João Reis da Silva Júnior:
Eles ainda estão aqui
A anistia de 1979 causou indignação na sociedade brasileira e na
imprensa mundial. Ela perdoou tanto criminosos quanto vítimas, preservando os
homens de farda e defensores do pacto colonial vigente. Este alerta vem do
filme Ainda Estou Aqui, que premiou Fernanda Torres como melhor
atriz no Globo de Ouro 2025. Promulgada pelo presidente João Figueiredo, a lei
concedeu anistia a criminosos políticos ativos entre 1961 e 1981, incluindo
torturadores e assassinos das forças de segurança.
Os anistiados englobavam militares, policiais e civis perseguidos ou
punidos por atividades políticas durante o regime militar. A lei foi
considerada um “cala-boca histórico” devido ao envolvimento das forças armadas.
A intenção era encerrar o vexame criminoso e estabelecer a reconciliação
nacional, mas intelectuais e políticos criticaram, argumentando que, como no
Chile, Argentina e Uruguai, os torturadores de patentes deveriam estar presos.
O filme recebeu aplausos merecidos no Festival de Cannes (França)
e atraiu multidões aos cinemas do país. A obra é uma cobrança artística que
reflete a vontade popular, exceto dos golpistas de 8 de janeiro. No final de
2022 e início de 2023, estivemos à beira de outra ditadura. Temos uma nova
oportunidade de romper o pacto colonial, devolver os militares aos quartéis e
iniciar uma verdadeira democracia. Uma Nação não pode tolerar a invasão militar
na República. Somos tutelados pelos países centrais do capitalismo e precisamos
conquistar respeito além das fronteiras brasileiras. Não se trata apenas de
Anistia Jamais, mas de dar adeus à “impunidade fardada”.
A ditadura deixou cicatrizes permanentes na sociedade brasileira. Nos
anos de chumbo, a repressão política foi intensa, com prisões arbitrárias,
tortura e desaparecimentos. Numerosos indivíduos foram perseguidos por suas
convicções políticas e ações. A censura à imprensa e à comunicação foi
vigorosamente instituída, controlando as informações e cerceando a liberdade de
expressão. O regime militar implementou políticas econômicas que objetivavam o
desenvolvimento nacional, que futuramente se consolidaram no Plano Real e na abertura
econômica; entretanto, tais políticas também acentuaram repercussões negativas,
como a dívida externa, que era de 1 bilhão de dólares em 1964 e, ao final da
ditadura, alcançou 105 bilhões de dólares, agravando a desigualdade social.
A ditadura deixou um legado na educação com a operacionalização do
Mobral, que focava na aprendizagem de leitura e escrita para transformar
cidadãos em trabalhadores alfabetizados, sem promover o conhecimento de mundo e
a criticidade. A luta pela memória e justiça continua a ressoar, manifestada
por meio de movimentos e comissões dedicadas a reconhecer e reparar as
atrocidades contra os direitos humanos perpetradas durante o regime militar. A
ditadura, em seu fim, inaugurou um processo de redemocratização com eleição de
Tancredo Neves em 1985 e na promulgação de uma nova Constituição em 1988.
No entanto, durante a ditadura militar brasileira, famílias de
perseguidos ou presos viveram sob um manto constante de medo e incerteza.
Muitas conviviam com o temor de que seus entes queridos fossem detidos ou
desaparecessem a qualquer instante. Esse ambiente de repressão e violência
traumatizou a psique da população.
Após o término da ditadura, muitas famílias continuaram a enfrentar
traumas psicológicos e memórias dolorosas. O silêncio forçado e o esquecimento
imposto pelo regime dificultaram a cura e a busca por justiça. Entretanto,
iniciativas como a Comissão da Verdade (CNV) e as Clínicas do Testemunho
eventualmente proporcionaram um espaço para a reparação psicológica e a
reconstrução da memória.
As marcas psicológicas da ditadura ainda reverberam, mas há um esforço
contínuo para enfrentar essas cicatrizes e promover a justiça e a verdade.
Durante o regime militar brasileiro, empresários e banqueiros mantiveram, e em
muitos casos, aumentaram seu poder e influência. Numerosas empresas e grandes
corporações apoiaram ativamente o golpe de 1964 e colaboraram com o regime
militar. A Comissão Nacional da Verdade documentou mais de 80 empresas que
participaram de ações de repressão e violação dos direitos humanos.
Em relação aos interesses dos Estados Unidos, existem indícios de que o
governo americano respaldou o golpe militar, visando evitar que o Brasil se
tornasse uma “Cuba” no hemisfério ocidental. O embaixador norte-americano no
Brasil à época, Lincoln Gordon, foi um dos principais defensores dessa posição.
