Marcio Alves de Oiveira
& Rogério de Souza: O pacote de corte de gastos
O estrangulamento neoliberal das contas públicas
colocou desfocadamente reformas governamentais em pauta nos níveis federal,
estadual e municipal, ameaçando permanentemente serviços e servidores públicos.
O pacote de corte de gastos apresentado por Fernando Haddad no final de
novembro é o episódio mais recente da novela que se assiste desde a década de
1990.
Desta vez aparentava que seria diferente. Os hipsters
da Faria Lima não param de se queixar: que o pacote demorou demais para sair;
que a economia com os cortes de gastos está aquém do necessário; que não
precisava anunciar simultaneamente a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem
ganha até cinco mil reais por mês; que a taxação dos super ricos irá provocar
fuga de endinheirados do país etc. Caracterizado por ser um nicho econômico
associado ao capital especulativo, rentista, investirem em paraísos fiscais via
offshore e surrupiadores disfarçados do orçamento público[i], a gritaria da
turma abastada da Faria Lima resultou, na esquerda, num ligeiro entusiasmo com
as medidas econômicas do governo federal.
As propostas de taxar os super ricos que ganham mais de
50 mil reais por mês, isto é, mais de 600 mil reais por ano, em até 10%;
proibição na criação, majoração ou prorrogação de benefícios tributários
(isenções fiscais), que hoje somam mais de 500 bilhões de reais; limitação
orçamentária de subsídios e subvenções; teto no crescimento das emendas
parlamentares impositivas; etc[ii], são bem-vindas,
porém, aquém do esperado e do possível. Muitos super ricos recorrem há tempos
ao subterfúgio da pejotização para não recolher impostos devidos e, em média,
pagam menos de 5% do valor recebido. Diferente da classe média que paga, no
limite, 27,5% ao mês. Portanto, soa como medida tímida a proposta de taxar em
menos de dois dígitos essa corruptela[iii], constituída por
brancos e ricos, que autointitulam-se case de
sucesso.
Ao mesmo tempo em que diferentes setores da elite
econômica se queixam de programas de transferência de renda do governo federal
como o Bolsa Família, se esbaldam com isenções fiscais e subsídios diversos,
vide as desonerações tributárias que o ramo de lazer conquistou no contexto da
pandemia e que agora “não quer largar o osso”. A prática escusa do orçamento
secreto que, como argumenta Jessé Souza, é uma forma de corrupção que a grande
imprensa escolhe não nomear assim, deveria acabar.[iv] O
pacote do governo de corte de gastos até segue orientação internacional de
taxar aqueles que ganham mais, no entanto, não menciona uma só palavra sobre a
auditoria da Dívida Pública, proposta histórica da esquerda brasileira e ação
que resultaria, certamente, na economia de bilhões de reais. Também não alude
sobre a taxação do patrimônio dos super ricos, com destaque para impostos sobre
herança, como já ocorre em vários países do mundo.
Não se verifica, todavia, a mesma ternura quando se
trata dos instrumentos de fiscalização de políticas públicas voltadas às
camadas vulneráveis. O aumento do salário mínimo acima da inflação, somado ao
crescimento do PIB de dois anos anteriores, mostrou-se, ao longo do tempo,
instrumento essencial para diminuir as desigualdades no Brasil. Estudos do IPEA
revelaram o impacto dessa política pública para melhorar a distribuição de
renda no país.[v] Porém,
o pacote de corte de gastos estabelece uma espécie de freio nesse crescimento.
Abaixa o teto a níveis que se adequam ao Arcabouço Fiscal. Ou seja, condiciona
a elevação no valor do salário mínimo à inflação, somada ao limite de até 2,5%
do PIB, mesmo que este apresente alta superior. Um governo de centro-esquerda
não pode tirar do horizonte que a classe trabalhadora defende, há décadas, que
o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas
deveria ser, segundo o DIEESE, de R$ 6.769,87 ou 4,79 vezes o mínimo de R$
1.412,00.[vi] Com
a aprovação do pacote de corte de gastos, o salário mínimo, que em 2025 seria
de R$ 1.521,00 irá para R$ 1.515,00. Rapinagem de 72 reais no ano das camadas
vulneráveis.
Outra política pública que tem ajudado a diminuir as
desigualdades no Brasil é o Abono Salarial, benefício que equivale a um 14º
salário para quem ganha até dois salários mínimos (atualmente em R$ 2.824,00)
com carteira assinada. O governo federal parece enxergar essa prática como um
“mimo desnecessário” para a sobrevivência das camadas populares, e propõe
reduzir, ao longo dos anos, para um salário mínimo e meio a renda mensal do
contingente que terá direito a receber o Abono Salarial.
