sábado, 21 de dezembro de 2024

Ignorado pela mídia ocidental, conflito em Moçambique já deixa 1 milhão de deslocados

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam que uma mistura de descaso, corrupção e má gestão do governo moçambicano alimentou o sentimento de exclusão e revolta entre jovens locais, facilitando o aliciamento por grupos terroristas e permitindo a criação de bases extremistas no país.

Desde 2017, a província de Cabo Delgado, em Moçambique, é alvo de ataques terroristas que já causaram a morte de pelo menos mil civis e forçaram o deslocamento interno de cerca de 1 milhão de pessoas, sendo 80 mil em 2024.

Apesar dos altos números, o conflito passa fora do radar dos noticiários ocidentais, assim como outros conflitos que ocorrem ou ocorreram em outras regiões do continente africano.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicam as raízes do conflito e analisam por que ele não desperta comoção no Ocidente.

Igor Borges Cunha, analista internacional e pesquisador do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), explica que o conflito foi fomentado por uma combinação de fatores políticos, econômicos e sociais que afetam Moçambique, mas sobretudo o norte do país, que é a região mais empobrecida, com altos níveis de marginalização social e econômica, e onde está localizada a província de Cabo Delgado.

"Essa exclusão criou terreno fértil para esses movimentos que ocorrem em áreas onde o Estado não tem capacidade de proteger, desenvolver serviços básicos. É muito importante a gente também ter em mente que a insurgência começou conduzida por jovens locais, jovens muito descontentes, que começaram a se organizar em pequenos grupos e que evoluíram para movimentos mais organizados que acabaram se conectando a redes globais de extremismo, como o Estado Islâmico [Daesh, grupo terrorista proibido na Rússia e em vários outros países]", explica.

Cunha afirma que a situação é agravada pelo fato de a região ser rica em recursos naturais, com enormes reservas de petróleo e gás natural, o que desperta a cobiça. Ele enfatiza que quando as reservas foram descobertas, a população local criou a expectativa de que isso traria desenvolvimento econômico, o que não ocorreu.

"O que aconteceu foi a chegada de empresas multinacionais e o interesse do governo de unicamente explorar os recursos sem planos de mudança social para a região. Esses fatores alimentam muito ressentimento na população local e acabam por dar uma plataforma para a radicalização desses grupos."

Os ataques são reivindicados por um grupo chamado Al-Shabab, mas Cunha destaca que não se trata do grupo de mesmo nome que atua na Somália. Segundo ele, o Al-Shabab de Cabo Delgado é diferente e começou com um grupo de jovens descontentes com o governo moçambicano, que é acusado de corrupção, má gestão e se mantém no poder há décadas por meio de eleições que opositores acreditam ser fraudulentas.

"Então esses grupos [de jovens] começaram a ser influenciados pelas ideologias islâmicas extremistas, que aproveitam a situação de extrema marginalização para criticar as elites locais e nacionais por corrupção e exclusão e acabam alimentando esse sentimento de raiva contra o Estado moçambicano", afirma.

Franco Alencastro, mestre em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e apresentador do podcast 54 Países, explica que o grupo que atua na região se chama Ansar al-Sunna, mas foi apelidado de Al-Shabab e passou a ser conhecido dessa forma, embora tenha poucas ligações diretas com o grupo que atua na Somália.

"O Ansar al-Sunna não tem uma ligação direta com o Al-Shabaab, tem já alguns anos que eles romperam com o Al-Shabaab, mas eles vieram do Quênia para a Tanzânia e, tendo tido problemas com a lei na Tanzânia, sendo combatidos por ali, migraram para a região de Cabo Delgado."

Em 2019, o Al-Shabab moçambicano se alinhou ao Daesh, que havia reivindicado ataques naquela região pela primeira vez em junho daquele ano, explica Cunha. Ele afirma que o Daesh frequentemente busca consolidar a sua influência em regiões ricas de recursos naturais, como é o caso da província de Cabo Delgado, porque assim eles conseguem financiamento ilegal para suas operações, além de fortalecer a sua presença em diversos territórios.

"O alinhamento [com o Daesh] fez com que o Al-Shabab moçambicano ganhasse apoio logístico, propaganda global, ou seja, a insurgência em Cabo Delgado passou a ser utilizada para promover o Estado Islâmico como uma entidade que agora está na África Austral, que agora está ativa na região sul da África", afirma Cunha, acrescentando que "esse alinhamento conectou Cabo Delgado a um movimento maior do jihadismo global."

