quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Emerson Barros de Aguiar: Primavera fascista - o novo desabrochar da podridão

Na Alemanha, a ascensão da Alternativa para a Alemanha, AfD, partido de extrema-direita, está influenciando decisivamente o cenário político em meio a uma grave crise de governo. O colapso da gestão de Olaf Scholz, após a demissão do ministro das Finanças e da saída do FDP de sua coalizão, resultou na dissolução do Parlamento e na convocação de novas eleições antecipadas para fevereiro de 2025.

O problema é que a AfD tem se destacado nas pesquisas como a segunda força política do país, à frente até mesmo do Partido Social-Democrata, de Scholz. Apesar do mal estar dos partidos tradicionais em formarem coalizões com a AfD, a sua crescente influência dificulta a composição de maiorias estáveis no parlamento, o que compromete o futuro político do país.

O avanço da extrema-direita alemã reflete o uso eficaz de discursos nacionalistas e anti-imigração, confirmando a tendência global de fortalecimento de partidos de extrema direita, como observado em outros países como Estados Unidos, Áustria, França, Argentina e Brasil.

Na Alemanha, esse fortalecimento pressiona os partidos tradicionais a lidar com um parlamento fragmentado e com desafios à governabilidade. A AfD já havia perigosamente obtido o seu maior resultado histórico nas eleições europeias em junho de 2024, a partir de discursos anti-imigração e da exploração de sentimentos nacionalistas e agora aspira ao poder máximo, fortalecida, principalmente, pela demagogia xenofóbica.

Na Áustria, em outubro de 2024, o Partido da Liberdade alcançou um patamar histórico ao sair vitorioso nas eleições legislativas, explorando o discurso antissistema e a frustração da população com a classe política dominante. O Reagrupamento Nacional, partido francês liderado por Marine Le Pen, superou o partido do presidente Emmanuel Macron nas eleições para o Parlamento Europeu em junho de 2024.

Na Argentina, a eleição de Milei, candidato de retórica neoliberal, marcou uma guinada política que precipitou o país numa profunda crise social. Desde sua posse como presidente em dezembro de 2023, as condições de vida se deterioraram, com aumentos alarmantes nos índices de pobreza e de insegurança alimentar. No primeiro semestre de 2024, a taxa de pobreza atingiu 52,9%, o nível mais alto desde 2004, representando um aumento de 11 pontos percentuais em relação ao semestre anterior, com a indigência superando os 18%. Hoje, 32,2% das crianças e adolescentes do país enfrentam algum grau de insegurança alimentar, com 13,9% em situação severa. As medidas de austeridade econômica implementadas pelo governo Milei, turbinaram o aumento da pobreza e da fome. 66% dos menores de 14 anos vivem hoje na pobreza. Além disso, os cortes no financiamento na educação pública resultaram na rápida deterioração da qualidade do ensino.

A estratégia da extrema-direita de se apresentar como "antissistema" é uma tática que repete as estratégias demagógicas utilizadas por partidos fascistas, numa abordagem que consiste principalmente em explorar o descontentamento popular com a política tradicional e se posicionar como a única alternativa legitima e viável para uma suposta mudança radical, simplificando problemas urgentes e complexos com soluções autoritárias, vulgares, rasas e populistas.

A demagogia fascista se baseia em promessas de retorno a uma “grandeza” perdida e na adesão a uma ordem idealizada, ainda que sem qualquer base histórica realista. Seus líderes utilizam uma retórica barata e emocional para instigar o medo e a raiva contra a legalidade, contra os imigrantes, contra grupos minoritários e contra instituições democráticas. Hitler usou o descontentamento com o Tratado de Versalhes e a crise econômica da República de Weimar para se apresentar como o salvador que restauraria a glória perdida da Alemanha. De modo análogo, partidos como a AfD capitalizam o medo da globalização e da imigração, prometendo recuperar a soberania nacional e reforçar a segurança econômica. A crise dos refugiados foi amplamente explorada pelo Reagrupamento Nacional, na França, que apresenta as políticas anti-imigração como solução contra a “ameaça” à identidade nacional.

Movimentos de extrema-direita prosperam em tempos de crise econômica, social ou política, pois capitalizam e exploram crises, gerando incertezas que favorecem o seu discurso fácil e autoritário. 

