quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Paulo Kliass: “Dominância fiscal”, o novo espantalho

As forças ocultas do financismo passaram a adotar um conceito bastante polêmico da macroeconomia conservadora para justificar a continuidade do desastre perpetrado pela política econômica do governo. Fernando Haddad cede em tudo o que elas exigem, mas a voracidade dos chacais nunca é saciada plenamente. Eles sempre querem mais carne e mais sangue. A intenção é manter de forma permanente um clima de antevéspera do apocalipse, ameaçando com a presença do bicho do terror logo ali na esquina. Com isso vem a pressão para que a sociedade aceite o combo de juros nas estrelas e arrocho fiscal cortando na carne dos mais desfavorecidos. Quantas vezes já não ouvimos os berros de alerta de que o Brasil iria quebrar caso uma ou outra medida fora do escopo neoliberal fossem adotadas?

A chantagem das elites do financismo era de que o Brasil iria quebrar caso Lula fosse eleito presidente da República em 2002. Naquele período houve uma escalada especulativa do dólar, que chegou a atingir a cotação recorde de R$ 4,00/US$. Pois Lula venceu, tomou posse e os indicadores da economia só fizeram melhorar a partir de 2003. Por outro lado, tínhamos a proposta do senador Paim (PT-RS) de fixar o salário mínimo em 100 dólares, apresentada em 2003. Se ela fosse aprovada, os representantes do financismo diziam que o Brasil não suportaria. Pois o valor mínimo da remuneração do trabalhador chegou a ser bem mais, próximo a 300 dólares em 2008, e a economia brasileira continuou evoluindo muito bem, obrigado.

Pois o tema do momento é a questão da austeridade fiscal. Para o povo da Faria Lima seria fundamental a aprovação de medidas mais “duras” para reduzir as despesas orçamentárias primárias. Para esse pessoal, se o Brasil não eliminar do texto constitucional as garantias de pisos de despesas com saúde e educação, além de desindexar os benefícios previdenciários em relação ao salário mínimo, o país quebra. Simples assim: chantagem pura! Como não conseguiram emplacar essa pauta maximalista neste momento, agora eles fazem pressão para a aprovação do pacote de maldades encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional, a partir de propostas elaboradas por Fernando Haddad. Ao escapar malandramente do debate a respeito do impacto das despesas financeiras no equilíbrio fiscal, escudam-se no argumento de que o foco deve se manter na abordagem “primária”. Ou seja, os R$ 870 bilhões de pagamento de juros da dívida pública ao longo dos últimos 12 meses ficam de fora de qualquer esforço de corte, contingenciamento ou limite.

·        Financismo: chantagem para assegurar ganhos

Pois agora, a bola da vez é a tal da “dominância fiscal”. Trata-se de um conceito utilizado para descrever situações em que a política monetária se torna ineficiente para conter o processo inflacionário. De acordo com esse raciocínio dos manuais do conservadorismo neoclássico, a autoridade monetária eleva a taxa referencial de juros, mas os preços continuam a subir. A razão para tal fenômeno seria a continuidade de geração de desequilíbrio nas contas púbicas – daí o termo dominância fiscal. Como se pode perceber, a sacada deste argumento da manga da camisa neste momento opera de forma a justificar a Selic nas alturas e a luta para arrochar ainda mais as despesas orçamentárias na área social e nos investimentos.

Ocorre que a elevação da taxa pelo Copom e a manutenção de taxas na ponta para os clientes em níveis ainda mais absurdos, por conta dos spreads inimagináveis em qualquer outro país do mundo, não tem resolvido o problema da inflação há um bom tempo. E a razão para tanto não tem nada a ver com o argumento da dominância fiscal. Na verdade, a equipe econômica tem utilizado um remédio inadequado para o problema do paciente. Ao longo dos últimos tempos, o Brasil não vive uma inflação por excesso de demanda. O índice de inflação tem crescido por conta dos preços de bens e serviços do lado da oferta. É o caso, por exemplo, dos alimentos, dos combustíveis, das tarifas de energia elétrica, dos aluguéis, dos planos de saúde, dos remédios e tantos outros que não respondem a aumentos nos juros.

