Emerson Barros de Aguiar: Primavera
fascista - o novo desabrochar da podridão
Na Alemanha, a ascensão da
Alternativa para a Alemanha, AfD, partido de extrema-direita, está
influenciando decisivamente o cenário político em meio a uma grave crise de
governo. O colapso da gestão de Olaf Scholz, após a demissão do ministro das
Finanças e da saída do FDP de sua coalizão, resultou na dissolução do
Parlamento e na convocação de novas eleições antecipadas para fevereiro de
2025.
O problema é que a AfD tem
se destacado nas pesquisas como a segunda força política do país, à frente até
mesmo do Partido Social-Democrata, de Scholz. Apesar do mal estar dos partidos
tradicionais em formarem coalizões com a AfD, a sua crescente influência
dificulta a composição de maiorias estáveis no parlamento, o que compromete o
futuro político do país.
O avanço da extrema-direita
alemã reflete o uso eficaz de discursos nacionalistas e anti-imigração,
confirmando a tendência global de fortalecimento de partidos de extrema
direita, como observado em outros países como Estados Unidos, Áustria, França,
Argentina e Brasil.
Na Alemanha, esse
fortalecimento pressiona os partidos tradicionais a lidar com um parlamento
fragmentado e com desafios à governabilidade. A AfD já havia perigosamente
obtido o seu maior resultado histórico nas eleições europeias em junho de 2024,
a partir de discursos anti-imigração e da exploração de sentimentos
nacionalistas e agora aspira ao poder máximo, fortalecida, principalmente, pela
demagogia xenofóbica.
Na Áustria, em outubro de
2024, o Partido da Liberdade alcançou um patamar histórico ao sair vitorioso
nas eleições legislativas, explorando o discurso antissistema e a frustração da
população com a classe política dominante. O Reagrupamento Nacional, partido
francês liderado por Marine Le Pen, superou o partido do presidente Emmanuel
Macron nas eleições para o Parlamento Europeu em junho de 2024.
Na Argentina, a eleição de
Milei, candidato de retórica neoliberal, marcou uma guinada política que
precipitou o país numa profunda crise social. Desde sua posse como presidente
em dezembro de 2023, as condições de vida se deterioraram, com aumentos
alarmantes nos índices de pobreza e de insegurança alimentar. No primeiro
semestre de 2024, a taxa de pobreza atingiu 52,9%, o nível mais alto desde
2004, representando um aumento de 11 pontos percentuais em relação ao semestre
anterior, com a indigência superando os 18%. Hoje, 32,2% das crianças e
adolescentes do país enfrentam algum grau de insegurança alimentar, com 13,9%
em situação severa. As medidas de austeridade econômica implementadas pelo
governo Milei, turbinaram o aumento da pobreza e da fome. 66% dos menores de 14
anos vivem hoje na pobreza. Além disso, os cortes no financiamento na educação
pública resultaram na rápida deterioração da qualidade do ensino.
A estratégia da
extrema-direita de se apresentar como "antissistema" é uma tática que
repete as estratégias demagógicas utilizadas por partidos fascistas, numa
abordagem que consiste principalmente em explorar o descontentamento popular
com a política tradicional e se posicionar como a única alternativa legitima e
viável para uma suposta mudança radical, simplificando problemas urgentes e
complexos com soluções autoritárias, vulgares, rasas e populistas.
A demagogia fascista se
baseia em promessas de retorno a uma “grandeza” perdida e na adesão a uma ordem
idealizada, ainda que sem qualquer base histórica realista. Seus líderes
utilizam uma retórica barata e emocional para instigar o medo e a raiva contra
a legalidade, contra os imigrantes, contra grupos minoritários e contra
instituições democráticas. Hitler usou o descontentamento com o Tratado de
Versalhes e a crise econômica da República de Weimar para se apresentar como o
salvador que restauraria a glória perdida da Alemanha. De modo análogo,
partidos como a AfD capitalizam o medo da globalização e da imigração,
prometendo recuperar a soberania nacional e reforçar a segurança econômica. A
crise dos refugiados foi amplamente explorada pelo Reagrupamento Nacional, na
França, que apresenta as políticas anti-imigração como solução contra a
“ameaça” à identidade nacional.
Movimentos de
extrema-direita prosperam em tempos de crise econômica, social ou política,
pois capitalizam e exploram crises, gerando incertezas que favorecem o seu
discurso fácil e autoritário.