Embora o discurso fascista antissistema se apresente como renovador, os partidos de extrema-direita, uma vez instalados no poder, como primeira providência, atacam instituições democráticas, promovendo medidas que enfraquecem a liberdade de imprensa e a independência do judiciário, que precarizam os direitos sociais e que promovem as desigualdades. Países que elegeram governos populistas de direita registraram quedas acentuadas nos índices de liberdade e democracia, como ocorreu na Polônia e na Hungria, onde medidas para limitar a imprensa e consolidar o poder executivo foram adotadas. A comparação com o fascismo histórico não é apenas retórica, mas baseada em padrões facilmente identificáveis, como o culto personalista dos líderes, que são sempre apresentados como figuras redentoras, carismáticas e indispensáveis. Outras características são a propagação da ideia de “pureza”, seja ela racial, cultural ou religiosa, e a atribuição de culpa a inimigos fabricados especialmente para serem responsabilizados pelos principais problemas nacionais. Em geral, os partidos de extrema-direita contemporâneos apontam os imigrantes, as ONGs, os movimentos sociais e as instituições internacionais como os principais causadores dos problemas sociais e econômicos.

A estratégia tem raízes na manipulação emocional e no apelo ao descontentamento popular, numa abordagem que reinventa velhas táticas autoritárias, adaptando-as ao contexto político atual. Segundo Hannah Arendt, regimes autoritários se consolidam ao explorar as frustrações e o desespero das massas desiludidas com sistemas políticos incapazes de resolver imediatamente crises econômicas e sociais. Sem dúvida, a extrema-direita atual é quem melhor utiliza essa vulnerabilidade para mobilizar as massas, apresentando-se como alternativa à "ineficiência" das democracias liberais.

A política do medo é central para os movimentos autoritários. O receio de mudanças demográficas, da imigração e da globalização é manipulado para justificar a implementação de medidas autoritárias. Tanto quanto no passado, a extrema-direita se posiciona como "defensora" da soberania nacional contra ameaças externas, reais ou imaginárias, num discurso que cria inimigos para galvanizar apoio e justificar políticas que restringem direitos. Movimentos e partidos de viés fascista constroem sua popularidade por meio da criação de antagonismos e polarizações, apresentando-se como a voz legítima do "verdadeiro povo" em oposição às "elites corruptas", aos "inimigos externos" e aos “sabotadores” domésticos dos valores tradicionais, numa dicotomia simplista e perigosa, mas eficaz. 

A extrema-direita explora a crise de representação das democracias liberais para construir uma identidade coletiva excludente, baseada no nacionalismo e na nostalgia doentia, rejeitando a complexidade em favor de soluções simplistas e irracionais, e prometendo resolver problemas estruturais com ações autoritárias, mesmo sem apresentar planos concretos ou viáveis. Líderes fascistas prometem fortalecer a democracia ao mesmo tempo em que solapam as suas fundações, ao restringir liberdades civis e enfraquecer as instituições, erodindo lentamente as garantias democráticas, em sua estratégia deliberada para capturar o descontentamento e transformar o medo em apoio político massivo.

O cenário internacional mostra uma clara tendência global de fortalecimento de movimentos e partidos de extrema direita. A eleição de Donald Trump marca o fortalecimento da extrema-direita internacional. O “agente laranja” retornou prometendo "drenar o pântano" de Washington, priorizar os “interesses americanos”, cortar programas sociais e a adotar políticas de imigração ainda mais restritivas, numa retórica antissistema e de austeridade econômica semelhante à de Milei, que usa a "motosserra" como símbolo de cortes profundos, que só ampliam e aprofundam as desigualdades sociais.

A ascensão de partidos de extrema-direita na Europa reflete um padrão semelhante, com campanhas eleitorais centradas em temas nacionalistas e anti-imigração.

O fenômeno global de populismo autoritário utiliza o descontentamento para implementar políticas que, ao invés de resolverem problemas estruturais, agravam as desigualdades e ampliam as crises sociais, pois o fascismo é especialista em criar problemas para depois se apresentar como solução a eles, criando ou amplificando crises para, em seguida, colocar-se como a cura.