Com a justificativa de passar o “pente-fino” nos
programas sociais, o governo federal esborracha-se na esparrela de que o
principal problema das contas públicas, isto é, o empecilho para o país se
desenvolver, é a corrupção das camadas populares, especialmente daqueles que se
apropriam de forma indébita do dinheiro da nação.[vii] Verifica-se
a ênfase despejada no escrutínio de programas sociais como o mundialmente premiado
Bolsa Família, que hoje atende 54,37 milhões de pessoas, das quais 25 milhões
são crianças e adolescentes de zero a 18 anos incompletos, e um montante anual
de 14,25 bilhões de reais[viii]; e no Benefício de
Prestação Continuada, o BPC. Sobre o último, além de indicar eventuais fraudes
e distorções de uma política pública que atende aos grupos vulneráveis
socialmente – garantia de um salário mínimo por mês ao idoso com idade igual ou
superior a 65 anos ou à pessoa com deficiência de qualquer idade -, o governo
amplia a noção de família, isto é, cônjuge não coabitante e renda de irmãos,
filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes passam a contar para ter
acesso ao auxílio. Pessoas das camadas populares com deficiência e mais velhas
vivem, geralmente, com parentes na mesma casa ou no mesmo terreno com algumas
moradias – ali residem filha, neto, bisneta, etc. Portanto, corre-se seriamente
o risco desse “pente-fino” nas políticas públicas de distribuição de renda
tornar-se em justificativa para não conceder o benefício, assemelhando-se à
prática desenvolvida pelos governos neoliberais da década de 1990.
Pontualmente, o pacote de corte de gastos avança sobre
privilégios, porém, em pelo menos um terço se faz sobre os mais vulneráveis
socialmente, e isso no frágil contexto social que ainda é de urgente
recomposição da tessitura social rasgada na última década, especialmente após o
golpe de 2016 e o desastroso governo de Bolsonaro. Além disso, indica, mais uma
vez, que políticas públicas voltadas às camadas populares estão,
necessariamente, permeadas por falcatruas e trapaças. Esse mesmo ímpeto
moralizador não é descarregado no “pente-fino” de políticas públicas consumidas
sabidamente pelas frações da elite econômica. O caso de corrupção envolvendo as
lojas Americanas e um dos homens mais ricos do Brasil reafirma, mais uma vez,
que os players da
rapina não vivem nas periferias, morros e favelas.
Da maneira exposta no tabuleiro de disputas por
orçamento, o pacote de corte de gastos obrigatórios quer apenas dar sobrevida
ao moribundo Arcabouço Fiscal por meio de ações que atendam às vontades
daqueles que historicamente se apropriam do dinheiro público e boicotam a
sociedade brasileira.
É preciso alargar ao máximo, conforme as aberturas
políticas possíveis, essa verdadeira disputa por uma ampla e estrutural reforma
social que inverta o fluxo de apropriação da riqueza produzida pela classe
trabalhadora. Neste sentido, deve-se escancarar a porteira aberta pela acertada
proposta governamental que via Imposto de Renda transferirá 30 bilhões ao ano
dos mais ricos para 30 milhões de trabalhadores que ganham entre 2 e 5 salários
mínimos, a qual rapidamente pode se fechar no atual contexto político
neoliberal desfavorável.
Em outras palavras, desvelar a necessidade de uma
reforma pela esquerda que impeça o dreno dos recursos públicos para o tal
mercado, com: a recomposição das contas públicas através da reoneração fiscal
de empresas privadas que continuam mamando no dinheiro público; a diminuição da
taxa de juros que drena 30 bilhões por ano a cada 1 ponto Selic e que, segundo
critérios razoáveis, deveria ser de 2 a 4 pontos menor do que é hoje; o
desmonte dos mecanismos rentistas que sugam mais da metade do orçamento através
da dívida pública; a real e crescente taxação dos ricos; a auditoria da Dívida
Pública.
Para isso, os movimentos sociais de esquerda têm que
potencializar os fecundos caminhos apresentados como a luta pelo fim da escala 6X1,
combatendo a alta precarização presente no mundo do trabalho e trazendo para o
horizonte de mudanças mais estruturais a questão da jornada de 4 dias, operando
politicamente, assim, também na necessária disputa ideológica concreta contra
uma sociedade neoliberal fascistizando-se.
A luta política por justiça social via redistribuição
de renda no sentido mais amplo possível tem que focar urgentemente na alta
precarização social com os ricos pagando a conta dos profundos desajustes
sociais que eles mesmos produziram. Jamais cair na esparrela de “culpar o pobre
pelos problemas brasileiros”.[ix] O
embuste da elite econômica predatória e egoísta necessita ser cobrada, não com
ternura, e sim com firmeza.
