Miguel do
Rosário: Não caia em pegadinhas alarmistas
Rumores alarmistas à direita
e à esquerda foram cabalmente desmentidos na mais recente projeção
fiscal do governo, divulgada pouco antes do Natal.
Para os boateiros da
direita, o relatório aponta que o déficit fiscal deve registrar queda
expressiva nos próximos anos, e se converter em robustos superávtis primários a
partir de 2027.
Segundo o documento, o
déficit primário do governo federal deverá fechar o ano de 2024 com uma forte
melhora sobre o ano anterior.
Em 2023, o déficit primário
foi de 2,4% do PIB. Para este ano, a previsão do Ministério da Fazenda é de
0,6% do PIB, percentual que deve melhorar para 0,4% do PIB em 2025 , e 0,1% em
2026. A partir de 2027, o Brasil passará a ter superávits primários cada vez
mais robustos.
Para os que promovem alertas
exagerados à esquerda, prevendo cortes catastróficos nos programas sociais, a
Fazenda também traz previsões opostas. O relatório desfaz rumores, por exemplo,
de que o BPC, Benefício de Prestação Continuada, sofreria qualquer tipo de
corte nos próximos anos, em virtude do ajuste fiscal, finalmente aprovado pelo
congresso.
Segundo o Ministério da
Fazenda, o BPC não apenas se manterá intacto como deverá se tornar o principal
programa de transferência de renda do governo federal, superando inclusive o
Bolsa Família, ao longo dos próximos anos.
As despesas federais com BPC
cresceram fortemente em 2024, e devem fechar o ano consumindo R$ 112 bilhões.
Para 2025, a previsão do Ministério é que as despesas com BPC devem aumentar
para R$ 124 bilhões, e crescer novamente para R$ 137 bilhões em 2026, e R$ 149
bilhões em 2026.
Em percentual do PIB, o BPC
cresceu de 0,9% para 1,0% entre 2023 e 2024, e deve se manter em 1% do PIB ao longo
dos próximos anos, ultrapassando o Bolsa Família a partir de 2031.
Em suma, os fundamentos
econômicos da economia brasileira permanecem sólidos, com as contas públicas
evoluindo positivamente e programas sociais sendo fortalecidos. A Fazenda prevê
ainda uma queda relativa das despesas com custeio e pessoal, o que desmente a
falsa fama do governo Lula de “gastador”, e aumento da participação dos itens
relativos a investimentos em infraestrutura e novos serviços.
O Brasil caminha para uma
trajetória fiscal mais sustentável nos próximos anos, conforme indica o Relatório de
Projeções Fiscais de dezembro de 2024, elaborado pela
Secretaria do Tesouro Nacional. As projeções apontam para uma melhora gradual
do resultado primário, atualmente deficitário, que deverá alcançar superávits
expressivos até o final da década. O déficit primário projetado para 2024 é de
0,6% do PIB, mas as expectativas são de que ele seja reduzido para 0,4% em 2025
e 0,2% em 2026, atingindo equilíbrio em 2027, quando o Brasil deve registrar
superávit de 0,6% do PIB. A partir daí, espera-se que o superávit cresça
continuamente, chegando a 2,2% do PIB em 2034.
A evolução do resultado
primário reflete um esforço consistente de arrecadação e controle de despesas.
Em 2025, medidas adicionais de receita, como a tributação de fundos exclusivos
e a reoneração gradual de setores econômicos, continuarão a contribuir para o
aumento da arrecadação. Essas iniciativas são complementadas por ajustes nos
gastos obrigatórios e discricionários. Em termos de arrecadação, o governo
projeta medidas que elevarão a receita líquida para 18,8% do PIB em 2025,
crescendo ligeiramente para 18,9% em 2026 e estabilizando-se em 19,1% a partir
de 2028. A implementação dessas medidas, muitas das quais ainda dependem de
aprovação legislativa, é essencial para que o governo atinja as metas fiscais
traçadas.
No âmbito das despesas
obrigatórias, os números do Benefício de Prestação Continuada (BPC) têm
apresentado um aumento real médio de 3% ao ano entre 2024 e 2034. Em 2024, as
despesas com o BPC equivalem a 0,9% do PIB e seguirão crescendo devido ao
envelhecimento populacional e à ampliação de cobertura. Para os próximos anos,
espera-se que o BPC alcance 1,1% do PIB em 2030, refletindo um aumento da
demanda por esse benefício essencial para idosos e pessoas com deficiência em
situação de vulnerabilidade.
