quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Covid-19: o que ainda falta entender sobre a infecção?

Há cerca de cinco anos, diversos casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na China, chamaram a atenção das autoridades de saúde no mundo. Era o começo da pandemia de um vírus até então desconhecido, o SarS-CoV-2, o causador da Covid-19. Desde então, a ciência e a medicina correram contra o tempo para desenvolver formas de tratamento e prevenção para a nova doença.

No entanto, ainda hoje há lacunas que precisam ser preenchidas. “A Covid-19 ainda é, para o mundo todo, uma infecção recente de um vírus altamente mutagênico, ou seja, com uma capacidade replicativa que foge ao nosso sistema imune. Isso significa que você adquire [a infecção] ou toma vacina contra uma variante, mas depois aparece outra, causando um novo quadro viral”, explica Eliana Bicudo, infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), à CNN.

A seguir, especialistas listam o que ainda falta saber sobre a Covid-19 e em que pé estão os estudos científicos que investigam essas questões.

·        Por que algumas pessoas apresentam Covid longa?

A Covid longa, condição caracterizada por sintomas persistentes da doença mesmo após o fim da infecção ativa, é um dos “mistérios” que ainda não estão completamente esclarecidos pela ciência.

“Antes, nós colocávamos tudo em uma mesma caixinha: o sistema imune de uma pessoa é melhor do que outra que teve uma Covid longa ou que desencadeou uma forma grave da doença. Mas quando estudamos a questão da produção de anticorpos, a resposta imune em um paciente grave ou com Covid longa é a mesma, ou até mais alta, da pessoa que só teve um quadro leve”, exemplifica Bicudo. “Então, essa é uma questão ainda mal resolvida”, completa.

Além disso, de acordo com Moacyr Silva, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein, a ciência ainda não consegue explicar quais são os pacientes que desenvolvem Covid longa. “Não se sabe exatamente quem pode evoluir para esse quadro. Geralmente, são os pacientes mais graves, os imunossuprimidos e os idosos, mas ninguém sabe exatamente qual é o fator contribuidor que faz com que esse paciente evolua com sequelas pós-Covid”, esclarece.

·        O que os estudos já indicam sobre o assunto

Um estudo publicado em 2023 na revista científica JAMA reuniu os 12 principais sintomas que diferenciam a Covid longa da infecção comum. A análise, que contou com a participação de quase 10 mil pessoas dos Estados Unidos, apontou que a Covid longa era mais comum e grave em participantes infectados antes da emergência da variante Ômicron, em novembro de 2021.

Entre os sintomas listados, estavam:

  • Mal-estar pós-esforço;
  • Fadiga;
  • Confusão mental;
  • Tontura;
  • Alterações gastrointestinais;
  • Palpitações cardíacas;
  • Problemas com desejo ou capacidade sexual;
  • Perda de olfato ou paladar;
  • Sede;
  • Tosse crônica;
  • Dor no peito;
  • Movimentos anormais.

Outro trabalho, também publicado em 2023, indicou que três a cada quatro infectados desenvolveram Covid longa nos últimos três anos. O estudo foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por meio de questionários online.

A pesquisa também descobriu que pessoas que não completaram o ciclo vacinal contra a Covid-19 –composto pelas primeira e segunda doses da vacina– tiveram 23% mais chance de ter Covid longa. Além disso, condições como obesidade e tabagismo também intensificaram sintomas como dores de cabeça, perda de olfato e paladar e complicações neurológicas.

Um terceiro estudo, realizado por cientistas do Hospital Universitário de Freiburg, na Alemanha, mostrou que pessoas acometidas pela Covid longa demonstraram possuir diferenças no cérebro quando comparadas com pessoas que tiveram infecção comum. Os resultados foram obtidos com o uso de uma técnica de ressonância magnética chamada Imageamento de Microestrutura por Difusão (DMI).

·        Por que algumas pessoas pegam Covid-19 várias vezes e outras não?

Outra lacuna que ainda falta ser preenchida pela ciência é por que alguns pacientes são mais suscetíveis a reinfecções pela Covid-19 em comparação a outros — e por que algumas pessoas, mesmo convivendo no mesmo ambiente que infectados, não desenvolvem a doença.

