sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Marcos Paulo Pereira Filho: Lula 3.0 – soluções temporárias, problemas estruturais

Apesar das melhorias relevantes na realidade brasileira, antigos problemas continuam a assombrar o país: a diminuição do desemprego se dá pela geração de empregos precarizados

A retomada do lulismo

Com a terceira vitória do candidato Luis Inácio Lula da Silva em outubro de 2022, contando com apoio de parcela dos setores populares, radicais de classe média, setores do establishment político e nos últimos minutos do 2º turno, representantes da burguesia cosmopolita, o lulismo voltou para administração pública buscando reverter o quadro de crise que caracterizou o país desde 2015 com sua reedição da década perdida.

Prometendo retomar a expansão do consumo na sociedade brasileira via investimento público, o reformismo fraco apoiou a reeleição de Arthur Lira para o comando da Câmara dos Deputados em troca da aprovação da PEC da Transição, que permitiu o aumento e/ou reajuste nos programas sociais que caracterizaram os governos petistas, além das quantias monetárias necessárias para que não houvesse um shutdown da máquina pública.

Os investimentos públicos, na ordem de 150 bilhões de reais, junto com os reajustes acima da inflação no salário mínimo e nas aposentadorias, reanimaram o keynesianismo moderado que deu sobrevida ao país-ornitorrinco, ocultando sua lógica de colapso que atravessa a sociedade brasileira desde a década de 1980.

Passados dois anos desde a expansão fiscal promovida na transição, os indicadores sociais melhoraram. O desemprego, que no 1º trimestre de 2023 era de 9,4%, agora, no 3º trimestre de 2024, é de 6,4%, chegando perto do pleno emprego (levando em consideração a capacidade produtiva de um país na periferia do capitalismo). A diminuição da insegurança alimentar, que tinha explodido durante o período mais agudo da pandemia, também aponta para melhora no quadro social do país.

Apesar das melhorias relevantes na realidade brasileira, antigos problemas – que se revestem de novos – continuam a assombrar o país. A diminuição do desemprego que chega perto da taxa mínima histórica de 2012, se dá, qualitativamente, pela geração de empregos precarizados, concentrados no setor de serviços, que demanda apenas ensino médio completo e sua remuneração orbita em torno de dois salários mínimos. A taxa de informalidade continua beirando os 40%, expressando o oceano de exército de reserva que continua permitindo uma acumulação capitalista centrada no rebaixamento dos custos da reprodução da força de trabalho.

A retomada dos investimentos públicos via programas sociais e aumento real do salário mínimo, estimularam uma demanda agregada que se espalhou e criou uma capacidade de consumo que necessitava da criação de novos postos de trabalho no setor de vendas e comércio, mas não está associada com o aumento da produtividade do trabalho, isto é, inovações tecnológicas que permitam a extração da mais-valia relativa. O diagnóstico é de um crescimento artificial, centrado no consumo das famílias, mas desatrelado do desenvolvimento das forças produtivas e se baseando no aprofundamento do extrativismo.

Francisco de Oliveira em ensaio publicado na piauí em 2007, demonstra, como os governos petistas, mimetizando a administração de Nelson Mandela, inauguraram no país uma hegemonia às avessas: os dominados, ao liderarem a direção moral da sociedade, adotam o programa dos dominadores. Os programas de transferência de renda atuariam como um administrador da pobreza, retirando da política a disputa de classes e alçando a miséria às planilhas do Ministério do Desenvolvimento Social. As disputas em torno de uma transformação radical da sociedade brasileira, centrada em uma modernização com inclusão social, são substituídas por uma aliança frágil que remenda a fratura social brasileira.

Escrito no auge da popularidade do segundo governo Lula, o ensaio se mostra atual para o novo governo petista: enquanto se expande o valor dos benefícios dos programas sociais, a estrutura produtiva do país continua decadente: a desindustrialização é intensificada, os investimentos em infraestrutura continuam aquém da necessidade para sua modernização, as empresas continuam sem absorver as pesquisas produzidas nas universidades brasileiras, a qualidade dos empregos são precárias, o endividamento familiar se põe como regra e a expansão da produção de commodities serve para engordar as reservas do país.

