Heitor Scalambrini Costa: Deus e as usinas nucleares
O título pode até parecer
bizarro, todavia súplicas religiosas, pedidos às divindades, entraram na
discussão sobre o programa nuclear brasileiro, mais precisamente sobre a usina
Angra 3.
Em recente pronunciamento,
na véspera da reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em
10/12/2024, onde se decidiria pela conclusão, ou não, de Angra 3, o
deputado federal Júlio Lopes (RJ) evocou a população a rezar para que
fosse aprovada a retomada da usina. O deputado é o mesmo que sofre uma
ação que está em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
envolvendo a apuração de crimes comuns de corrupção ativa e passiva, lavagem de
ativos e falsificação, ou alteração de documentos públicos para fins
eleitorais.
Nada mais nos surpreende
quanto aos argumentos usados pelos nucleopatas, cuja intenção
é a nuclearização do país. Mas apelar à religiosidade do povo
brasileiro, através de rezas, para intervir nas decisões dos membros do CNPE
sobre o uso de uma tecnologia mais conhecida pela destruição, morte e desastres
causados pela radiação, é, no mínimo, estapafúrdio. Está fora do
contexto econômico, científico, ambiental, ético e social, que a discussão
exige.
Filiado ao Partido
Progressista (PP) e atual presidente da Frente Parlamentar Mista da Tecnologia
e Atividades Nucleares, o nobre deputado não parou por aí. Chegou a
audácia de afirmar que “o país perderia bilhões e um conhecimento estratégico,
caso não fosse aprovada a continuidade do empreendimento”. Frases ao léu, sem
bases comprobatórias. O que o país perderia, conforme o deputado, seria um
ganho para o país que ficaria livre do perigo iminente que representa tal
tecnologia. O conhecimento é conquistado em estudos científicos, pesquisas nas
universidades, em reatores de pesquisa, e não em uma usina industrial.
O tom alarmista que os
defensores da tecnologia nuclear utilizam não condiz com a verdade dos
fatos. Declaram que a falta de novas usinas nucleoelétricas
coloca em risco a segurança energética do país, gerando instabilidade no
sistema elétrico, além da descabida afirmação que a nuclear é uma fonte limpa, que contribui para enfrentar
o aquecimento global.
É bom lembrar que esta
usina nuclear foi iniciada na década de 80 do século passado, resultado do
acordo nuclear promovido pela ditadura militar com a Alemanha, que previa a
construção de 8 usinas no país. Felizmente para o povo brasileiro somente uma
foi concluída, Angra 2. A própria Alemanha recentemente abandonou a construção
de novas usinas, fechando as já existentes em seu território.
O que não é dito é que a
maior parte dos componentes eletromecânicos desta usina foram adquiridos no século passado, e pelo tempo que estão armazenados
são antigos e obsoletos em relação à evolução tecnológica ocorrida após os
desastres catastróficos em Chernobyl (1986) e Fukushima (2011). Angra 3 é
um projeto ultrapassado, que não cumpre vários requisitos atuais de
segurança. Seus equipamentos estão passando por um polêmico, nada
confiável, “upgrade”. A continuidade da obra é uma verdadeira
irresponsabilidade, aumentando muito a probabilidade de desastres acontecerem,
caso esses equipamentos venham a ser utilizados.
Outro aspecto é o uso e
abuso de uma terminologia equivocada, e sem respaldo na ciência. A
mentira que a eletricidade nuclear é uma fonte limpa, salta aos olhos,
mesmo dos mais desavisados. Como limpa? Qualquer fonte de energia quando
transformada produz algum tipo de impacto ao ser humano e à natureza. A
obtenção da eletricidade nuclear consiste de vários processos industriais,
desde a mineração do urânio até seu uso final nos reatores, como combustível.
Em todas estas atividades a produção de emissões de gases de efeito estufa
ocorre. Outra questão a ser considerada é a produção de resíduos, conhecidos
como “lixo atômico”. Sem dúvida, um dos maiores problemas, pois deixa para as
gerações futuras rejeitos com alta radioatividade,
cujos elementos químicos emitirá radiação nos próximos milhares de anos, para
os quais a ciência ainda não sabe como armazenar com segurança.
No afã de defender uma
fonte de energia cujo interesse é somente “fazer negócios”, o interesse público
é deixado de lado, pois a eletricidade nuclear é cara, bem mais cara que as
fontes renováveis de energia, como a solar, eólica e hidráulica, que hoje
contribuem com mais de 85% na matriz elétrica
brasileira. Segundo estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), ainda serão necessários mais 23 bilhões de reais
para finalizar a construção de Angra 3. Caso isto aconteça, haverá aumento nas contas de luz para todos os consumidores.