Na Europa, a extrema-direita explora o tema da imigração sendo, paradoxalmente, responsável pelas políticas que introduziram contingentes de imigrantes de forma desregulada, para, depois, criticá-los e lhes recusar direitos. Nos anos 1990 e 2000, governos conservadores e de direita na Europa implementaram políticas que facilitaram a entrada massiva de imigrantes em condições precárias, a fim de suprir demandas por mão de obra barata em setores como construção, agricultura e serviços. Na Alemanha, nas décadas de 1980 e 1990, imigrantes foram introduzidos em grande número, especialmente os de países como Turquia e do Leste Europeu. Contudo, no que pese a importância para a economia, a sua integração foi negligenciada. Até hoje, os trabalhadores convidados durante o programa Gastarbeiter não tem acesso à cidadania plena e a direitos sociais, mesmo após décadas de residência. Na Itália, durante os governos de inspiração fascista de Silvio Berlusconi, a introdução de imigrantes igualmente foi usada para atender demandas do mercado de trabalho informal.

De modo contraditório e hipócrita, após facilitarem a entrada de trabalhadores estrangeiros, governos e partidos de direita depois mudaram a sua retórica, passando a criticar sua presença, explorando medos culturais e econômicos das populações nacionais para fins eleitorais.

Marine Le Pen acusa os imigrantes, buscando associá-los ao aumento da criminalidade e ao desemprego, ocultando o fato de que eles ingressaram na França durante governos conservadores que facilitaram a sua entrada para revitalizar setores econômicos. Na Inglaterra, o Partido Conservador também explora a questão da imigração como um problema, apesar de ter sido o principal responsável pela implementação de políticas que atraíram grandes contingentes de trabalhadores do leste europeu. Na agricultura espanhola e italiana, o trabalho de imigrantes é essencial, mas os direitos desses trabalhadores continuam sendo ostensivamente negados.

A crise migratória foi construída e instrumentalizada por líderes populistas de extrema-direita justamente para reforçar as suas agendas xenofóbicas, enquanto escondem que a imigração foi uma resposta às demandas econômicas de seus próprios sistemas. A retórica xenofóbica varreu para debaixo do tapete a introdução de contingentes de imigrantes para atender interesses econômicos imediatos e de curto prazo e, agora, utiliza a sua presença como bode expiatório para problemas sociais e econômicos, refletindo o padrão fascista de manipulação política.

Desafortunadamente, a extrema-direita se encontra em franca ascensão, tendo as suas promessas demagógicas e insustentáveis acolhidas, do mesmo modo que a infecção que vai se instalando, e, até não se tornar crítica, engana e não parece a doença grave que causará danos desastrosos. Ao que parece, a memória, embora recente, dos enormes desastres humanitários produzidos por ideologias nazifascistas se arrefeceu e necessita ser restaurada através de uma nova tragédia. O fenômeno alarmante, apesar de evidentes precedentes históricos devastadores, demonstra o apelo do fascismo, quando se manifesta sob novas roupagens, mesmo preservando o seu núcleo autoritário e manipulador.

Discreto em sua introdução, mas letal em seu impacto, o vírus do fascismo vai corroendo as estruturas sociais e democráticas até finalmente se revelar. Infelizmente, as pessoas, em tempos de crise, buscam respostas rápidas e fáceis para problemas complexos. A memória coletiva, que deveria servir como antídoto, está esmaecida. O genocídio e as guerras desencadeadas por ideologias extremistas, letais e perigosas se tornaram, para muitos, histórias distantes, e não lições vivas e necessárias.

O esquecimento histórico e a passividade diante das erosões democráticas abrem as portas para regimes injustos, brutais e sanguinários. Quando sinais claros são ignorados, mesmo por sociedades supostamente esclarecidas, como é o caso da Europa, os sistemas democráticos se tornam vulneráveis, e a ascensão de líderes carismáticos, mas destrutivos, torna-se inevitável. O preço desse esquecimento é terrível, pois a sedução fascista atua como uma cortina de fumaça, mascarando suas intenções destrutivas, que só se tornarão visíveis para a grande maioria quando já for tarde demais...

 

Fonte: Brasil 247

 

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