Embora o discurso fascista
antissistema se apresente como renovador, os partidos de extrema-direita, uma
vez instalados no poder, como primeira providência, atacam instituições
democráticas, promovendo medidas que enfraquecem a liberdade de imprensa e a
independência do judiciário, que precarizam os direitos sociais e que promovem
as desigualdades. Países que elegeram governos populistas de direita
registraram quedas acentuadas nos índices de liberdade e democracia, como
ocorreu na Polônia e na Hungria, onde medidas para limitar a imprensa e
consolidar o poder executivo foram adotadas. A comparação com o fascismo
histórico não é apenas retórica, mas baseada em padrões facilmente
identificáveis, como o culto personalista dos líderes, que são sempre
apresentados como figuras redentoras, carismáticas e indispensáveis. Outras
características são a propagação da ideia de “pureza”, seja ela racial,
cultural ou religiosa, e a atribuição de culpa a inimigos fabricados
especialmente para serem responsabilizados pelos principais problemas
nacionais. Em geral, os partidos de extrema-direita contemporâneos apontam os
imigrantes, as ONGs, os movimentos sociais e as instituições internacionais
como os principais causadores dos problemas sociais e econômicos.
A estratégia tem raízes na
manipulação emocional e no apelo ao descontentamento popular, numa abordagem
que reinventa velhas táticas autoritárias, adaptando-as ao contexto político
atual. Segundo Hannah Arendt, regimes autoritários se consolidam ao explorar as
frustrações e o desespero das massas desiludidas com sistemas políticos
incapazes de resolver imediatamente crises econômicas e sociais. Sem dúvida, a
extrema-direita atual é quem melhor utiliza essa vulnerabilidade para mobilizar
as massas, apresentando-se como alternativa à "ineficiência" das democracias
liberais.
A política do medo é central
para os movimentos autoritários. O receio de mudanças demográficas, da
imigração e da globalização é manipulado para justificar a implementação de
medidas autoritárias. Tanto quanto no passado, a extrema-direita se posiciona
como "defensora" da soberania nacional contra ameaças externas, reais
ou imaginárias, num discurso que cria inimigos para galvanizar apoio e
justificar políticas que restringem direitos. Movimentos e partidos de viés
fascista constroem sua popularidade por meio da criação de antagonismos e
polarizações, apresentando-se como a voz legítima do "verdadeiro
povo" em oposição às "elites corruptas", aos "inimigos
externos" e aos “sabotadores” domésticos dos valores tradicionais, numa
dicotomia simplista e perigosa, mas eficaz.
A extrema-direita explora a
crise de representação das democracias liberais para construir uma identidade
coletiva excludente, baseada no nacionalismo e na nostalgia doentia, rejeitando
a complexidade em favor de soluções simplistas e irracionais, e prometendo
resolver problemas estruturais com ações autoritárias, mesmo sem apresentar
planos concretos ou viáveis. Líderes fascistas prometem fortalecer a democracia
ao mesmo tempo em que solapam as suas fundações, ao restringir liberdades civis
e enfraquecer as instituições, erodindo lentamente as garantias democráticas,
em sua estratégia deliberada para capturar o descontentamento e transformar o
medo em apoio político massivo.
O cenário internacional
mostra uma clara tendência global de fortalecimento de movimentos e partidos de
extrema direita. A eleição de Donald Trump marca o fortalecimento da
extrema-direita internacional. O “agente laranja” retornou prometendo
"drenar o pântano" de Washington, priorizar os “interesses americanos”,
cortar programas sociais e a adotar políticas de imigração ainda mais
restritivas, numa retórica antissistema e de austeridade econômica semelhante à
de Milei, que usa a "motosserra" como símbolo de cortes profundos,
que só ampliam e aprofundam as desigualdades sociais.
A ascensão de partidos de
extrema-direita na Europa reflete um padrão semelhante, com campanhas
eleitorais centradas em temas nacionalistas e anti-imigração.
O fenômeno global de
populismo autoritário utiliza o descontentamento para implementar políticas
que, ao invés de resolverem problemas estruturais, agravam as desigualdades e
ampliam as crises sociais, pois o fascismo é especialista em criar problemas
para depois se apresentar como solução a eles, criando ou amplificando crises
para, em seguida, colocar-se como a cura.