Questionado sobre se é possível classificar os insurgentes de Cabo Delgado como terroristas, Alencastro lembra que "a definição de terrorista é quase sempre uma definição política".

"Tem aquela frase que diz assim: 'Os combatentes da liberdade de uns são os terroristas de outros e vice-versa' […]. Agora, a situação de Cabo Delgado, ela é um pouco mais complexa do que isso, não […] daria para dizer que os combatentes lá de Cabo Delgado são apenas rebeldes. Isso porque, de alguma maneira, uma parte deles vem de fora. Então eles, na verdade, não estavam nem ligados ao contexto de Cabo Delgado antes de chegarem ali."

Ao longo dos sete anos de conflito, o governo de Moçambique tentou conter a insurgência, com uma estratégia que contava com a presença de tropas estrangeiras no país, provenientes principalmente de Ruanda e da Comunidade do Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês), conforme Cunha. Ele afirma que essa estratégia resultou na retomada de algumas áreas controladas pelos insurgentes, mas a resposta puramente militar tem sido muito criticada.

"Ela não aborda adequadamente as causas, a raiz do conflito, que […] é exatamente a marginalização e a exclusão socioeconômica das comunidades locais. Além disso, é importante dizer que a presença de forças estrangeiras no país levanta questões sobre a soberania nacional e a sustentabilidade também das operações de segurança", destaca.

·        Por que o conflito em Cabo Delgado não desperta comoção mundial?

Cunha afirma que vários fatores contribuem para que o conflito em Cabo Delgado permaneça invisível nos noticiários internacionais. Ele explica que "nem dentro de Moçambique mesmo se fala tanto sobre o tema".

"Se a gente considerar a África, ocorrem diversos conflitos, como no Sudão do Sul, na República Democrática do Congo, [com] números de vítimas muito expressivos, mas mesmo assim não chamam tanta atenção da mídia global. Um conflito que é apagado pelo próprio imaginário do cidadão moçambicano vai ser menos visível ainda."

Já no contexto global, ele afirma que o conflito passa fora do radar pelo fato de a região norte de Moçambique ser mais afastada do centro econômico do país, e onde não há muito dinheiro, não há tanta atenção.

"Cruelmente, é como se a vida das pessoas que moram no interior de Moçambique valesse menos no imaginário global ocidental. Porque eles não têm acesso à Internet como nós temos, disponível 24 horas, eles não estão conseguindo divulgar esse conflito como outros conflitos estão sendo divulgados, por meio de smartphones e pessoas que têm acesso à Internet o tempo todo."

Alencastro, por sua vez, afirma que a mídia tradicional raramente dá espaço a conflitos na África, por isso muitas vezes esses conflitos sequer são noticiados.

"Então eu acho que são dois problemas, na verdade. Muitas vezes as pessoas não se interessam, mas mesmo as pessoas que se interessam não necessariamente conseguem encontrar conhecimento sobre essas situações que estão acontecendo. E aí, de modo geral, não gera tanta comoção sobre isso, como seria, por exemplo, a comoção com algum ataque que aconteça na França, nos EUA, como a gente viu, por exemplo, naquela época do Charlie Hebdo", explica o especialista.

 

¨      Sudão: MSF condena ataque violento a hospital em Cartum

Médicos Sem Fronteiras (MSF) condena de forma veemente a incursão violenta das Forças de Apoio Rápido (RSF) na sala de emergência do Hospital Universitário Bashair, no sul de Cartum, no Sudão, em 18 de dezembro. Os agressores dispararam armas dentro do setor de emergência, fizeram ameaças diretas à equipe médica e interromperam gravemente um atendimento que salva vidas. MSF pede, com urgência, que a RSF respeite a neutralidade das instalações médicas e a segurança dos profissionais de saúde.