O Bolsa Família, reformulado
em 2023, teve um impacto relevante no orçamento. Em 2024, o programa é
responsável por 0,8% do PIB, com valores que aumentaram substancialmente devido
à introdução de benefícios adicionais, como o Bolsa Primeira Infância e o Bolsa
Adolescente. Projeta-se que as despesas com o Bolsa Família continuarão nesse
patamar até 2027, com ajustes em função do crescimento populacional e da
inflação, mantendo-se em torno de 0,8% do PIB até 2034. Esses valores refletem
o compromisso do governo em reduzir a pobreza extrema e as desigualdades
sociais, ao mesmo tempo em que busca assegurar a sustentabilidade fiscal.
As despesas com saúde e
educação também desempenham um papel crucial no orçamento público. Em 2024, as
despesas obrigatórias com saúde atingem 3,8% do PIB, um aumento em relação a
3,6% em 2023, impulsionado por maiores gastos com medicamentos de alto custo e
a expansão de programas de atenção primária. Até 2034, espera-se que as
despesas com saúde acompanhem o crescimento real da economia, permanecendo
entre 3,7% e 3,9% do PIB, refletindo tanto o aumento da demanda por serviços
médicos devido ao envelhecimento da população quanto esforços de eficiência na
gestão de recursos.
Na educação, as despesas em
2024 estão projetadas em 5% do PIB, um patamar semelhante ao de 2023. Esses
recursos são alocados principalmente para educação básica e programas de ensino
superior. Até 2034, as despesas com educação devem se manter estáveis,
oscilando entre 4,8% e 5% do PIB, em conformidade com o crescimento da receita
líquida ajustada e as necessidades de melhoria da qualidade do ensino e da
infraestrutura educacional.
As despesas primárias como
um todo estão no centro do planejamento fiscal. Em 2024, essas despesas
representam 19,3% do PIB, mas a expectativa é de que esse percentual seja
reduzido gradualmente ao longo dos anos. Em 2025, elas devem cair para 19,1% do
PIB, mantendo-se nesse patamar até 2026. A partir de 2027, quando o regime
fiscal começará a incluir todos os precatórios no limite de despesas, as
despesas primárias devem registrar uma redução mais acentuada, alcançando 17,7%
do PIB em 2030 e 16,9% do PIB em 2034. Essa trajetória de redução das despesas
é fundamental para viabilizar o superávit primário e reduzir a pressão sobre o
endividamento público.
A dívida pública segue uma
dinâmica similar. A dívida bruta do governo geral (DBGG) é projetada para
alcançar 77,7% do PIB ao final de 2024, subindo para 79,7% em 2025 e atingindo
um pico de 81,8% em 2027. Esse aumento inicial reflete tanto os custos elevados
com juros nominais, que ainda se mantêm em níveis altos, quanto o resultado
primário deficitário nos primeiros anos do período. Contudo, a partir de 2028,
a trajetória da dívida se inverte, com uma queda gradual ao longo dos anos
seguintes. Em 2030, a dívida bruta deve estar em 78,6% do PIB e, em 2034, cairá
para 75,6% do PIB, abaixo dos níveis projetados para 2024. Essa reversão é
possibilitada pelo aumento dos superávits primários e pela estabilização da
taxa de juros em patamares mais baixos a partir de 2029.
A consolidação fiscal
projetada para os próximos anos depende também de um cenário macroeconômico
favorável. A economia brasileira deve registrar um crescimento médio do PIB de
2,7% ao ano entre 2024 e 2034, com aumento constante da massa salarial nominal,
que crescerá a uma média de 7,9% ao ano no mesmo período. Além disso, a taxa
básica de juros (Selic), atualmente elevada, deve cair gradualmente até 2028 e
se estabilizar em 6,4% ao ano, proporcionando melhores condições de
financiamento para o governo e para o setor privado.