Ainda que não haja provas cabais de que os EUA tenham orquestrado o golpe,
documentos recentemente revelados indicam que financiaram adversários de João
Goulart e mantinham tropas em prontidão para intervir, caso fosse necessário.
Ainda assim, as marcas da ditadura perduram no Brasil, manifestando-se de
diversas formas no presente:
(i) Direitos trabalhistas e sociais: a ditadura implementou políticas
que enfraqueceram os direitos dos trabalhadores e sociais, cujos impactos
continuam a influenciar as condições laborais no Brasil.
(ii) Cultura de impunidade: A ausência de punição para os responsáveis
por violações dos direitos humanos durante o regime militar fomentou uma
cultura de impunidade que persiste em diversos setores da sociedade.
(iii) Desigualdade social: as políticas econômicas adotadas pelo regime
militar favoreceram a elite e ampliaram a desigualdade social, um problema que
permanece central no Brasil contemporâneo.
(iv) Memória e justiça: A luta pela memória e pela justiça persiste, com
movimentos e comissões dedicados a reconhecer e reparar as violações dos
direitos humanos perpetradas durante o regime militar.
(v) Política e democracia: A ditadura imprimiu marcas indeléveis na
política brasileira, moldando a forma como governos e instituições operam até
os dias atuais. Durante o regime militar brasileiro, diversas famílias
tradicionais e empresários forneceram apoio financeiro ao regime.
Entre as famílias e empresas mais notórias que colaboraram com a
ditadura, destaco algumas:
(a) Família Boilesen: Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragaz,
foi um dos principais financiadores da Operação Bandeirantes (Oban), uma das
entidades de repressão do regime;
(b) família Matarazzo: Os Matarazzos, uma das mais abastadas do Brasil,
também era conhecida por seu apoio ao regime militar.
(c) família Villas-Bôas: Conhecida por sua influência no setor bancário
e industrial, a família Villas-Bôas também apoiou o regime militar.
(d) família Moreira Salles: ligada aos maiores bancos brasileiros e ao
trabalho escravo na exploração de nióbio, esta família também contribuiu com
recursos financeiros para o golpe.
Hoje, o mundo inteiro está ciente de muito mais do que foi exposto nesta
coluna. Contudo, não posso deixar de fazer uma veemente cobrança ao governo
legitimamente eleito: que não se conceda perdão a ninguém, desde o cabo que
vigia o quarteirão até o general de quatro estrelas.
¨ Em
novo relatório, PF deve indiciar financiadores do golpe e "pessoal do
agro"
A Polícia Federal (PF) prepara um novo
relatório sobre a tentativa de golpe de Estado no Brasil que
servirá como um complemento ao documento apresentado em novembro que indiciou 40 pessoas pela trama golpista, entre elas o
ex-presidente Jair Bolsonaro e o general Walter Braga Netto.
Segundo o diretor-geral
da PF, Andrei Rodrigues, os depoimentos e materiais obtidos na operação
Contragolpe, que levou o general Mário Fernandes à cadeia e desbaratou um plano
no âmbito da tentativa de golpe que visava assassinar o presidente Lula, o
vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal (STF), estão em análise e servirão de base para o novo relatório, que
deve indiciar nomes
até então ocultos na trama golpista.
Em entrevista ao jornal
O Globo na última segunda-feira (6), Andrei Rodrigues indicou que, entre os
indiciados no novo relatório a ser apresentado, deverão constar os financiadores
da tentativa de golpe, entre eles o "pessoal do agronegócio" que,
segundo depoimento do tenente-coronel Mauro Cid em delação premiada, teria dado
o dinheiro entregue por Braga Netto a militares "kid preto" para
executar o plano de assassinar autoridades.
"Ainda permanecem
questões que estão sendo apuradas, até em razão da Operação Contragolpe
(realizada em novembro). A partir das apreensões realizadas nessa fase, de
depoimentos coletados, dos que ainda serão tomados e de outros fatores que
estão sendo apurados, vamos finalizar um relatório complementar que também vai
servir de base para a Procuradoria-Geral da República fazer a análise",
disse Rodrigues.
"Há
expectativa das pessoas de que houvesse um ou alguns grandes financiadores, mas
a investigação é clara ao apontar que houve várias pessoas, algumas já presas e
condenadas. Um cedeu um ônibus, outro cedeu água, outro cedeu comida... Existe
essa pulverização. E agora há esse fato trazido pelo depoimento [de Mauro Cid].
Vai ser apurado exatamente de onde saiu esse valor. Mas são detalhes que não
interferem no seio da investigação, que apontou cabalmente a tentativa de
golpe", prosseguiu.