Este último ataque ocorreu depois de um ataque anterior, em 11 de novembro, quando combatentes armados invadiram o hospital, dispararam tiros e mataram um paciente que recebia tratamento. Essas repetidas violações da neutralidade das instalações de saúde e da inviolabilidade do atendimento médico são inaceitáveis.
"Vários soldados da RSF entraram nas salas de emergência, e alguns deles começaram a atirar contra a equipe médica, ameaçando pacientes e equipes de MSF e do Ministério da Saúde. Felizmente, ninguém ficou ferido, mas todos foram extremamente afetados por essa agressão traumática dentro do hospital”, explica Samuel David Theodore, coordenador de emergência de MSF no Sudão. “Ataques contra instalações médicas e contra profissionais de saúde são inaceitáveis, os hospitais devem permanecer como espaços seguros, livres de violência e intimidação. A equipe não pode ter suas vidas ameaçadas enquanto presta cuidados.”
O Hospital Universitário Bashair é uma das últimas instalações de saúde em funcionamento no sul de Cartum em meio ao conflito em andamento. A equipe de MSF tem mantido as atividades médicas de forma incansável, em condições excepcionalmente difíceis.

“O Hospital Universitário Bashair é uma tábua de salvação para milhares de pessoas no sul de Cartum”, explicou Claire San Filippo, coordenadora de emergência no Sudão. “O apoio de MSF é essencial para inúmeros homens, mulheres e crianças afetados por esse conflito devastador. No entanto, a segurança de nossos pacientes e da equipe é primordial [para seguirmos com este trabalho]. Ataques como esses comprometem gravemente nossa capacidade de continuar operando”.
Desde o início de junho de 2024, MSF realizou 12.396 consultas de emergência, 2.510 pacientes foram internados na maternidade e 4.490 crianças foram examinadas para diagnóstico de desnutrição.

 

¨      Malásia anuncia retomada da busca pelo voo MH370

O governo da Malásia anunciou nesta sexta-feira (20/12) ter dado sinal verde para a retomada de operações de busca do voo MH370 da Malaysia Airlines, que desapareceu com 239 pessoas  em março de 2014.

Em uma coletiva de imprensa, o ministro dos Transportes da Malásia, Anthony Loke, disse que está negociando um acordo para que a empresa de exploração britânica Ocean Infinity assuma a busca pelo avião em uma área de 15 mil quilômetros a oeste da Austrália.

Loke chamou as informações da Ocean Infinity sobre a possível localização do avião de "confiáveis" e acrescentou que espera assinar um acordo no início de 2025, assim que os termos forem definidos.

"Sem localização, sem pagamento"

"Essa nova busca será conduzida sob o princípio de 'sem localização, sem pagamento'. De acordo com esse princípio, o governo da Malásia não terá que pagar nenhuma taxa à Ocean Intinity se os destroços não forem encontrados", disse o ministro em um comunicado transmitido pela televisão malaia.

Loke disse que os esforços das autoridades malaias para encontrar o avião têm como objetivo permitir que as famílias possam colocar um ponto final à tragédia.

Ainda segundo o ministro, a Ocean Infinity receberá 70 milhões de dólares (R$ 425 milhões) "se os destroços encontrados forem substanciais".

Dez anos de mistério

O voo MH370 desapareceu em 8 de março de 2014, cerca de 40 minutos após decolar de Kuala Lumpur com destino a Pequim, quando, ao deixar o espaço aéreo da Malásia e entrar no espaço aéreo do Vietnã, desviou-se da rota para o sul do Oceano Índico, sem causa conhecida até o momento.

A última transmissão do avião foi cerca de 40 minutos após a decolagem de Kuala Lumpur para Pequim. Pouco depois, seu transponder foi desligado, dificultando o rastreamento.

A análise dos dados de satélite indicou que o avião provavelmente caiu em algum lugar no sul do Oceano Índico, na costa da Austrália Ocidental.

Destroços, alguns confirmados e outros que se acredita serem do avião, apareceram ao longo da costa da África e em ilhas do Oceano Índico.

A bordo do Boeing 777 estavam 153 chineses, 50 malaios (12 dos quais eram tripulantes), sete indonésios, seis australianos, cinco indianos, quatro franceses, três americanos, dois neozelandeses, dois ucranianos, dois canadenses, um russo, um holandês, um taiwanês e dois iranianos.

Inicialmente, a Malásia, a China e a Austrália realizaram uma busca conjunta de cerca de 120 mil quilômetros quadrados no Oceano Índico, mas encerraram as operações em janeiro de 2017, sem conseguirem encontrar os destroços.

A Ocean Infinity também tentou localizar o avião em uma área de 25 mil quilômetros quadrados entre janeiro e junho de 2018, também sem sucesso.

 

 

Fonte: Sputnik Brasil/MSF/EFE

 

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