Apesar do deputado ser um
dos coassinantes de uma PEC, intitulada “Soberania e do Equilíbrio Fiscal”,
propondo cortes de gastos severos nos benefícios sociais, é um defensor de
primeira linha dos supersalários dos gestores do setor nuclear. Uma
contradição, que deixa claro que defende interesses privados em detrimento dos
interesses públicos.
Sugiro que as rezas sejam
dirigidas para que os espíritos malignos, concentrados no Congresso Nacional,
não sejam mais eleitos, pois não agem a serviço da imensa população que convive
com tarifas de energia elétrica exorbitantes e com o serviço de má qualidade
das distribuidoras. Assim, o interesse público é deixado de lado. O que importa
para as almas sebosas existentes nos poderes da República, são apenas meros
interesses econômicos e de poder. O que também deixa claro que nunca, na
história deste país, tivemos um Congresso tão ruim para o povo brasileiro como
este que aí está.
¨ O ser
humano, a religião, Deus e a figura de Jesus. Por Jair de Souza
Desde que se estuda a
evolução histórica da humanidade, o sentimento religioso esteve constantemente
presente em boa parte de nossa espécie. O certo é que os que, como eu, não
concebem o mundo e a vida como criações de uma divindade suprema, a quem denominaríamos
Deus, sempre representamos uma minoria.
Agora, com a aproximação do
período natalino, queria aproveitar a oportunidade para fazer uma reflexão
sobre o significado da religiosidade entre nós e a maneira como deveriam
encará-la tanto os religiosos como aqueles que não são.
Tendo a crer que,
independentemente de acreditar ou não na existência de um criador e regente da
nossa existência, o comportamento e a maneira de levar a vida não deveria
sofrer grandes variações em função dessa crença, ou não-crença. Na verdade, o
que me parece de muito maior relevância é ter clareza de quais são os objetivos
almejados tanto por uns como pelos outros.
Aceitando a priori a
hipótese de que Deus de fato existe e é o criador de tudo e de todos,
deveríamos, então, concluir que deve haver razões muito fortes para que ele
dotasse os seres humanos com a capacidade de raciocinar e refletir sobre a
realidade que nos circunda. Portanto, diferentemente do que ocorre com o
restante dos animais, nós podemos analisar as coisas de modo crítico, avaliar,
moral e eticamente, nosso comportamento para determinar se estamos ou não
agindo de acordo com os preceitos com que Deus desejaria que atuássemos.
Logicamente, não haveria nenhuma justificativa aceitável para que este
raciocínio crítico não fosse aplicado mesmo com relação ao próprio Deus. Por
que o ser supremo deveria temer a capacidade de reflexão com a qual ele teria
dotado os seres humanos?
Por isso, a primeira e mais
importante questão a considerar tem a ver com o que entendemos que sejam os
desígnios de Deus, para que, em vista disto, sejamos convencidos a aceitá-los,
praticá-los e defendê-los em seu nome. Dito isto, não tenho nenhum receio em
afirmar que Deus precisa, obrigatoriamente, estar associado ao bem e à bondade,
nunca à maldade. Pois, nenhum ser, por mais criador e poderoso que fosse,
mereceria ser seguido e obedecido sem contestação se estivesse operando em
função da maldade. Eu não quero, e ninguém deveria querer, adorar, respeitar e
obedecer a um ser que nos orientasse para a prática de atos que entendemos como
malignos. Deus deveria sempre ser aceito pela justeza de suas orientações,
nunca por serem elas rotuladas com seu nome. Estar disposto a seguir a um ser
supremo em tais condições equivaleria a estar disposto a servir ao próprio
diabo.
Porém, como nós fomos
criados com a capacidade de raciocinar e, a partir de nosso raciocínio,
concluir se estamos sendo dirigidos por um caminho que nos conduz ao bem ou ao
mal, todos estamos plenamente capacitados para avaliar se nos corresponde
aceitar ou rejeitar alguma determinação que nos seja dada em nome de Deus.
Suponhamos que nos seja dito
que o ser supremo tem um povo escolhido, um povo ao qual ele dá preferência e
prioridade. Em tal caso, bastaria pôr a funcionar nossa capacidade de refletir
para rejeitarmos de imediato essa proposição. Admitamos, por hipótese, que o
tal povo escolhido seja algum que habitasse uma região do Oriente Médio, ali
pelas redondezas onde hoje temos a Palestina, Israel, etc.
Assim, podemos nos perguntar:
Isto implicaria que uma criança nascida em, por exemplo, algum ponto da China
já chegaria ao mundo excluída da legião dos privilegiados? E, por outro lado,
outra cujos pais são integrantes daquela comunidade viria naturalmente inserida
no grupo seleto? É possível aceitar tamanha aberração em que a mera casualidade
do nascimento atribua um privilégio a uma criança e não a outra? Alguém é capaz
de meditar sobre isto e aceitar que se trata realmente de uma disposição
proveniente de Deus? Concordar com isso equivaleria a admitir que Deus pode ser
um racista, um discriminador, em outras palavras, um ser imensamente injusto,
imoral e até mesmo indecente. Se Deus fosse mesmo assim, eu desejaria estar bem
distante dele.
