quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Miguel do Rosário: Não caia em pegadinhas alarmistas

Rumores alarmistas à direita e à esquerda foram cabalmente desmentidos na mais recente projeção fiscal do governo, divulgada pouco antes do Natal.

Para os boateiros da direita, o relatório aponta que o déficit fiscal deve registrar queda expressiva nos próximos anos, e se converter em robustos superávtis primários a partir de 2027.

Segundo o documento, o déficit primário do governo federal deverá fechar o ano de 2024 com uma forte melhora sobre o ano anterior.

Em 2023, o déficit primário foi de 2,4% do PIB. Para este ano, a previsão do Ministério da Fazenda é de 0,6% do PIB, percentual que deve melhorar para 0,4% do PIB em 2025 , e 0,1% em 2026. A partir de 2027, o Brasil passará a ter superávits primários cada vez mais robustos.

Para os que promovem alertas exagerados à esquerda, prevendo cortes catastróficos nos programas sociais, a Fazenda também traz previsões opostas. O relatório desfaz rumores, por exemplo, de que o BPC, Benefício de Prestação Continuada, sofreria qualquer tipo de corte nos próximos anos, em virtude do ajuste fiscal, finalmente aprovado pelo congresso.

Segundo o Ministério da Fazenda, o BPC não apenas se manterá intacto como deverá se tornar o principal programa de transferência de renda do governo federal, superando inclusive o Bolsa Família, ao longo dos próximos anos.

As despesas federais com BPC cresceram fortemente em 2024, e devem fechar o ano consumindo R$ 112 bilhões. Para 2025, a previsão do Ministério é que as despesas com BPC devem aumentar para R$ 124 bilhões, e crescer novamente para R$ 137 bilhões em 2026, e R$ 149 bilhões em 2026.

Em percentual do PIB, o BPC cresceu de 0,9% para 1,0% entre 2023 e 2024, e deve se manter em 1% do PIB ao longo dos próximos anos, ultrapassando o Bolsa Família a partir de 2031.

Em suma, os fundamentos econômicos da economia brasileira permanecem sólidos, com as contas públicas evoluindo positivamente e programas sociais sendo fortalecidos. A Fazenda prevê ainda uma queda relativa das despesas com custeio e pessoal, o que desmente a falsa fama do governo Lula de “gastador”, e aumento da participação dos itens relativos a investimentos em infraestrutura e novos serviços.

O Brasil caminha para uma trajetória fiscal mais sustentável nos próximos anos, conforme indica o Relatório de Projeções Fiscais de dezembro de 2024, elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional. As projeções apontam para uma melhora gradual do resultado primário, atualmente deficitário, que deverá alcançar superávits expressivos até o final da década. O déficit primário projetado para 2024 é de 0,6% do PIB, mas as expectativas são de que ele seja reduzido para 0,4% em 2025 e 0,2% em 2026, atingindo equilíbrio em 2027, quando o Brasil deve registrar superávit de 0,6% do PIB. A partir daí, espera-se que o superávit cresça continuamente, chegando a 2,2% do PIB em 2034.

A evolução do resultado primário reflete um esforço consistente de arrecadação e controle de despesas. Em 2025, medidas adicionais de receita, como a tributação de fundos exclusivos e a reoneração gradual de setores econômicos, continuarão a contribuir para o aumento da arrecadação. Essas iniciativas são complementadas por ajustes nos gastos obrigatórios e discricionários. Em termos de arrecadação, o governo projeta medidas que elevarão a receita líquida para 18,8% do PIB em 2025, crescendo ligeiramente para 18,9% em 2026 e estabilizando-se em 19,1% a partir de 2028. A implementação dessas medidas, muitas das quais ainda dependem de aprovação legislativa, é essencial para que o governo atinja as metas fiscais traçadas.

No âmbito das despesas obrigatórias, os números do Benefício de Prestação Continuada (BPC) têm apresentado um aumento real médio de 3% ao ano entre 2024 e 2034. Em 2024, as despesas com o BPC equivalem a 0,9% do PIB e seguirão crescendo devido ao envelhecimento populacional e à ampliação de cobertura. Para os próximos anos, espera-se que o BPC alcance 1,1% do PIB em 2030, refletindo um aumento da demanda por esse benefício essencial para idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade.