·        Selic acima da estratosfera

Mas o pessoal do sistema financeiro não quer abrir mão de seus ganhos fáceis. Assim, seguem pressionando, por meio de seus escribas de aluguel nos meios de comunicação, para justificar aumentos ainda maiores na Selic. A sanha é de tal ordem que eles conseguiram aprovar a elevação absurda de 1% na reunião mais recente do Copom e já apontam para mais 2% nos próximos dois encontros. É isso o que se lê no Boletim Focus do Banco Central (BC) – Selic a 14% no curto prazo. E também é o que está escrito com todas as letras na Nota divulgada pelo BC logo depois do encerramento da reunião do colegiado:

(…) “Diante de um cenário mais adverso para a convergência da inflação, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário esperado, ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões.” (…) [GN]

Ora, como é público e notório que a elevação dos juros não está provocando quase nenhum efeito sobre a inflação, agora a bola da vez é a tal da dominância fiscal. Uma lógica e uma narrativa de se tirar o chapéu, em especial quando veiculada para o grande público leigo nos debates internos das correntes do pensamento econômico. Afinal, em uma primeira abordagem faz sentido, assim como parece razoável também a ideia enganadora de que não se poderia gastar mais do que se recebe. Só que não! A economia de um país – em especial um com soberania monetária, como o nosso – não pode ser analisada sob a ótica simplista e reducionista das finanças pessoais ou familiares. A totalidade das nações chamadas desenvolvidas mantêm déficit fiscal de forma sistemática há décadas e nem por isso estão à beira da falência. Ou seja, todos estariam “gastando mais do que recebem” nessa abordagem de economia de boteco.

No caso da aplicação da abordagem da dominância fiscal para o caso brasileiro atualmente, tampouco o argumento resiste a alguma análise mais detalhada. O problema da ineficácia da política monetária para conter preços não tem nada a ver com a questão fiscal. Como já observado, o problema é o diagnóstico equivocado das causas do crescimento dos preços. Já o suposto “problema fiscal estrutural” só existe na cabeça de quem pretende reduzir o Estado à sua dimensão mínima e pretende se aproveitar de um processo de privatização dos serviços públicos. Os índices de endividamento público do Brasil são bem menores do que os apresentados por países como Estados Unidos, Canadá, membros da União Europeia, Japão e outros. Mas a insistência da Faria Lima em criar esta espécie de antessala do fim do mundo faz com que a realidade se confunda com os desejos do povo do financismo. São artigos e colunas nos jornais. São entrevistas com especialistas e economistas, todos eles provenientes de bancos e instituições financeiras. Todos eles alertando para a tal da “gravidade da crise fiscal” e que, se nada for feito, o Brasil vai quebrar.

·        Lula precisa assumir o comando da economia

O fato concreto é que o Brasil já ocupa a segunda posição no ranking internacional de países no quesito taxa real de juros (Selic descontada a inflação). Estamos atrás apenas da Turquia, que passa por um aperto monetário ainda mais grave do que o nosso. A insistência de Fernando Haddad em vestir a fantasia do bom mocismo e buscar atender a todas as reivindicações da Faria Lima tem provocado grandes prejuízos ao país e ao governo Lula. A insistência em não flexibilizar a meta irrealista de inflação oferece na bandeja o argumento do financismo para seguir elevando a Selic – afinal, o crescimento dos preços estaria “descontrolado” (sic). Por outro lado, a inexplicável obsessão do ministro em cumprir a meta de zerar o déficit primário também joga água no moinho da estratégia draconiana de cortar e cortar e cortar as despesas a qualquer custo.

Enfim, o apelo ao conceito de “dominância fiscal” é apenas um revestimento supostamente sofisticado para perpetuar a política de mais do mesmo na economia – mais aperto monetário e mais austeridade fiscal primária. Com a profundidade explicativa de um pires, busca trazer um arcabouço teórico ultrapassado e que não se aplica em nada para qualquer tipo de diagnóstico razoável da situação econômica que o Brasil atravessa no momento.

É fundamental que o presidente Lula, logo depois que autorizado pela equipe médica, assuma para si o comando da agenda econômica. Caso Haddad continue articulando em nome do presidente, o risco que se apresenta é justamente o de reforçar o discurso da dominância fiscal. Afinal, ele foi um dos primeiros a vocalizar os riscos representados pela suposta crise fiscal. Foi ele o responsável pelo formato austericida do atual Novo Arcabouço Fiscal. Foi ele quem indicou a Lula o nome de Gabriel Galípolo para presidir o BC, a partir de janeiro próximo, e está chancelando a mesma política de juros de Roberto Campos Neto. Ou seja, o ministro da Fazenda personifica os dois elementos centrais da teoria da dominância fiscal: juros elevados e austeridade fiscal extrema.