<><> Crise ou colapso da economia mundial? Brasil na encruzilhada

Para compreensão das mudanças na economia brasileira desde o esgotamento do ciclo desenvolvimentista, é necessário estender a análise para as transformações na organização produtiva mundial que alteraram os rumos da acumulação capitalista.

Robert Kurz (1991), em O Colapso da Modernização, demonstra como essas transformações operaram dentro do sistema mundial produtor de mercadorias. Com o desenvolvimento das suas forças produtivas desde o pós-guerra, sobretudo nos países centrais, houve um aumento da composição orgânica do capital que passou a dispensar o trabalho vivo do processo produtivo. Esse processo desembocou na Terceira Revolução Industrial nas décadas de 1970 e 1980, com a microeletrônica ruindo as bases de reprodução capitalista. Se Marx já havia demonstrado o processo crítico de reprodução capitalista, pautado em uma constante desvalorização do valor, substância que rege o modo de produção capitalista, na qual o aumento do capital constante em relação ao capital variável, ao diminuir as taxas de extração de mais-valia, leva à uma queda tendencial da taxa de lucro, o que passamos a compreender a partir do final do século XX é uma acumulação capitalista que se reproduz pela dessubstancialização do valor, minando as bases da reprodução capitalista e transformando os trabalhadores de exército de reserva em população supérflua.

Se a partir da década de 1970 o setor industrial para de remunerar adequadamente os capitalistas, com a queda da sua taxa de lucro, o setor financeiro, com o capital portador de juros, sugere níveis de remuneração individuais maiores. A migração dos investimentos para o mercado de capitais, por meio do crédito, realimenta a espiral da crise, com o capital fictício liderando a economia mundial. A problemática se insere, entretanto, em conceber como o capital fictício se entrelaça com uma produção de mercadorias que conta com menos valor em cada unidade produzida, organizando a economia mundial a partir da lógica do colapso.

No artigo A produção do espaço na região do MATOPIBA: violência, transnacionais imobiliárias agrícolas e capital fictício (2017), os autores concebem como a terra se transformou em um ativo financeiro em busca de valorização dos capitais com a produção de commodities. A expansão da fronteira agrícola no Brasil a partir da década de 1970, se caracteriza, nos dias atuais, pela busca, por parte do mercado financeiro, de remunerar seus capitais com a produção agropecuária, aumentando a produção e produtividade. O nó gerado, síntese da acumulação de capital no estágio atual do capitalismo, é que sua expansão se baseia na diminuição do capital variável do processo produtivo, simulando um processo de acumulação que não possui suas bases para se reproduzir.

Podemos compreender que a economia brasileira, entrelaçada com a economia mundial, possui dificuldades de passar por mudanças que alterem sua estrutura produtiva quando a lógica atual de produção de mercadorias se enquadra na sua crise de valorização.

E enfim, o extrativismo

A crise da dívida externa na década de 1980 alterou a balança de pagamentos do país, intensificando o processo inflacionário que corroía a tentativa de modernização periférica que se sustentava desde a década de 1930. As soluções encontradas para o novo problema nacional partiram da redefinição da acumulação de capital no país, com a adoção de políticas econômicas ortodoxas que estimulavam a produção mineral e agropecuária para formar as divisas internacionais necessárias para reestruturar a sua dívida externa.

Saskia Sassen (2016), em seu livro Expulsões, apresenta a relação entre o pagamento da dívida externa dos países do Sul Global e o aprofundamento do extrativismo. Para ela, são dois vetores que explicam esse funcionamento: o enfraquecimento dos Estados Nacionais, com a lógica globalizadora distribuindo mundialmente as cadeias produtivas, e a abertura dos mercados nacionais para o pagamento dessas mesmas dívidas como requisito para acessar o crédito dos organismos multilaterais (FMI e Banco Mundial). A autora compreende que “não se trata simplesmente da dívida, mas do uso que se faz do problema da dívida para reorganizar uma economia política” (SASSEN, 2016, p. 108).

