminação dos postos
de trabalho, da automação, dos sistemas
informatizados de operacionalização mecânica. Cada vez mais, tem-se observado
uma questão central do processo que estamos discutindo: a informatização e a
informalidade empurrar pessoas para a condição de extremidade e vulnerabilidade
social. A eliminação do trabalho. O capitalismo tem descartado não apenas
matérias, mas seres humanos que não servem ao processo em questão.
10. Descobrimos
como a questão da troca é um epicentro do problema da vida nas ruas. Entendemos
que as “trocas sinistras”, relações pelas quais a sociedade tem se guiado são
uma das principais causas do fenômeno. A QUESTÃO DAS TROCAS SINISTRAS É CHAVE
NO PROCESSO.
11. Criamos uma
nova teoria do valor para entender como a sociedade tem construído tipos de
vulnerabilidade e criado sistema de descarte de pessoas.
12. As trocas
sinistras se dão e refletem a contradição entre a tentativa de cuidado e a
de violência com quem vive nas ruas. Trocas sinistras são relações que se
alimentam da humilhação e de uma espécie de “sadismo social”. A sociedade se
relaciona com alguém, fica frente a frente e, ao mesmo tempo, deseja a sua
eliminação, o descarte, a sua morte, um misto de piedade, sadismo e humilhação.
13. Há certa
dubiedade entre a mão que acolhe e a mão que bate, uma compreensão mal
resolvida em relação à miséria, entre o ódio e a
promoção de direitos, entre a generosidade e a perversão.
14. As políticas do
Estado, em grande medida, têm se organizado sob o vergalhão deste tipo de
relação – por um lado, cria-se albergues, aluguel social, Centro Pop,
distribuição de alimentos, por outro lado, viola-se, desconsidera e se tritura
direitos dos cidadãos em situação de rua. Há proximidade física, mas distinção,
distância moral, simbólica e material, bombardeia-se a subjetividade do
indivíduo com uma série de rotinas humilhantes, tornando-os produtos humanos
descartados do capitalismo. Destina-se instituições para a assistência,
cuidados, realiza-se doações, cria-se políticas públicas, mas se quer afastar,
inexiste o elemento base da relação de pertencimento, a reciprocidade.
15. A ausência de
reciprocidade nas trocas humanas também é motivada pelo processo de
animalização dos cidadãos em situação de rua, considerados “sujos”, “feios” e
“maldosos”
16. No contexto
de vida nas ruas, o cachorro representa, em boa medida, resquícios de
reciprocidade em um deserto de laços fragilizados, interrompidos, de trocas
sinistras e impedimentos, empatia em campo de indiferença.
17. Mostramos como
estas pessoas têm uma expectativa negativa em relação ao Estado e por isso, na
grande maioria das vezes, o Estado está falhando.
18. Mostramos como
os cidadãos em situação de rua não gozam de prestígio perante a sociedade para
alimentar as expectativas que a própria sociedade exige para a plena inserção.
19. Mostramos como
a sociedade reserva para a situação de rua um permanente estado
de inconstitucionalidade, uma dimensão localizada no banimento da ordem de
direitos, como se um lugar fosse montado para tolerar, naturalizar e aceitar
o massacre de direitos de determinados indivíduos não considerados
cidadãos. Cria-se, então, uma “redoma da violação”, tanto pelo Estado penal,
que realiza opressões de toda ordem, quanto pelo Estado social, que ignora
e não realiza ações necessárias para evitar violações de direitos dos não
absorvidos em cidadania.
20. A visão da
sociedade sobre a vida nas ruas também contribui como responsável por estas
trocas sinistras e pela redoma da violação e pelo banimento de direitos
dos cidadãos em situação de rua.
21. Detectamos algo
que chamamos de exploração dos fundos de vida: uma relação de trabalho
explorativa, exaustiva sem vínculos formais, jurídicos e de baixíssima
recompensa material, que consome o indivíduo e o aprisiona em um ciclo não
sustentável. O trabalho por quase nada.
Fonte: Por Igor
Rodrigues, doutor em ciências sociais e pesquisador sênior do Ministério da
Justiça/SENAD, em IHU
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