O Bolsa Família, reformulado em 2023, teve um impacto relevante no orçamento. Em 2024, o programa é responsável por 0,8% do PIB, com valores que aumentaram substancialmente devido à introdução de benefícios adicionais, como o Bolsa Primeira Infância e o Bolsa Adolescente. Projeta-se que as despesas com o Bolsa Família continuarão nesse patamar até 2027, com ajustes em função do crescimento populacional e da inflação, mantendo-se em torno de 0,8% do PIB até 2034. Esses valores refletem o compromisso do governo em reduzir a pobreza extrema e as desigualdades sociais, ao mesmo tempo em que busca assegurar a sustentabilidade fiscal.

As despesas com saúde e educação também desempenham um papel crucial no orçamento público. Em 2024, as despesas obrigatórias com saúde atingem 3,8% do PIB, um aumento em relação a 3,6% em 2023, impulsionado por maiores gastos com medicamentos de alto custo e a expansão de programas de atenção primária. Até 2034, espera-se que as despesas com saúde acompanhem o crescimento real da economia, permanecendo entre 3,7% e 3,9% do PIB, refletindo tanto o aumento da demanda por serviços médicos devido ao envelhecimento da população quanto esforços de eficiência na gestão de recursos.

Na educação, as despesas em 2024 estão projetadas em 5% do PIB, um patamar semelhante ao de 2023. Esses recursos são alocados principalmente para educação básica e programas de ensino superior. Até 2034, as despesas com educação devem se manter estáveis, oscilando entre 4,8% e 5% do PIB, em conformidade com o crescimento da receita líquida ajustada e as necessidades de melhoria da qualidade do ensino e da infraestrutura educacional.

As despesas primárias como um todo estão no centro do planejamento fiscal. Em 2024, essas despesas representam 19,3% do PIB, mas a expectativa é de que esse percentual seja reduzido gradualmente ao longo dos anos. Em 2025, elas devem cair para 19,1% do PIB, mantendo-se nesse patamar até 2026. A partir de 2027, quando o regime fiscal começará a incluir todos os precatórios no limite de despesas, as despesas primárias devem registrar uma redução mais acentuada, alcançando 17,7% do PIB em 2030 e 16,9% do PIB em 2034. Essa trajetória de redução das despesas é fundamental para viabilizar o superávit primário e reduzir a pressão sobre o endividamento público.

A dívida pública segue uma dinâmica similar. A dívida bruta do governo geral (DBGG) é projetada para alcançar 77,7% do PIB ao final de 2024, subindo para 79,7% em 2025 e atingindo um pico de 81,8% em 2027. Esse aumento inicial reflete tanto os custos elevados com juros nominais, que ainda se mantêm em níveis altos, quanto o resultado primário deficitário nos primeiros anos do período. Contudo, a partir de 2028, a trajetória da dívida se inverte, com uma queda gradual ao longo dos anos seguintes. Em 2030, a dívida bruta deve estar em 78,6% do PIB e, em 2034, cairá para 75,6% do PIB, abaixo dos níveis projetados para 2024. Essa reversão é possibilitada pelo aumento dos superávits primários e pela estabilização da taxa de juros em patamares mais baixos a partir de 2029.

A consolidação fiscal projetada para os próximos anos depende também de um cenário macroeconômico favorável. A economia brasileira deve registrar um crescimento médio do PIB de 2,7% ao ano entre 2024 e 2034, com aumento constante da massa salarial nominal, que crescerá a uma média de 7,9% ao ano no mesmo período. Além disso, a taxa básica de juros (Selic), atualmente elevada, deve cair gradualmente até 2028 e se estabilizar em 6,4% ao ano, proporcionando melhores condições de financiamento para o governo e para o setor privado.

