Jiyan Malla: “Os
curdos precisam desempenhar um papel importante na transição na Síria”
Integrante do
Departamento de Relações Exteriores da Região da Administração Autônoma
Democrática, Jiyan Malla analisa a situação de Rojava após a queda
do regime sírio e o papel da Turquia e de Israel nesse novo cenário.
Desde que grupos
rebeldes, liderados pelo HTS e apoiados pela Turquia, derrubaram o regime
de Bashar al-Assad, todas as atenções estão voltadas para a Síria e para o
que pode acontecer, em um futuro próximo ou distante, em um país chave para os
interesses internacionais de potências imperialistas como os EUA e a Rússia.
Nesse caso, com maior envolvimento da Turquia e de Israel, que
estão participando diretamente.
Nesse novo cenário,
será configurada a nova Síria, onde também existem outros grupos que
lutaram tanto contra o regime quanto contra o ISIS (ou Estado
Islâmico), defendendo a autonomia e a cooperação entre os povos. Esse é o caso
da Administração Autônoma Democrática do Norte e Leste da Síria (AADNES),
conhecida como Rojava, o maior bastião curdo na região e na Síria. A
Administração também é composta por outros grupos étnicos e religiosos, como
árabes, cristãos armênios e yazidis.
Desde sua criação,
a AADNES tem sofrido ataques e bombardeios da Turquia e de grupos
armados aliados, que a veem como uma ameaça à sua segurança nacional e às suas
ambições imperialistas na Síria. Agora, com o novo cenário, também voltaram a
ocorrer combates em cidades como Manbij, entre as Forças Democráticas Sírias
(FDS, forças de autodefesa da Administração Autônoma) e o HTS, apoiado por
Ancara.
O jornal El
Salto entrevistou Jiyan Malla, natural de Derbassiya, no cantão
de Jazira, e integrante do Departamento de Relações Exteriores da Região da Administração
Autônoma Democrática, sobre a situação atual de Rojava e os possíveis cenários
futuros.
<><> Eis
a entrevista.
·
Quem
são o HTS e outros grupos islâmicos e jihadistas que derrubaram o ditador
sírio?
A crise síria, que
começou em 2011, criou condições para o surgimento de grupos jihadistas locais,
que posteriormente foram desmantelados ao serem fundidos ou derrotados por
outras facções armadas. Entre os que conseguiram sobreviver está o Hayat
Tahrir al-Sham,
ou HTS, considerado a facção mais forte no noroeste da Síria.
O HTS passou por várias fases desde sua fundação e, em 2011,
tornou-se mais ativo sob o nome Frente al-Nusra, fundado pelo Estado
Islâmico, também conhecido como ISIS.
Mais tarde, em
2016, separou-se do ISIS e passou a integrar a Al-Qaeda,
adotando o nome Jabhat Fateh al-Sham. Em 2017, deixou de fazer parte
da Al-Qaeda e uniu-se a outras facções locais sob o nome Hayat Tahrir al-Sham,
liderado por Ahmad
al-Sharah,
conhecido como Abu Muhammad Al-Jawlani. O HTS conseguiu controlar grande
parte da governança em Idlib, no noroeste da Síria, e estabeleceu o chamado
Governo de Salvação da Síria, com o objetivo declarado de libertar a Síria do
domínio de Assad.
Atualmente, o HTS
tornou-se um ator importante na cena síria, especialmente após abandonar a
ideia de jihad global e focar exclusivamente no conflito sírio. Agora, em
cooperação com outras facções armadas, derrubaram o regime de Bashar
al-Assad.
As relações entre
o HTS e a Turquia têm sido favoráveis ao longo dos anos. De fato, o
governo turco buscou a ajuda de Abu Muhammad Al-Jawlani para
controlar o caos entre algumas facções da oposição síria alinhadas com a
Turquia. Além disso, o HTS auxiliou no controle de estradas utilizadas para
a ajuda
humanitária,
comércio e trânsito entre a Turquia e os territórios sírios sob controle do
grupo em Idlib.
·
Como
a Turquia está envolvida nos ataques à Administração Autônoma Democrática do
Norte e Leste da Síria? Quais são seus interesses?
A Turquia tem sido o
principal apoio da oposição síria desde o início da guerra em 2011 e também
após o lançamento da operação militar surpresa que derrubou o regime de Assad.
Nesse processo, encontrou uma oportunidade de influenciar a oposição no terreno
sem intervenção direta, especialmente após o fracasso de negociações anteriores
com Assad.
