Projeto
de cosméticos sustentáveis assegura renda a comunidades na Amazônia
Inovação, na Amazônia, começa quando, envolve quem
e responde a quê?
Pode ser a quebra da casca do tucumã (Astrocaryum
vulgare), fruto de uma palmeira de caule espinhoso, comum no nordeste do
Pará. No passado, era feita com martelinho, horas de trabalho sobretudo
feminino, de quem também cuidava da casa e dos filhos, à espera do marido,
agricultor extrativista.
Acontece que o tal fruto, aberto, revela um tesouro
natural para a saúde do rosto e do corpo, por exemplo. Foi por isso que
consultores da cidade apareceram para criar um maquinário que facilitasse a
quebra – logo rejeitado pela comunidade por não ser prático nem eficiente.
Entraram então em cena lideranças locais, que aplicaram o conhecimento
adquirido na lide com o tucumã. E aí…
…. Foi um tal de virar a máquina pelo avesso,
modificando a posição das pás e alterando polias e roldanas até dar a força
exata de impacto, otimizada pela instalação de energia elétrica (antes, era
movida a pedal). Fazia-se necessário abrir a casca, dura feito rocha, sem
prejudicar em demasia a polpa da amêndoa ou semente (laranja, de onde se extrai
óleo) e a massa interna (branca, da qual se faz manteiga vegetal).
O resultado pode ser exibido em toneladas: das oito
por mês, produzidas com o martelinho pela família extrativista, hoje contam-se
oito por dia, graças à máquina aperfeiçoada. “O fruto deixou de ser entregue in
natura para chegar às mãos do cliente pré-beneficiado, sinal de
autossuficiência e empoderamento da comunidade”, salienta Diana Gradissimo,
pesquisadora-sênior da Symrise, um dos maiores produtores de matérias-primas
para fragrâncias e sabores do mundo.
Symrise é a empresa alemã que se associou à
brasileira Natura em 2017 para a produção de cosméticos a partir da
biodiversidade amazônica. A parceria recebe o nome de Projeto Cosméticos
Sustentáveis da Amazônia e tem o apoio da GIZ, sigla em alemão para Sociedade
Alemã de Desenvolvimento Internacional – empresa federal de interesse público
que dá apoio ao governo daquele país em ações de desenvolvimento sustentável
planeta afora.
“No Brasil, a GIZ atua há mais de 60 anos e conta
com o Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento alemão como
principal financiador de projetos”, informa Thais Pena Vasconcelos, assessora
técnica. “A ideia é encontrar propostas sustentáveis que respeitem a
biodiversidade, melhorem o cotidiano das populações envolvidas e atraiam a
participação de empresas alemãs.”
Do projeto, exemplo de parceria públic0-privada,
participam 19 cooperativas, produtores e associações de moradores e
agricultores extrativistas do Amazonas, Pará e Rondônia, beneficiando 3 mil
pessoas direta ou indiretamente. O custo logístico de trabalhar na Amazônia tem
preço – e, nas duas fases iniciais, os investimentos alemães já alcançaram
cerca de 6 milhões de euros.
O projeto, que já passou pela fase de organização
dos grupos e atividades (2017-2021), concluiu a fase dois, em setembro passado,
de inovação com valor agregado. Deu certo? Justo ouvir quem é da terra. Caso de
Maria Valquíria de Lima Cordeiro, da Cooperativa Agropecuária dos Produtores
Familiares Irituienses (D’Irituia), e de Gilson Santana, da Cooperativa Mista
Agroextrativista de Santo Antônio do Tauá (Camtauá), ambas no Pará.
Valquíria, como é chamada, tem 42 anos, dois
filhos, marido e memória exemplar. “Já passamos muita dificuldade. Quase
fechamos as portas da cooperativa, pois não tinha como pagar as contas”,
recorda. Até surgir o convite de participar no projeto: “reviravolta divina!”.
Porque a diferença de trabalhar com as empresas, enfatiza Valquíria, “é que
elas nos tratam como parceiros, oferecendo organização, estrutura e até
formação em informática para trabalhar.”
Foi mesmo um desafio, na pandemia, dar sequência ao
cronograma de atividades, se o que predominava era o “analfabetismo digital”,
na definição da assessora Thais, entre os cooperados. A necessidade obrigou,
porém, a encontrar alternativas, caso dos cursos à distância e do incentivo, a
seguir, de prosseguir os estudos – seguido à risca por Valquíria, que se formou
em gestão ambiental. Hoje é diretora financeira, a “alma” do negócio de sua
cooperativa.
Quanto a Gilson, 35 anos, pai de gêmeas, carrega a
comunidade no sangue, afinal, a Camtauá foi iniciada por sua mãe. “Tinha 21
anos quando entrei para a cooperativa. Trabalhava na coleta do murumuru [Astrocaryum murumuru],
época em que ninguém entendia o valor de manter a floresta em pé”, conta.
Quando o projeto foi iniciado, “comecei a transmitir aos agricultores
extrativistas o que era necessário para manter a qualidade em todas as etapas
de produção da matéria-prima”. Popular, foi eleito presidente da cooperativa em
2016, cargo que ocupou até 2022.
Hoje, como gerente de produção, seu desafio é
manter em constante aperfeiçoamento tanto o maquinário quanto as fases de
beneficiamento do tucumã e murumuru para alcançar maior rendimento a quem é da
Camtauá (atualmente, cerca de R$ 2 mil mensais, a mesma renda média dos
cooperados da D’Irituia).
Com quatro centrais de processamento e duas
agroindústrias em atividade, o projeto Cosméticos Sustentáveis da Amazônia já
tem a fase 3 em andamento desde setembro passado. O financiamento alemão é de
cerca de 3 milhões de euros para impulsionar, nos próximos três anos, a
educação.
“Queremos transmitir às futuras gerações o
conhecimento disponibilizado, talvez por meio de plataformas de ensino”, diz
Cristiane de Moraes, diretora de sustentabilidade da América Latina.
Encarregada da divisão de Ingredientes para Cosméticos, ela opina, orgulhosa:
“Este projeto faz a diferença na Amazônia, não é comum ver resultados como os
das fases já finalizadas.” Ao que Valquíria, da D’Irituia, dá um gosto especial
à análise oficial: “Antes a gente sorria para dentro. Agora, dá para ver o
sorriso bonito em toda a comunidade.”
Fonte: Mongabay
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