O aprofundamento do extrativismo vem de encontro com o início da década de 2000 e a eleição presidencial  do primeiro operário a comandar o país. Os 13 anos de administração petista se beneficiaram do boom das commodities para realizar suas políticas sociais. Para além do uso das receitas do Pré-Sal, por exemplo, para o financiamento de algumas de suas políticas, os governos estimularam a extração de recursos naturais e a expansão da fronteira agropecuária pelo país, intensificando o caráter exportador de uma economia periférica. O Governo Lula III, como reedição do lulismo adaptado às novas condições de correlação de forças nacionais e internacionais, continua promovendo essa realidade econômica. O Plano Safra, contando com 400 bilhões de reais, expressa essa condição que estrutura a atividade produtiva do país.

Para além dos problemas de ordem econômica, as questões sociais e ambientais foram e são penalizadas pelo extrativismo. As comunidades indígenas, quilombolas e de posseiros que ocupam partes do território nacional, vem sofrendo um intenso processo de expropriação causado pela expansão da fronteira agrícola, marcada pela grilagem de terras nas novas áreas de produção agropecuária, como a região do MATOPIBA ou de partes do território amazônico. Essa mesma busca desenfreada por terras férteis, na Amazônia, vem causando estragos que alguns cientistas falam de um ponto de não retorno, com o colapso do bioma amazônico trazendo consequências apocalípticas para o planeta.

<><> Soluções temporárias

As tentativas de modernizar o país por parte do novo Governo Lula, apesar de tímidas, também esbarram nos problemas da acumulação capitalista mundial. Se existe a formulação ou reedição de novos programas de estímulo à produção industrial, como o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ou o NIB (Nova Indústria Brasil), seus resultados serão frustrados ao buscar solucionar os problemas em uma realidade que impede atingir o tempo industrial médio de produção, isto é, a produtividade dos países centrais, para além da problemática central de crise da reprodução capitalista que, contraditoriamente, se realiza por seus próprios mecanismos de valorização, com a desvalorização do valor.

A administração petista, com seu reformismo fraco, também apresenta dificuldades em solucionar, com os limites lógicos impostos pelo estágio atual do capitalismo, problemas estruturais de comando da economia regida pelo colapso, mas que apresentam fendas de diminuição de impactos, ou seja, de compra de tempo, como a criação de novas fontes de valorização que permitiriam trazer mudanças e fortaleceriam o tecido social brasileiro a médio prazo, como as tecnologias verdes para a transição energética. Aquilo que se diagnostica são soluções temporárias que conservam os problemas estruturais da formação social brasileira, ou em outras palavras, o futuro continua sendo estático.

 

¨      Alta do dólar: PF abre esta semana apuração sobre fake news que afetou mercado

A Polícia Federal vai instaurar ainda esta semana apuração sobre a fake news que movimentou o mercado nacional em dias de agitação extrema por conta da trajetória da dívida interna e do cenário internacional.

A mentira foi desmentida e revelada no jornal Conexão GloboNews. Um perfil que simulava pertencimento a casa do mercado financeiro inventou e atribuiu, na última terça (17), declarações ao futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.

A mentira foi replicada por agentes do mercado e perfis de extrema direita nas redes sociais como se fosse verdade e acabou ampliando, segundo representação da Advocacia-Geral da União obtida pelo blog, a pressão sobre o dólar.

Ao pedir a investigação para a PF e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a AGU afirmou que “essas afirmações são desprovidas de fundamento e foram prontamente desmentidas pelo Banco Central, mas geraram repercussão significativa no mercado financeiro".