Atualmente, a
Turquia ataca as regiões do norte e leste da Síria, tentando controlá-las
por meio do chamado Exército Nacional Sírio, também conhecido como Exército
Sírio Livre, especialmente após os acontecimentos nas regiões de Shahba, Tal
Rifat e agora em Manbij. Está aproveitando a fraqueza do domínio iraniano
na Síria para alcançar ganhos estratégicos significativos.
As regiões do norte
e leste da Síria estão sujeitas a bombardeios e ataques de
drones turcos, que visam principalmente líderes militares das Forças de
Autodefesa que combateram o ISIS, além de administradores e civis. Há
também destruição de infraestrutura, incluindo instalações petrolíferas,
estações elétricas e de abastecimento de água. A Turquia justifica essas ações
alegando que seu alvo são líderes do PKK, considerados por
Ancara uma ameaça à segurança nacional.
No entanto, o
objetivo da Turquia é obter ganhos políticos e históricos com a
ocupação de territórios sírios, alterando a identidade geográfica e a
composição étnica da região. Além disso, Ancara teme que a identidade e a comunidade
curda se
fortaleçam, influenciando especialmente os jovens curdos na Turquia. Assim,
busca estabelecer uma faixa fronteiriça de aproximadamente 30 quilômetros no
norte da Síria, que serviria como um muro de contenção.
Os EUA consideram a
Turquia um aliado estratégico como membro da OTAN, e seu papel em
relação ao Ocidente ganha mais relevância à medida que os conflitos
internacionais e as disputas por energia e recursos se intensificam, especialmente
após o conflito na Ucrânia. Ancara espera uma resposta da administração
Trump devido à sua ambição de completar o projeto da faixa fronteiriça.
Washington poderia propor negociações entre Ancara e a Administração Autônoma
do Norte e Leste da Síria para alcançar entendimentos que ponham fim ao
conflito entre as duas partes e avancem em soluções para a questão curda.
No entanto, a
realidade é que esforços para criar caos e tensões
étnicas nas
regiões do nordeste da Síria ou nos territórios sob a administração autônoma
têm sido constantes. Por exemplo, grupos armados financiados pela Turquia têm
fomentado tensões entre árabes e curdos, especialmente em áreas de maioria
árabe como Raqqa e Hasakah. Recentemente, houve celebrações públicas
nessas cidades, e quando a administração autônoma hasteou a nova bandeira
síria, infiltrados dispararam contra civis, resultando em uma morte, e culparam
os curdos pelo ocorrido. Essa é uma estratégia para incitar o ódio entre as
comunidades árabes e curdas, buscando desestabilizar a região.
·
Qual
é a situação nas cidades atacadas pelos rebeldes sírios apoiados pela Turquia?
Atualmente, em
Manbij e Kobane, facções armadas alinhadas à Turquia assumiram o controle das
regiões de Shehba e Tal
Rifat e
avançaram para Manbij, onde enfrentaram o conselho militar local. Agentes
infiltrados dessas facções criaram caos entre civis, deslocando-os para a parte
oriental das duas cidades. Essas facções também cometeram assassinatos com
motivação étnica, além de saquear propriedades de cidadãos curdos, que
representam mais de 30.000 famílias em Manbij. Além disso, executaram dezenas
de militares feridos do Conselho Militar de Manbij que estavam em
tratamento no hospital militar.
Kobane enfrenta
ondas de deslocados provenientes de Afrin e também de Manbij. O comandante das
Forças de Autodefesa (FDS), Mazloum Abdi, anunciou um acordo de
cessar-fogo mediado pelos EUA em Manbij para proteger os civis. O objetivo das
FDS era suspender os combates em todos os territórios sírios, iniciar um processo
político para o futuro da Síria e retirar os rebeldes sírios apoiados pela
Turquia das áreas sob a Administração Autônoma.
No entanto, a
trégua temporária terminou sem um acordo abrangente em Manbij. As facções
armadas recusaram-se a transferir os prisioneiros para áreas seguras, bem como
os combatentes do Conselho
Militar de
Manbij e os civis da cidade. Além disso, não houve consenso sobre a devolução
dos restos mortais de Suleiman Shah ao local original. Paralelamente,
a Turquia enviou reforços militares significativos para a região, incluindo
armas pesadas e veículos blindados, em áreas próximas à cidade de Kobane.