Na Europa, a extrema-direita
explora o tema da imigração sendo, paradoxalmente, responsável pelas políticas
que introduziram contingentes de imigrantes de forma desregulada, para, depois,
criticá-los e lhes recusar direitos. Nos anos 1990 e 2000, governos
conservadores e de direita na Europa implementaram políticas que facilitaram a
entrada massiva de imigrantes em condições precárias, a fim de suprir demandas
por mão de obra barata em setores como construção, agricultura e serviços. Na
Alemanha, nas décadas de 1980 e 1990, imigrantes foram introduzidos em grande
número, especialmente os de países como Turquia e do Leste Europeu. Contudo, no
que pese a importância para a economia, a sua integração foi negligenciada. Até
hoje, os trabalhadores convidados durante o programa Gastarbeiter não
tem acesso à cidadania plena e a direitos sociais, mesmo após décadas de
residência. Na Itália, durante os governos de inspiração fascista de Silvio
Berlusconi, a introdução de imigrantes igualmente foi usada para atender
demandas do mercado de trabalho informal.
De modo contraditório e
hipócrita, após facilitarem a entrada de trabalhadores estrangeiros, governos e
partidos de direita depois mudaram a sua retórica, passando a criticar sua
presença, explorando medos culturais e econômicos das populações nacionais para
fins eleitorais.
Marine Le Pen acusa os
imigrantes, buscando associá-los ao aumento da criminalidade e ao desemprego,
ocultando o fato de que eles ingressaram na França durante governos
conservadores que facilitaram a sua entrada para revitalizar setores
econômicos. Na Inglaterra, o Partido Conservador também explora a questão da
imigração como um problema, apesar de ter sido o principal responsável pela
implementação de políticas que atraíram grandes contingentes de trabalhadores
do leste europeu. Na agricultura espanhola e italiana, o trabalho de imigrantes
é essencial, mas os direitos desses trabalhadores continuam sendo
ostensivamente negados.
A crise migratória foi
construída e instrumentalizada por líderes populistas de extrema-direita
justamente para reforçar as suas agendas xenofóbicas, enquanto escondem que a
imigração foi uma resposta às demandas econômicas de seus próprios sistemas. A
retórica xenofóbica varreu para debaixo do tapete a introdução de contingentes
de imigrantes para atender interesses econômicos imediatos e de curto prazo e,
agora, utiliza a sua presença como bode expiatório para problemas sociais e
econômicos, refletindo o padrão fascista de manipulação política.
Desafortunadamente, a
extrema-direita se encontra em franca ascensão, tendo as suas promessas
demagógicas e insustentáveis acolhidas, do mesmo modo que a infecção que vai se
instalando, e, até não se tornar crítica, engana e não parece a doença grave
que causará danos desastrosos. Ao que parece, a memória, embora recente, dos
enormes desastres humanitários produzidos por ideologias nazifascistas se
arrefeceu e necessita ser restaurada através de uma nova tragédia. O fenômeno
alarmante, apesar de evidentes precedentes históricos devastadores, demonstra o
apelo do fascismo, quando se manifesta sob novas roupagens, mesmo preservando o
seu núcleo autoritário e manipulador.
Discreto em sua introdução,
mas letal em seu impacto, o vírus do fascismo vai corroendo as estruturas
sociais e democráticas até finalmente se revelar. Infelizmente, as pessoas, em
tempos de crise, buscam respostas rápidas e fáceis para problemas complexos. A
memória coletiva, que deveria servir como antídoto, está esmaecida. O genocídio
e as guerras desencadeadas por ideologias extremistas, letais e perigosas se
tornaram, para muitos, histórias distantes, e não lições vivas e necessárias.
O esquecimento histórico e a
passividade diante das erosões democráticas abrem as portas para regimes injustos,
brutais e sanguinários. Quando sinais claros são ignorados, mesmo por
sociedades supostamente esclarecidas, como é o caso da Europa, os sistemas
democráticos se tornam vulneráveis, e a ascensão de líderes carismáticos, mas
destrutivos, torna-se inevitável. O preço desse esquecimento é terrível, pois a
sedução fascista atua como uma cortina de fumaça, mascarando suas intenções
destrutivas, que só se tornarão visíveis para a grande maioria quando já for
tarde demais...
Fonte: Brasil 247
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