Essa trajetória fiscal, marcada pela redução do déficit primário, controle da dívida pública e manutenção de programas sociais essenciais, como o Bolsa Família, saúde, educação e o BPC, representa um avanço importante para o Brasil. O desafio será equilibrar essas prioridades com as demandas de investimentos estratégicos e avanços estruturais que permitam a recuperação e o crescimento sustentável a longo prazo.

 

¨      O Brasil na cova dos leões: o que esperar para 2025?

O Brasil continua vivendo um momento dramaticamente difícil e complexo, pois estamos ficando para trás, a uma velocidade vertiginosa, em setores estratégicos na competição por um lugar melhor ao sol na geopolítica dos próximos anos.

Estamos cada vez mais atrasados em mobilidade urbana, tecnologia da informação, inteligência artificial, desenvolvimento de satélites e, de forma geral, em quase todas as áreas de ponta da pesquisa científica.

A educação – básica, média, superior – no país continua estagnada, ou mesmo em franco retrocesso, se a compararmos com o que os países mais desenvolvidos vem alcançando.

O softpower do Brasil é uma tristeza. As exceções, como o filme Ainda estamos aqui, que vem concorrendo a importantes prêmios, apenas confirmam a regra. A participação do Brasil na luta cultural e geopolítica em curso no mundo é quase insignificante. Quase não temos portais em idiomas estrageiros, ou pelo menos nada de impacto, e nem o governo e nem a iniciativa privada parecem preocupados com essa deficiência, que eventualmente pode ter consequências muito ruins para o futuro do Brasil.

Começo minha análise com essas asserções pessimistas, até mesmo um pouco exageradas, para que o internauta não confunda o otimismo dos próximos parágrafos com uma visão pouco realista sobre os imensos desafios que o Brasil, e a maior parte dos países do Sul Global, ainda precisam superar.

Sim, porque termino o ano bastante otimista com as conquistas de 2024 e com as perspectivas que se delineam para o ano que vem.

Mesmo considerando todos os problemas mencionados anteriormente, o ano termina com excelentes notícias para o Brasil e as perspectivas para os próximos anos são animadoras.

Se até o Banco Central, a instituição mais pessimista do país, reajustou para cima a estimativa do PIB de 2024 para 3,5%, é porque os fundamentos econômicos permanecem sólidos.

A inflação é particularmente perigosa para o governo em função das características do nosso regime político, ainda muito vulnerável a manobras parlamentares e midiáticas de cunho golpista. Um governo cuja aprovação (e, portanto, estabilidade política) é ancorada sobretudo em famílias de baixa renda, tem muito menos margem para equívocos.

Aliás, esse parece ser o maior desafio do governo Lula. Ele não pode errar.

Só que isso é virtualmente impossível. Um governo humano, tocado por humanos, necessariamente erra, de maneira que a única maneira realmente objetiva de manter a estabilidade política é investir numa gestão responsiva, inteligente e democrática, capaz de detectar rapidamente os erros e corrigi-los em tempo.

Neste final de ano, as principais pesquisas de avaliação foram boas para o governo Lula, revelando estabilidade num momento complicado, por causa da inflação de alimentos. Nada indica, porém, que este seja um problema estrutural, que não deva ser revertido nos próximos meses, até mesmo porque se espera um novo recorde na produção agropecuária de 2025.

Na média das pesquisas, Lula manteve uma avaliação estável. As primeiras sondagens eleitorais para 2026, por sua vez, mostram liderança razoável de Lula e mesmo de Haddad, diante dos principais adversários.

Entretanto, uma das grandes conquistas democráticas de 2024 foi o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe, e de seus principais assessores, vários deles oficiais graduados das Forças Armadas. Um deles, o general Braga Netto, foi preso. Essas notícias parecem, finalmente, estar pesando na avaliação que a população faz do presidente Bolsonaro.

As comparações que o bolsonarismo provavelmente gostaria de fazer com Trump não fazem sentido, porque a quantidade de crimes, provas, delações, envolvendo a cúpula do governo Bolsonaro é muito superior à do americano. Não se encontrou nenhum indício, por exemplo, de que ajudantes de Trump tenham conspirado para assassinar o presidente Joe Biden, seu vice e algum ministro importante da corte suprema americana.