Essa trajetória fiscal,
marcada pela redução do déficit primário, controle da dívida pública e
manutenção de programas sociais essenciais, como o Bolsa Família, saúde,
educação e o BPC, representa um avanço importante para o Brasil. O desafio será
equilibrar essas prioridades com as demandas de investimentos estratégicos e
avanços estruturais que permitam a recuperação e o crescimento sustentável a
longo prazo.
¨ O Brasil na
cova dos leões: o que esperar para 2025?
O Brasil
continua vivendo um momento dramaticamente difícil e complexo, pois estamos ficando
para trás, a uma velocidade vertiginosa, em setores estratégicos na competição
por um lugar melhor ao sol na geopolítica dos próximos anos.
Estamos cada
vez mais atrasados em mobilidade urbana, tecnologia da informação, inteligência
artificial, desenvolvimento de satélites e, de forma geral, em quase todas as
áreas de ponta da pesquisa científica.
A educação –
básica, média, superior – no país continua estagnada, ou mesmo em franco
retrocesso, se a compararmos com o que os países mais desenvolvidos vem
alcançando.
O softpower do
Brasil é uma tristeza. As exceções, como o filme Ainda estamos aqui, que vem
concorrendo a importantes prêmios, apenas confirmam a regra. A participação do
Brasil na luta cultural e geopolítica em curso no mundo é quase insignificante.
Quase não temos portais em idiomas estrageiros, ou pelo menos nada de impacto,
e nem o governo e nem a iniciativa privada parecem preocupados com essa
deficiência, que eventualmente pode ter consequências muito ruins para o futuro
do Brasil.
Começo minha
análise com essas asserções pessimistas, até mesmo um pouco exageradas, para
que o internauta não confunda o otimismo dos próximos parágrafos com uma visão
pouco realista sobre os imensos desafios que o Brasil, e a maior parte dos
países do Sul Global, ainda precisam superar.
Sim, porque
termino o ano bastante otimista com as conquistas de 2024 e com as perspectivas
que se delineam para o ano que vem.
Mesmo
considerando todos os problemas mencionados anteriormente, o ano termina com
excelentes notícias para o Brasil e as perspectivas para os próximos anos são
animadoras.
Se até o Banco
Central, a instituição mais pessimista do país, reajustou para cima a
estimativa do PIB de 2024 para 3,5%, é porque os fundamentos econômicos
permanecem sólidos.
A inflação é
particularmente perigosa para o governo em função das características do nosso
regime político, ainda muito vulnerável a manobras parlamentares e midiáticas
de cunho golpista. Um governo cuja aprovação (e, portanto, estabilidade
política) é ancorada sobretudo em famílias de baixa renda, tem muito menos
margem para equívocos.
Aliás, esse
parece ser o maior desafio do governo Lula. Ele não pode errar.
Só que isso é
virtualmente impossível. Um governo humano, tocado por humanos, necessariamente
erra, de maneira que a única maneira realmente objetiva de manter a
estabilidade política é investir numa gestão responsiva, inteligente e
democrática, capaz de detectar rapidamente os erros e corrigi-los em tempo.
Neste final de
ano, as principais pesquisas de avaliação foram boas para o governo Lula,
revelando estabilidade num momento complicado, por causa da inflação de
alimentos. Nada indica, porém, que este seja um problema estrutural, que não
deva ser revertido nos próximos meses, até mesmo porque se espera um novo
recorde na produção agropecuária de 2025.
Na média das
pesquisas, Lula manteve uma avaliação estável. As primeiras sondagens
eleitorais para 2026, por sua vez, mostram liderança razoável de Lula e mesmo
de Haddad, diante dos principais adversários.
Entretanto,
uma das grandes conquistas democráticas de 2024 foi o indiciamento do
ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe, e de seus principais
assessores, vários deles oficiais graduados das Forças Armadas. Um deles, o
general Braga Netto, foi preso. Essas notícias parecem, finalmente, estar
pesando na avaliação que a população faz do presidente Bolsonaro.
As comparações
que o bolsonarismo provavelmente gostaria de fazer com Trump não fazem sentido,
porque a quantidade de crimes, provas, delações, envolvendo a cúpula do governo
Bolsonaro é muito superior à do americano. Não se encontrou nenhum indício, por
exemplo, de que ajudantes de Trump tenham conspirado para assassinar o
presidente Joe Biden, seu vice e algum ministro importante da corte suprema
americana.