“Embora o Banco Central tenha emitido esclarecimentos para desmentir as declarações atribuídas ao Diretor Gabriel Galípolo, o conteúdo falso ganhou ampla circulação, sendo compartilhado por páginas e perfis especializados em análise econômica, com alta visibilidade. Essa disseminação gerou impactos negativos na cotação do dólar, em um momento sensível para a política cambial brasileira.”

As postagens falsas foram replicadas por perfis de gestoras de casas de investimento e economistas com mais de 100 mil seguidores. Depois de reveladas no Conexão, as postagens originais foram apagadas e, por fim, o perfil que lançou a fake news simplesmente excluiu sua conta da rede social X.

A agitação causada pela mentira coincidiu com um ambiente já de extrema desconfiança do mercado com a solidez do pacote de corte de gastos lançado pelo governo Lula, com severas críticas à trajetória da dívida e com as questões que a aproximação da posse de Donald Trump nos Estados Unidos têm levantado em todo mundo, pressionando sobretudo países emergentes.

¨      Campos Neto vê saída atípica de dólares no fim do ano 

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reafirmou que o câmbio é flutuante no Brasil, ou seja, que a cotação da moeda norte-americana sobe e desce de acordo com as operações no mercado, mas avaliou que houve uma saída extraordinária de recursos do país neste fim de ano.

Por isso, explicou que instituição resolveu intervir com leilões de venda de dólares, como forma de contrabalançar essa saída "atípica" de divisas do país. Segundo ele, o BC não mudou sua forma de atuar no câmbio, ou seja, continua sem meta para o dólar.

Campos Neto aproveitou para dar um recado ao mercado financeiro: disse que o Banco Central "tem muita reserva [internacional, acima de US$ 370 bilhões] e vai atuar [no câmbio] se for necessário".

"Entendemos que começou a ter uma saída maior, atípica, no fim do ano. A parte de dividendos [remessas de empresas ao exterior], você consegue ver que está acima da média. Mas o lucro foi maior também, o que aumenta o fluxo", disse Campos Neto.

Segundo ele, além das tradicionais retiradas de recursos por empresas do país, que se intensificam no fim de cada ano, também está sendo registrado, e monitorado pelo BC, uma saída maior de recursos pelas pessoas físicas, por meio de plataformas de bancos.

"Há saída maior de pessoa físicas, por plataformas, com volumes menores. A gente discute entre a gente e tenta fazer uma intervenção que se contrabalenceie o fluxo que está vendo [de saída]. Geralmente a gente fatia [as intervenções] em alguns dias, o volume [equivalente às retiradas]", acrescentou o presidente do Banco Central.

Campos Neto observou que o Banco Central vendeu, no mercado à vista, US$ 8 bilhões nesta quinta-feira. De acordo com ele, a demanda foi "muito maior do que o esperado" no leilão inicial do dia, de US$ 3 bilhões. Por isso, a autoridade monetária resolveu fazer um nova intervenção, vendendo adicionais US$ 5 bilhões.

"Estamos mapeando fluxo do dia a dia. O fluxo maior [de saída de recursos] vai até sexta da semana que vem. A gente vai continuar monitorando o fluxo, e com volume muito acima da media, o BC precisa atuar na forma como está atuando. Não tenho como responder o que vai ser feito no futuro", conclui o presidente do BC.

Ele reiterou, várias vezes, que não ha defesa de preço do dólar por parte do Banco Central, no regime de câmbio flutuante. "Mas há a percepção que, se o BC não atuar, pode haver uma disfuncionalidade de preços [no dólar]. Para isso que existem as reservas", concluiu Campos Neto.

A alta do dólar, influenciada também por conta de dúvidas do mercado financeiro sobre as contas públicas, é um fator que tem pressionado a inflação nos últimos meses. Com dólar mais alto, importados também encarecem, assim como produtos básicos com cotação internacional, como alimentos, afetando a vida de toda população.

 

Fonte: A Terra é Redonda/g1

 

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