Forças alinhadas à
Turquia impediram a entrada de comboios da Meia-Lua Vermelha Curda e
da Administração Autônoma para evacuar os que se recusaram a permanecer em
Manbij, bem como prisioneiros e corpos, contrariando o que havia sido
estipulado no acordo de cessar-fogo. O conflito se intensifica à medida que a
Turquia busca estabelecer uma base militar na barragem de Qaraqozak, localizada
entre Manbij e Kobane. Essa iniciativa é mais um esforço para fortalecer sua
presença militar no norte da Síria como parte de seu projeto de expandir o
controle sobre áreas próximas a Kobane e Tabqa.
A interrupção no
fornecimento de energia elétrica continua em Manbij e Kobane, no
norte e leste da Síria, há sete dias, após a barragem de Tishreen ser
colocada fora de operação devido aos ataques de forças armadas apoiadas pela
Turquia. No domingo, as forças dos Estados Unidos hastearam a bandeira
norte-americana na cidade de Kobane para impedir que facções pró-Turquia
lançassem qualquer operação militar contra a cidade.
Após o fracasso da
trégua entre as partes e a recusa das FDS (Forças Democráticas
Sírias) em aceitar os termos que incluíam a construção de uma base militar
turca na região, o cenário permanece incerto quanto ao futuro da segurança no
nordeste da Síria, especialmente diante da escalada de movimentações militares.
A cidade
de Kobane possui uma localização estratégica em sua fronteira com a
Turquia e já enfrentou ataques do grupo Estado Islâmico. Foi libertada em
26 de janeiro de 2017, marcando o início do fim do domínio do Estado Islâmico
na Síria. No entanto, facções
armadas apoiadas
pela Turquia continuam a cometer crimes e violações de direitos
humanos em
Manbij, o que exige um posicionamento da comunidade internacional. É
imprescindível que esses crimes sejam denunciados e que os responsáveis sejam
responsabilizados, a fim de garantir a justiça e pôr fim ao sofrimento do povo
sírio.
·
A
Administração Autônoma está participando do processo de criação de um novo
governo sírio?
A copresidente do
Departamento de Relações Exteriores da Administração Autônoma do Norte e Leste
da Síria, Ilham Ahmed, declarou que a Administração Autônoma não
reconhecerá o governo do HTS sem a participação da mesma na formação do novo
governo. Os curdos precisam ocupar um papel importante na transição
da Síria. As portas para o diálogo continuam abertas com o HTS. No
entanto, até o momento, foi formado um governo provisório sem qualquer diálogo
com outras etnias ou grupos sociais da sociedade síria, como árabes, curdos,
drusos ou cristãos.
A Administração
Autônoma enfrenta desafios existenciais que envolvem interesses
internacionais e regionais sobre seu território, ameaçando as conquistas
democráticas alcançadas. Além disso, existem ameaças militares de grupos
armados aliados à Turquia, que trabalham
diariamente para desmantelar a aliança interna no norte e leste da Síria.
·
Após
a queda do regime de Al Assad, Israel invadiu o território sírio e está a 25 km
de Damasco. Quais são os interesses de Israel na Síria?
Israel aproveitou
os contínuos confrontos na Síria após a queda do regime de Assad e começou a
ocupar a parte síria do Monte Hermon, além de controlar uma zona
desmilitarizada nas Colinas
de Golã.
A importância da região do Monte Hermon está em sua localização estratégica,
pois se estende pelas fronteiras entre Síria, Israel e Líbano, com domínio
sobre os Altos do Golã. Trata-se de uma área crucial para controlar e
conduzir operações militares, além de estabelecer bases militares.
Recentemente,
Israel acusou o Hezbollah e milícias iranianas de criarem uma
estrutura militar na região. É possível que Israel esteja trabalhando para
transformar essas medidas temporárias em permanentes, aproveitando a ausência
de um Estado forte na Síria, e para dar continuidade aos seus planos de ocupação
e expansão
territorial.
Mais de uma década
depois da Primavera
Árabe,
um dos regimes mais antigos e brutais do mundo árabe caiu esta semana, de forma
inesperada e repentina. Agora que Bashar
Al Assad é
história e estão a ser dados os primeiros passos para uma transição política
em Damasco, aqueles que
lideram o país e os próprios sírios podem aprender com os erros cometidos por
outros no passado, como os líbios, que depois da A revolta de 2011 mergulhou
num conflito armado e numa luta caótica pelo poder.