Lula também
encerra o ano com importantes vitórias legislativas, como a reforma tributária
e o corte de gastos, que prometem estabilizar as contas públicas nos dois anos
finais de Lula, abrindo caminho para queda nos juros e mais investimentos
produtivos, públicos e privados.
Quanto ao
corte de gastos, ele produziu alguns ruidos dentro da base política do governo,
inclusive com alguns deputados petistas rebelando-se contra a orientação do
partido e votando contra o governo. Isso não é bom para a administração, mas ao
mesmo tempo reflete um desgaste natural da direção partidária, hoje em final de
mandato.
Com a chegada
de uma nova direção, provavelmente sob a liderança de Edinho Silva, espera-se
um alinhamento maior entre o governo e o partido dos trabalhadores, o que será
naturalmente fundamental para a construção de uma estratégia de vitória em
2026.
Apesar das
previsões ainda modestas sobre o crescimento econômico em 2025, de pouco mais
de 2%, segundo o Banco Central, tenho impressão de que veremos, mais uma vez, o
mercado se “surpreendendo” com a mesma frequência com que vimos este ano.
Vários fatores
sinalizam um ano melhor. À diferença de 2024, quando vimos a extrema direita
superando o trauma da derrota em 2022 e começando a se reorganizar para
combater o governo, ela começará o novo ano com a perspectiva de prisão de seu
principal líder, e ainda presa a um discurso irritantemente vitimista em defesa
dos terroristas do 8 de janeiro.
Mas há também
fatores internacionais que podem favorecer o Brasil.
A estreia de
Trump na presidência, ironicamente, ajudará a unificar novamente a mesma frente
ampla que deu vitoria a Lula, pois sua vulgaridade e truculência, ao mesmo
tempo que despertarão aclamações subalternas da escória reacionária no Brasil,
rasgando sua fantasia de “patriotas”, tende a despertar repúdio na maior parte
da opinião pública braisleira.
O apoio
acrítico, desumano e despolitizado da extrema direita brasileira ao genocídio
em Israel, tende a isolá-la domesticamente, na medida em que, a cada dia,
acumulam-se mais provas do que acontece por lá.
Quanto a
algumas críticas despolitizadas de setores nefelibatas da ultra-esquerda,
tentando pespegar em Lula e em seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a
pecha de neoliberais e inimigos do povo, elas também ajudam o governo, pois
estabelecem os limites conceituais e ideológicos necessários para a
administração construir novamente um programa amplo o suficiente para ser
apoiado por setores progressistas da centro-direita, do centro e da esquerda.
As eleições de
2026 serão, em grande parte, decididas em 2025, ou seja, nos próximos 12 meses.
Os índices econômicos e sociais são favoráveis, por enquanto. Pondo de lado a
barulheira panfletária com que os operadores políticos e midiáticos, de todos
os espectros, tratam a dinâmica do legislativo federal, a verdade é que o
governo teve raros problemas sérios com o congresso nacional. Ao cabo de dois
anos, Lula ganhou todas as batalhas realmente importantes e estratégicas no
legislativo, culminando agora com a aprovação da reforma tributária e o corte
de gastos.
O próximo
presidente da Câmara, que deverá ser o deputado Hugo Motta (Republicanos – PB),
até por ser um parlamentar menos experiente, e mais fraco politicamente, tende
a ser menos agressivo e perigoso do que Lira. De qualquer forma, o governo já
aprovou as reformas mais difíceis nesta primeira metade de seu mandato, como a
tributária. Nessa segunda metade, o governo poderá investir mais em reformas
progressistas, como a do imposto de renda, que será uma luta onde ganhará mesmo
perdendo, pois a direita, caso se oponha a maior isenção à classe média, terá
de arcar com esse ônus.
Há sinais de
que 2025 poderá ser um ano relativamente calmo, portanto, o que será vantajoso
para o governo e para a economia. O perigo disso justamente é fazer o governo
baixar a guarda, sem investir na politização de sua base social, sem apoiar os
setores progressistas que fazem a luta política contra as forças da reação, e
sem oferecer um sonho de prosperidade e desenvolvimento capaz de mobilizar a
classe média.
Fonte: O Cafezinho
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