“Ainda não se sabe exatamente o que motiva o paciente a ter reinfecções pela Covid. O que já se sabe é que pacientes com imunidade baixa têm [maior risco], mas o porquê de pessoas imunocompetentes, que não possuem nenhuma comorbidade, terem infecção recorrente é uma resposta que ainda não está muito clara na literatura”, afirma Silva.

De acordo com Bicudo, algumas evidências recentes sugerem que fatores genéticos podem estar envolvidos no maior ou menor risco de reinfecções por Covid-19, e, também, na maior probabilidade de ter doença grave ou não.

“Existe uma pontinha do vírus, a proteína Spike, que precisa se ligar a uma molécula que chamamos de ‘porta de entrada’, localizada na célula do epitélio nasal. Essa ligação tem que ser forte o suficiente para que o vírus entre na célula nasal e, a partir daí, inicie sua multiplicação. Algumas pessoas parecem ter uma ligação defeituosa ou, até mesmo, nem devem fazer essa ligação. Então, estudos genéticos são os grandes desafios atuais”, explica a infectologista.

·        O que os estudos já indicam sobre o assunto

Em um estudo recente, publicado em junho deste ano na revista científica Nature, pesquisadores aplicaram o vírus Sars-CoV-2 pelo nariz de 36 voluntários adultos saudáveis sem histórico prévio de Covid-19. Eles realizaram o monitoramento detalhado do sangue e do revestimento do nariz dos participantes, rastreando a infecção e a atividade das células imunológicas. Do total de voluntários, seis desenvolveram a infecção.

Usando tecnologia de sequenciamento unicelular para um conjunto de mais de 600 mil células individuais, os pesquisadores descobriram que as pessoas que não desenvolveram Covid-19 apresentavam respostas imunológicas anteriormente não reconhecidas que lhes permitiam resistir a infecções e doenças virais sustentadas.

Um trabalho brasileiro, conduzido no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Universidade de São Paulo (USP), analisou os chamados “pares sorodiscordantes”. Tratam-se de casais em que apenas um dos cônjuges foi infectado e o outro permaneceu assintomático, apesar de compartilharem a mesma cama sem o uso de proteção especial.

O estudo, publicado na revista Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, analisou o material genético de 86 casais, sendo que apenas seis (entre eles Maria Tereza e Marcelo) continuaram sorodiscordantes ao longo da pandemia, com a infecção de um dos cônjuges mais de uma vez.

A partir da análise de células do sangue desses casais em experimentos in vitro, os pesquisadores descobriram que as mulheres resistentes ao vírus tinham expressão aumentada do gene IFIT3 (sigla em inglês para proteína induzida por interferon com repetições de tetratricoptídeo 3) em comparação com os maridos. Já a expressão desse mesmo gene entre mulheres que adquiriram infecções sintomáticas foi baixa, semelhante à do grupo dos maridos.

¨      Covid-19: o que sabemos hoje sobre a pós-infecção pelo vírus?

Em dezembro de 2019, a Covid-19 surgiu como uma doença praticamente desconhecida. Em pouco tempo, ela paralisou o mundo e causou quase 15 milhões de mortes entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021, de acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Hoje, cinco anos após os primeiros casos, a ciência avançou significativamente, tanto no desenvolvimento de vacinas quanto na compreensão dos efeitos da infecção no organismo.

<><> Como a Covid-19 se manifesta no organismo?

A Covid-19, segundo o Ministério da Saúde, é uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Ela é considerada grave, altamente transmissível e de alcance global.

Ao todo, pelo menos outros seis coronavírus humanos são conhecidos pela comunidade científica: HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoV-NL63, HCoV-HKU, SarS-CoV e MERS-CoV.

“Era uma família de vírus conhecida. Mas o que sabíamos dela é que eram ‘superbonzinhos’, que causavam resfriados. De repente, aparece um tipo que é mortal”, lembra Celso Granato, infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury, sobre o coronavírus SarS-CoV-2.

Em entrevista à CNN, o médico destacou que o conhecimento sobre o vírus e a doença foi adquirido ao mesmo tempo em que ela evoluía. “Foi um aprendizado a duras penas”, afirmou.