<><> Emendas e fundo partidário ficam imunes a cortes em meio a esforço fiscal do governo

O Congresso Nacional aprovou nesta quarta-feira (18) a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, que estabelece uma meta fiscal de déficit zero e elimina a previsão de contingenciamento de emendas parlamentares quando o governo precisar conter verbas para respeitar regras fiscais. 

O texto permite a suspensão do pagamento das chamadas "emendas Pix" caso não sejam cumpridas regras como a apresentação de um plano de trabalho detalhado e informações bancárias. O não cumprimento dessas exigências resultará na interrupção imediata das transferências até que sejam regularizadas.

No entanto, o relator da proposta, senador Confúcio Moura (MDB-RO), modificou o trecho que tratava do bloqueio de emendas parlamentares em geral. A proposta inicial permitia o bloqueio livremente, mas o texto aprovado determina que ele deve seguir a mesma proporção aplicada às demais despesas discricionárias, indo na contramão do esforço fiscal do governo. Essa alteração protege as emendas, mesmo em situações de risco de descumprimento de regras fiscais, conforme anunciado pelo relator em um adendo ao parecer.

“Traduzindo em miúdos, se houver contingenciamento de despesas do Executivo, não incidirá sobre as emendas parlamentares, é o acordo firmado”, disse o senador, citado pelo Infomoney

<<<< Fundo partidário

O Congresso Nacional rejeitou a proposta do governo de reduzir o reajuste do fundo partidário e manteve a regra atual, que corrige o valor com base nos valores pagos em 2016. A proposta governamental, que utilizaria os valores de 2023 como base para o reajuste, reduziria o aumento de R$ 500 milhões para R$ 160 milhões entre um ano e outro, segundo técnicos do Congresso citados pela agência O Estado de São Paulo. No Orçamento de 2025, está previsto R$ 1,3 bilhão para as legendas.

¨      Somos reféns do mercado? Por Neiva Ribeiro

Na última semana, em última reunião presidida por Campos Neto, o Banco Central elevou a taxa básica de juros, em 1 ponto percentual, para 12,25%, o que colocou o Brasil no segundo lugar do ranking dos maiores juros reais do planeta com 9,48%. A ata do Copom menciona que o futuro é mais preciso e mais adverso e, portanto, novos aumentos devem ocorrer nas próximas reuniões. 

O cenário é o mercado sempre ditando o futuro da política monetária numa espécie de profecia autorrealizada.  Projeta alta do dólar e projeta cenário fiscal adverso  esperando aumento de inflação para ações contracionistas, para ampliar a taxa de juros.  E mesmo quando projeta resultados piores na economia real, como menor crescimento e perda da dinâmica do emprego, e erra,  usa uma nova  narrativa para justificar seu desejo voraz. 

O mercado, um ser fantasmagórico impiedoso, pressiona a situação política, econômica e social.  Somos reféns do mercado?  Essa nova pressão está direcionada  diretamente a Gabriel Galipolo,  que passará a presidir o Banco Central no início de 2025, mas também é um recado ao Ministro Haddad, ao presidente Lula e também ao Congresso. 

A Febraban divulgou que não possui interesse nas altas taxas de juros e spreads bancários. A Confederação Nacional da Indústria afirmou que a Selic elevada é danosa para o setor produtivo. Mas o que fazem de fato para um pacto que possa interferir de maneira a melhorar esta configuração? Ora, o mercado são eles próprios: banqueiros, investidores,  acionistas, donos de títulos da dívida pública que, independente da conjuntura, seguem ganhando e querendo mais. São o conjunto de pessoas mais ricas do país. 

A economia real, os trabalhadores, não pode ficar refém desta situação.  Não é  possível que a sociedade pague caro pelos efeitos colaterais, desse remédio tão amargo, como o encarecimento do crédito que impactam o endividamento das famílias e empresas,  dificuldade no financiamento imobiliário,  falta de investimento produtivo que compromete a dinâmica econômica e geração de emprego e renda. 

As alternativas necessárias precisam ser discutidas com os mais afetados, com participação popular.  Discutir a auditoria da dívida pública, fiscalizar a influência de poucos agentes no câmbio, rever a meta de inflação e  criar alternativas para que os alimentos mantenham preços estáveis e cheguem com qualidade na mesa do povo.

Defendemos a centralidade do trabalho na economia para gerar renda e condições dignas de vida para toda sociedade. O movimento sindical, ao contrário do mercado, não joga contra o desenvolvimento do país. Não só apostamos num futuro melhor  como estamos na luta para ganhar esse jogo.

 

Fonte: Outras Palavras/Brasil 247/Fórum

 

 

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