¨ Reforma
Tributária: entenda a diferença entre os textos aprovados no Senado e na Câmara
O
Senado promoveu uma série de modificações no texto de regulamentação da Reforma Tributária, aprovado
pela Câmara dos Deputados em julho deste
ano. Entre as principais propostas pelo relator Eduardo Braga (MDB-AM) está o
acréscimo de itens isentos na cesta básica e nos produtos com alíquota reduzida
a 60% da alíquota padrão.
A proposta foi aprovada pelo Senado nesta
quinta-feira,
mas volta para Câmara dos Deputados devido às mudanças.
O
texto também trata de cashback para baixa renda (devolução de imposto) e
detalhes do funcionamento dos impostos criados com a reforma: o federal Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o
estadual/municipal Imposto sobre
Bens e Serviços (IBS). Eles vão substituir IPI,
PIS, Cofins, ICMS e ISS.
Vejas
quais foram as principais mudanças:
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Cesta básica
No
Senado, a cesta básica de alimentos com alíquota zero de IVA somam 26 itens e
foram acrescentados: mate, tapioca, massa e fórmulas proteicas. Foram retiradas
os óleos de soja e milho.
Na
Câmara, a cesta tinha 22 itens, com carnes e queijos adicionados.
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Cashback
O
relatório de Eduardo Braga ainda ampliou a possibilidade de cashback para
população de baixa renda que comprar botijão de gás de até 13 kg. Antes o texto
previa a devolução de imposto apenas para os itens de exatamente 13kg. Além disso,
serviços de internet e telefone também poderão ter devolução de CBS e IBS.
Na
Câmara, o cashback era apenas para energia, água, luz e esgoto.
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Saneamento
No
Senado, o saneamento ficou equiparado a serviços de saúde, com alíquota
reduzida em 60%. Na Câmara, o saneamento estava apenas como regime especial, e
o cálculo da alíquota seria feito para manter a carga tributária.
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Medicamentos
No
Senado, o relator retirou a lista de princípios ativos que seriam isentos de
tributo e substituiu por grupos de doenças a serem atendidas. Terão imposto
zero: tratamentos oncológicos; doenças raras; DST e AIDS (o projeto traz esses
termos); doenças negligenciadas; e diabetes mellitus.
Entre
os medicamentos e dispositivos que terão 60% de desconto na alíquota, o relator
incluiu produtos de Home Care, aqueles utilizados para tratamentos de idosos,
pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida quando tratadas em casa; além de
serviços de esterilização e instrumentação cirúrgica.
Na
Câmara, existiam duas listas com princípios ativos de medicamentos, com cerca
de 300 itens cada, uma para desconto de 60%, e outra para alíquota zero.
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Imóveis
O
relator aumentou o desconto sobre a alíquota geral do imposto para 50% nas
transações do mercado imobiliário. Antes, a redução de alíquota prevista no
texto da Câmara era de 40%.
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Imposto seletivo
No
Senado, as bebidas açucaradas foram retiradas do Imposto Seletivo. O item
estava no texto da Câmara. Nas duas Casas, armas e munições ficaram de fora.
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Pesticidas
Braga
também acatou uma emenda da senadora Tereza Cristina (PP-MS) que coloca os
defensivos agrícolas, chamados de pesticidas, entre os produtos com alíquota
reduzida em 60%, beneficiando o agronegócio.
Na
Câmara, o benefício não existia.
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Crédito a empresas
Eduardo
Braga também acrescentou entre os bens e serviços que podem gerar crédito às
empresas a concessão de benefícios educacionais, como bolsas de estudos, e o
serviço de creche para filhos de funcionários. A creche, porém, precisam estar
no estabelecimento da empresa e servir a seus empregados durante a jornada do
trabalho.
Os
créditos também não eram previstos no texto da Câmara.
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Bares, restaurantes, hotéis e parques
Eduardo
Braga também escolheu simplificar o cálculo do regime específico de hotelaria,
turismo, bares e restaurantes. Eles foram enquadrados pelo relator na alíquota
reduzida em 40%, sem contar as gorjetas na base de cálculo.
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Transporte coletivo intermunicipal e estadual
O
relator também excluiu do texto a previsão de um cálculo que equiparava as
alíquotas dos transportes intermunicipais e interestaduais, coletivos, com a
carga tributária atual e deixou o setor com um desconto de alíquota de 40%.
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Educação, academias e serviço funerário
O
relator também acrescentou a lista de alíquota reduzida em 60% os serviços de
educação com enfoque cultural, desportiva e recreacional, em línguas
estrangeiras e outras formas de treinamento. Eduardo Braga ainda acrescentou
que serviços funerários, de cremação e de embalsamamento terão 60% de redução.
Fonte: A Terra é
Redonda/Exame
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