>>> Desse aprendizado, o que se sabe, atualmente, é que a Covid-19 se manifesta de cinco formas:

  • Assintomática: quando a pessoa não tem sintomas, mas o teste dá positivo para a doença;
  • Leve: presença de tosse, dor de garganta ou coriza, podendo ter ou não perda total ou parcial do olfato e do paladar, diarreia, dor abdominal, febre, calafrios, dor muscular, dor de cabeça e fadiga;
  • Moderada: tosse e febre persistentes até sinais mais intensos, como fraqueza muscular, prostração, diminuição do apetite, diarreia e pneumonia;
  • Grave: quando a pessoa desenvolve a Síndrome Respiratória Aguda Grave, gerando desconforto respiratório, alteração da consciência, desidratação, dificuldade para comer, lesão no coração, letargia, convulsões, elevação das enzimas hepáticas, problemas de coagulação, rompimento das fibras musculares e queda do transporte de oxigênio pelo sangue;
  • Crítica: nesse caso, a pessoa desenvolve pneumonia grave, disfunção de múltiplos órgãos, insuficiência respiratória grave, sepse, síndrome do desconforto respiratório agudo e necessita de suporte respiratório e de internação em unidade de terapia intensiva (UTI).

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, 40% dos casos sintomáticos são considerados leves e outros 40% moderados. O restante, 15% são graves e necessitam de algum tipo de suporte de oxigênio, enquanto 5% apresentam a forma crítica.

O Ministério da Saúde destaca encefalopatia, acidente vascular cerebral (AVC), meningoencefalite, olfato ou paladar prejudicados como outras possíveis complicações.

<><> Como o corpo reage após a Covid-19

Em média, os sinais da doença despontam de dois a cinco dias após o contágio. Os incomodos maiores desaparecem após quatro ou cinco dias e é esperado que as manifestações clínicas desapareçam totalmente em até duas semanas.

Em alguns casos, porém, os sintomas persistem por meses após a fase aguda da doença. Essa condição é chamada de Covid longa ou síndrome pós-Covid.

Uma pesquisa conduzida pela Rede de Pesquisa Solidária, que reúne cientistas da Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocuz), Swansea University, entre outros, revelou um panorama dos efeitos da Covid longa na população brasileira.

O estudo inclui um questionário online que analisou características como idade, gênero e situação socioeconômica, além de informações sobre o histórico de infecção pela Covid-19, vacinação, condições de saúde e qualidade de vida antes e depois da doença. Também foram avaliados o acesso aos serviços de saúde e as dificuldades enfrentadas para buscar atendimento médico.

Para participar do estudo, os selecionados precisaram atender a critérios específicos. Ao todo, 1.230 voluntários confirmaram a infecção por Covid-19 por meio de teste RT-PCR. Entre elas, 720 haviam superado a fase aguda da doença pelo menos três meses antes de responder ao questionário. Desses, 496 pessoas relataram não estarem completamente recuperadas e foram classificadas como casos de Covid longa para fins de análise.

>>>> Entre os sintomas mais relatados pelos pacientes com Covid longa estão:

Um dos desafios atuais é, justamente, entender quais fatores influenciam o desenvolvimento da Covid longa e o que pode preveni-la. Existem algumas hipóteses de que sexo feminino, idade avançada, tabagismo, cardiopatias, alcoolismo, câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica e doença renal crônica são algumas condições que favorecem o quadro.

Em nota técnica, os pesquisadores explicam que o prognóstico da Covid longa depende de cada paciente e dos recursos para o tratamento, além de comorbidades já existentes.

De acordo com a pesquisa, com os investimento no processos de reabilitação, boa parte dos indivíduos consegue melhorar, mas existem aquelas que podem manter os sintomas por tempo ainda indeterminado.

<><> Posso pegar Covid-19 mais de uma vez mesmo com a vacina?

Sim. O fato de uma pessoa ter se infectado pelo SARS-CoV-2 uma vez não a impede de ser contaminada novamente mesmo após a imunização. O objetivo da vacina é treinar o corpo e preparar o sistema imunológico para que ele consiga combater o agente causador de doenças (no caso, o coronavírus).

“Esse vírus tem uma capacidade de mutação muito grande. Não se tem garantia de que se estará livre da infecção por ter tido uma, duas, três, quatro vezes. Ele vai sofrendo mutações ao longo do tempo. Isso tem consequências também nas vacinas”, pontua Granato.

Por isso, é importante manter o esquema vacinal sempre atualizado, especialmente os grupos indicados pelo Ministério da Saúde. Os imunizantes estão sempre atualizados para as variantes mais recentes do coronavírus.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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