Lula também encerra o ano com importantes vitórias legislativas, como a reforma tributária e o corte de gastos, que prometem estabilizar as contas públicas nos dois anos finais de Lula, abrindo caminho para queda nos juros e mais investimentos produtivos, públicos e privados.

Quanto ao corte de gastos, ele produziu alguns ruidos dentro da base política do governo, inclusive com alguns deputados petistas rebelando-se contra a orientação do partido e votando contra o governo. Isso não é bom para a administração, mas ao mesmo tempo reflete um desgaste natural da direção partidária, hoje em final de mandato.

Com a chegada de uma nova direção, provavelmente sob a liderança de Edinho Silva, espera-se um alinhamento maior entre o governo e o partido dos trabalhadores, o que será naturalmente fundamental para a construção de uma estratégia de vitória em 2026.

Apesar das previsões ainda modestas sobre o crescimento econômico em 2025, de pouco mais de 2%, segundo o Banco Central, tenho impressão de que veremos, mais uma vez, o mercado se “surpreendendo” com a mesma frequência com que vimos este ano.

Vários fatores sinalizam um ano melhor. À diferença de 2024, quando vimos a extrema direita superando o trauma da derrota em 2022 e começando a se reorganizar para combater o governo, ela começará o novo ano com a perspectiva de prisão de seu principal líder, e ainda presa a um discurso irritantemente vitimista em defesa dos terroristas do 8 de janeiro.

Mas há também fatores internacionais que podem favorecer o Brasil.

A estreia de Trump na presidência, ironicamente, ajudará a unificar novamente a mesma frente ampla que deu vitoria a Lula, pois sua vulgaridade e truculência, ao mesmo tempo que despertarão aclamações subalternas da escória reacionária no Brasil, rasgando sua fantasia de “patriotas”, tende a despertar repúdio na maior parte da opinião pública braisleira.

O apoio acrítico, desumano e despolitizado da extrema direita brasileira ao genocídio em Israel, tende a isolá-la domesticamente, na medida em que, a cada dia, acumulam-se mais provas do que acontece por lá.

Quanto a algumas críticas despolitizadas de setores nefelibatas da ultra-esquerda, tentando pespegar em Lula e em seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pecha de neoliberais e inimigos do povo, elas também ajudam o governo, pois estabelecem os limites conceituais e ideológicos necessários para a administração construir novamente um programa amplo o suficiente para ser apoiado por setores progressistas da centro-direita, do centro e da esquerda.

As eleições de 2026 serão, em grande parte, decididas em 2025, ou seja, nos próximos 12 meses. Os índices econômicos e sociais são favoráveis, por enquanto. Pondo de lado a barulheira panfletária com que os operadores políticos e midiáticos, de todos os espectros, tratam a dinâmica do legislativo federal, a verdade é que o governo teve raros problemas sérios com o congresso nacional. Ao cabo de dois anos, Lula ganhou todas as batalhas realmente importantes e estratégicas no legislativo, culminando agora com a aprovação da reforma tributária e o corte de gastos.

O próximo presidente da Câmara, que deverá ser o deputado Hugo Motta (Republicanos – PB), até por ser um parlamentar menos experiente, e mais fraco politicamente, tende a ser menos agressivo e perigoso do que Lira. De qualquer forma, o governo já aprovou as reformas mais difíceis nesta primeira metade de seu mandato, como a tributária. Nessa segunda metade, o governo poderá investir mais em reformas progressistas, como a do imposto de renda, que será uma luta onde ganhará mesmo perdendo, pois a direita, caso se oponha a maior isenção à classe média, terá de arcar com esse ônus.

Há sinais de que 2025 poderá ser um ano relativamente calmo, portanto, o que será vantajoso para o governo e para a economia. O perigo disso justamente é fazer o governo baixar a guarda, sem investir na politização de sua base social, sem apoiar os setores progressistas que fazem a luta política contra as forças da reação, e sem oferecer um sonho de prosperidade e desenvolvimento capaz de mobilizar a classe média.

 

Fonte: O Cafezinho

 

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