O diretor-geral da PF
apontou, ainda, que novas prisões podem ser realizadas até o fim de janeiro,
quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve oferecer denúncia contra os
indiciados na trama golpista e torná-los, oficialmente, réus.
"Nós não vamos
perseguir nem proteger ninguém. Se houver um fato novo que atenda aos
requisitos jurídicos, técnicos e legais, é possível, sim, que outras prisões
ocorram. Ninguém está imune à legislação. Todos temos o mesmo sentimento de que
precisamos separar as instituições daquelas pessoas que se desviaram.
Inclusive, um policial federal já foi preso. Não vamos passar a mão na cabeça
de ninguém, seja militar, policial, profissional liberal...", disparou
Rodrigues.
<><> Denúncia da PGR
O ano de 2025 começou
e, com ele, aumentam as expectativas para uma denúncia da
Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair
Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado no Brasil entre o fim de 2022
e início de 2023.
Com isso, inicia-se
a contagem regressiva para uma eventual prisão de Bolsonaro, que, após ser
denunciado, será submetido a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O procurador-geral da
República, Paulo Gonet, indicou que a denúncia deve ser apresentada ainda no
início do ano. Ele abriu mão do recesso de janeiro, sinalizando urgência
no caso. O ministro relator do inquérito no STF sobre a tentativa de golpe,
Alexandre de Moraes, também optou por não tirar férias.
A expectativa é que
Gonet analise o relatório da Polícia Federal (PF), que indiciou Bolsonaro e
outras 39 pessoas, ao longo de janeiro. Assim, a denúncia contra o
ex-presidente e outros envolvidos na tentativa de golpe deve ser apresentada,
no máximo, em fevereiro. Isso indica que o julgamento de Bolsonaro no STF
deve ocorrer ainda em 2025, abrindo caminho para uma possível prisão este ano.
<><> Os próximos passos
O procurador-geral da
República Paulo Gonet analisará o relatório de indiciamento da PF e decidirá se
as provas reunidas na investigação são suficientes para apresentar uma
denúncia. A partir disso, o STF avalia se aceita ou não a denúncia.
Se aceita, Bolsonaro e
outros indiciados passarão à condição de réus e enfrentarão um julgamento,
onde os ministros analisarão provas e argumentos de defesa e acusação. O
ex-presidente é acusado, além de integrar organização criminosa, de ter
cometido abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa
golpe de Estado, podendo pegar até 28 anos de prisão.
Além disso, em casos
excepcionais, pode haver prisão preventiva antes do julgamento, como ocorreu
com o general Braga Netto. Ele foi preso preventivamente em 14 de
dezembro sob a acusação de obstrução de justiça, após alegações de que
tentou obter informações da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
¨ AGU
contrata advogados no exterior para extraditar condenados pelo 8 de Janeiro
A Advocacia-Geral da União (AGU) assinou,
nesta quinta-feira (8), uma autorização para que o governo federal contrate
advogados no exterior que possam iniciar o processo de extradição dos
condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
A ação ocorreu no mesmo
dia em que, há dois anos, os prédios da Praça dos Três Poderes eram
destruídos por centenas de golpistas. A
assinatura da autorização cumpre a decisão proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em 64 ações penais do
inquérito que apura as ações criminosas.
Com a autorização, a
AGU solicitará ao STF informações atualizadas dos pedidos de extradição e
atuará junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para identificar
os casos que recomendam a efetiva atuação judicial no exterior para garantir a efetivação
das extradições.
A contratação de
advogados no exterior para representar o Estado brasileiro é necessária devido
aos requisitos de habilitação profissional exigidos por outros países.
Atualmente, 122 golpistas condenados
são considerados foragidos.
Em relação à metade deles, medidas para extradição já foram tomadas. Todos
estavam sendo monitorados por meio de tornozeleiras eletrônicas, que foram
rompidas.
Após dois anos dos atos
golpistas, o STF já condenou 371 pessoas. Outras 527 admitiram a prática de
crimes menos graves e fizeram acordo com o Ministério Público Federal (MPF),
totalizando 898 envolvidos
responsabilizados até o momento.
A maioria dos
condenados (225) praticou crimes
graves, com penas que variam de três anos a 17 anos e seis
meses de prisão. Os crimes apontados foram: tentativa de abolição do Estado
Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa
e deterioração de patrimônio público.
Já outras 146 pessoas
foram condenadas por incitação e associação criminosa, considerados crimes
simples. Essas pessoas não foram presas, mas devem usar tornozeleira
eletrônica por um ano, pagar multa, prestar 225 horas de serviços à
comunidade e participar de um curso presencial sobre democracia. Também estão
proibidas de usar redes sociais nesse período e de viajar, mesmo dentro do
Brasil, sem autorização judicial.
Fonte: A Terra é
Redonda/Fórum
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