A oposição armada
que substituiu Bashar Al Assad à frente do país é a coligação de
facções armadas liderada pelo islamista Hayat
Tahrir al Sham (criada
em 2016 a partir do braço sírio da Al
Qaeda).
Agora, a coligação opera sob o nome de Operações Militares e começou a tomar
decisões relativamente aos membros do regime deposto - que chama de
"criminosos" em todas as suas comunicações -, que indicam um desejo
de reconciliação e não de vingança.
Na segunda-feira,
as novas autoridades anunciaram a abertura de centros de “regulação” da
situação dos militares do Exército oficial e de outros órgãos do regime, depois
de garantirem que todos os recrutados compulsoriamente serão amnistiados. Ao
mesmo tempo, os insurgentes colaboram com o governo de Al Assad e nomearam um
novo primeiro-ministro, Mohamad
Al Bashir,
que liderará temporariamente até 1 de março.
Uma transição
ordenada que não implique o desmantelamento de todos os órgãos e instituições
governamentais pode garantir a continuidade e uma certa normalidade na
administração da Síria, que é uma das
prioridades declaradas tanto pela oposição armada e política como pela
comunidade internacional.
“Sabemos que os
próximos desafios não serão fáceis, isto lembra-nos outras situações como a
da Líbia e de outros
países, por isso precisamos de trabalhar juntos”, declararam todos os países
árabes e outros diretamente envolvidos na Síria, numa reunião em Doha com meios de
comunicação internacionais, incluindo elDiario.es, o porta-voz do
Ministério das Relações Exteriores do Catar, Majed Al Ansari. Ele
acrescentou que o seu governo deseja que haja “estabilidade e uma transição
segura” na Síria.
“Há muito trauma
nesta região porque boas notícias se transformam em más notícias muito
rapidamente. Não queremos que o que aconteceu noutras nações depois da
Primavera Árabe aconteça na Síria”, disse Al Ansari, admitindo que “há muitos
desafios, há muitos militantes no terreno e existe a possibilidade de a Síria
se tornar num Estado falhado”.
“Agora, a
comunidade internacional deve trabalhar para garantir que nenhum grupo, nem
étnico, nem religioso, nenhuma seita, será excluído e que todos estarão
representados na nova Síria”, sublinhou. Precisamente, esta é uma das
principais preocupações expressas por governos, especialistas e observadores de
todo o mundo.
<><> Incluir
todas as comunidades
O regime
de Bashar Al Assad e, anteriormente, do seu pai, Hafez,
baseava-se em lealdades sectárias, uma vez que a família pertence à minoria
muçulmana alauita (do ramo xiita do Islã) e favorecia esta
comunidade minoritária na Síria em detrimento da maioria sunita. —que
foi quem liderou a revolta popular de 2011 e a insurgência armada nos anos
seguintes—. Existe também alguma preocupação relativamente à comunidade cristã
ancestral, da qual o regime se afirmou como defensor e protetor contra os
grupos radicais islâmicos que começaram a operar na Síria
no quadro da guerra civil.
Com o objetivo de
tornar a transição pacífica e inclusiva, o Qatar estabeleceu
comunicações com Hayat Tahrir al Sham (HTS), conforme confirmou a
este jornal uma fonte familiarizada com os contatos entre o grupo armado sírio
e diplomatas qataris. “A comunicação com o HTS e outros grupos baseia-se na
necessidade de permanecerem calmos e preservarem as instituições públicas da
Síria durante o período de transição”, explicou a fonte.
Neste momento,
parece que as instituições não estão em perigo e, desde que o antigo Presidente
Al Assad deixou o país no domingo, os serviços públicos estão a retomar
gradualmente a sua atividade. Esta terça-feira, sem ir mais longe, os
insurgentes pediram a todos os professores e funcionários da Universidade de
Damasco que regressem aos seus postos, bem como a todos os funcionários do
setor educativo da província onde se encontra a capital, para que as aulas
sejam retomadas. na quarta-feira. Pediram também a todos os trabalhadores e
técnicos do setor dos transportes públicos que regressem ao trabalho nos
próximos dois dias para que os cidadãos possam voltar a usufruir dos seus
serviços, e para preservar as instalações e infra-estruturas de transporte
terrestre, aéreo, marítimo e ferroviário.
<><> Não
desmantele o partido no poder
Uma das
instituições mais poderosas, mais antigas e também mais corruptas da Síria é o
partido Baath, que governa de forma autoritária há mais de meio século. O
regime de Al Asad foi construído sobre a ideologia e a estrutura do partido,
que chegou ao poder em 1963. Este partido socialista foi fundado
em Damasco em 1943 e Hafez
Al Asad serviu
nas suas fileiras desde 1946; Ele subiu na hierarquia política e ocupou cargos
nos governos sírios até que, em 1971, se tornou chefe de Estado – cargo que
ocuparia até passar o bastão ao seu filho, Bashar, em 2000.
Hadi Al Bahra,
presidente da Coalizão Nacional Síria (principal órgão de oposição no exílio),
garante ao elDiario.es que não quer desmantelar o partido Baath e
excluí-lo da vida política, como aconteceu no Iraque após a derrubada do
ditador Saddam Hussein em 2003, também membro do Baath.
Essa decisão criou
muitos problemas e os membros desgraçados do Baath estiveram por detrás de
muitas atividades desestabilizadoras nos anos de caos e violência que se
seguiram à invasão
do Iraque pelos EUA,
que pôs fim ao regime de Saddam.
Al Bahra explicou
numa entrevista em Doha que, nesta nova etapa, o partido tem de ser
como “qualquer outro” e participar na vida política do país, sem monopolizar o
poder. O veterano opositor, originário de Damasco, também foi a favor de que o
Exército de Al Assad fosse “reestruturado” e que os soldados “que não cometeram
crimes” permanecessem nas suas fileiras, e que este fosse integrado no Exército
Sírio Livre (ELS).
Este grupo armado
foi formado no início da revolta de 2011 por soldados que desertaram para não
reprimir as manifestações pacíficas contra o regime, que degenerariam numa
guerra civil ao fim de pouco mais de um ano. O ELS também participou
na surpreendente ofensiva que matou Al Assad juntamente com os outros
rebeldes, embora opere principalmente no norte da Síria, perto da
fronteira com a Turquia, país do qual
recebe apoio.
<><> Justiça
de transição vs. vingança
Da mesma
forma, Al Bahra observou que serão aplicados mecanismos de justiça
transicional para punir os membros do regime que cometeram crimes durante os
últimos quase 14 anos de guerra civil e antes.
Na mesma linha, o
líder do HTS, o islamista Abu Mohamad Al Jolani, anunciou esta
terça-feira que os “criminosos, assassinos e oficiais da polícia e do exército
suspeitos de terem torturado sírios” serão perseguidos e que os países para
onde vão “criminosos de guerra” fugiram para deportá-los e levá-los à justiça
na Síria, segundo o jornal local Al Watan.
No entanto, Al
Jolani esclareceu que os membros do regime que não tenham sangue nas mãos não
serão responsabilizados e que, para esse efeito, todos os militares que foram
recrutados compulsoriamente foram amnistiados.
Ainda não se sabe o
que acontecerá aos pesos pesados do regime nem onde
se encontram neste momento, após a fuga para Moscou de Al Assad e
da sua família. Em todo o mundo, diplomatas sírios já estão a virar a mesa e a
hastear a bandeira síria com três estrelas verdes, que representa a oposição,
nas embaixadas.
Pelo seu nome e
pela sua simbologia, “Síria Livre” lembra em grande parte a
“Líbia Livre” que nasceu após a revolta armada de uma parte da sociedade líbia
contra o regime de Gaddafi, derrubado pelos insurgentes com apoio militar
da NATO em 2011. A morte de Khadafi e o colapso
do seu regime não conduziram à democracia na Líbia, mas a uma luta amarga pelo
poder que continua até hoje, quando o país permanece dividido entre os leste e
oeste, com instituições rivais e uma miríade de grupos armados que defendem os
seus interesses com armas.
Os sírios já
viveram esta situação nos mais de 13 anos de guerra civil, em que as
infra-estruturas e o tecido social do país foram destruídos, bem como a sua
economia e patrimônio. Mais de meio milhão de pessoas morreram nos combates que
dividiram tanto o território da Síria como o seu povo, a maioria dos
quais vive agora na pobreza. Talvez, depois de sofrer durante tantos anos, os
cidadãos e os atores armados e políticos decidam avançar em direção a um futuro
de maior estabilidade, prosperidade e unidade.
Fonte: Entrevista
para Jose Ángel Sánchez Rocamora e Alona Malakhaeva, em El Salto/El Diário
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