Imaginemos também que aquele
a quem veneramos como nosso Criador venha a nós e nos exija uma prova cabal de
lealdade por meio de nossa concordância em sacrificar nosso próprio filho para
dar esta demonstração. Seria admissível que, a despeito de nossa capacidade de
raciocinar, aceitemos que uma exigência tão egoísta e criminosa possa de fato
ter vindo de um Deus digno de assim ser considerado? Em realidade, no caso de
que se tratasse tão somente de teste para aferir nossa verdadeira fidelidade a
seus princípios, a única reação que Deus esperaria receber nesta situação seria
uma rotunda e categórica recusa a acatar a monstruosa solicitação. Esta, sim,
seria uma demonstração inequívoca de haver assimilado a essência do espírito de
bondade característico de um Deus digno de consideração.
Mas, avançando em nossas
conjecturas, vamos supor que recebemos uma ordem em nome do Criador para
invadir uma certa localidade e exterminar da mesma a todos os seus habitantes,
sem poupar nem mesmo as crianças, pois ninguém ali teria o direito de continuar
vivendo. Diante de tal situação, como deveríamos reagir? Convenhamos, acatar
uma diretiva monstruosa e ignominiosa de tal magnitude seria inadmissível para
qualquer pessoa dotada de um mínimo de coerência e capacidade de raciocinar
dentro de parâmetros de justiça e bondade. Caso a divindade maior fosse assim
tão diabólica, ela jamais seria merecedora de obediência e nem de respeito de
parte de ninguém que tivesse algum sentimento de ética e justiça. O justo é que
fosse combatida e repelida com todo nosso vigor, pois um ser com tais
características não passaria de um vil expoente do mal e da perversidade, por
mais que se apresentasse como nosso grandioso Senhor.
Assim, não há sérias
incompatibilidades entre os que creem na existência de Deus e desejam seguir
suas diretrizes e aqueles que, embora não compartilhem dessa crença, também
aspiram a tornar o mundo mais justo e solidário. É que a única ideia admissível
de Deus é a de um ser inteiramente voltado para a bondade, para a prática do
bem e da solidariedade. Portanto, qualquer pessoa que se empenhasse em alcançar
uma meta compatível com esses desígnios estaria agindo em conformidade com as
aspirações que seriam provenientes de um Deus verdadeiro, ou seja, um ser bom e
justo. É que o que de fato importa é o propósito que temos na vida. Se para
alcançá-lo recorremos ou não a alguma crença religiosa é de muito pouca, ou
nula, relevância.
É neste ponto que entra a
figura de Jesus, pois, para ele, buscar a graça de Deus nunca significou uma
disposição cega de acatar sem questionamento toda e qualquer medida, por mais
cruel e injusta que fosse, tão somente por estar a mesma escrita em algum dos
ditos livros sagrados. Sabendo como sabia que os termos constantes dos livros
foram ali inseridos por seres humanos, os mesmos poderiam estar sujeitos às
mesmas vicissitudes e interesses que caracterizam e influem em suas vidas. Por
isso, Jesus representou e representa o mais elucidativo exemplo de que, para
ser verdadeiramente fiel a Deus, não podemos abdicar de recorrer à razão. De
acordo com a compreensão emanada de Jesus, religiosos e não religiosos podem
coexistir sem nenhum atrito entre si, desde que os objetivos de ambos grupos
estejam nitidamente delineados em função da construção de um mundo onde impere
a justiça, a bondade e a solidariedade entre todos.
Então, como Jesus procurou
deixar evidente, a fé e a razão podem andar juntas, pois é pelo uso da razão
que o ser humano consegue reforçar sua convicção de que sua crença está
devotada a uma causa conscientemente digna de sua fé. Por sua vez, com base
neste princípio, Deus deve estar muito mais preocupado com os objetivos e as
consequências das ações de suas criaturas do que em garantir que tudo seja
sempre feito em seu nome.
Nossa intenção ao escrever
este texto não era o de motivar aos religiosos a deixarem de sê-lo, nem,
tampouco, induzir aos não-crentes a aderirem a alguma religião. A conclusão
sintetizada que gostaríamos que fosse extraída após a leitura é a de que, para
efeitos práticos de vida, não há nenhuma diferença substancial entre ter ou não
ter uma crença religiosa. O que de fato é determinante são os propósitos que
norteiam as condutas tanto dos que acreditam na existência e no poder de Deus,
quanto dos que não compartilham destes supostos.
É que, para qualquer ser
humano imbuído de sinceros desejos de que venham a prevalecer entre nós os
valores da justiça, da fraternidade e da solidariedade, o que menos importará
será a motivação da qual tais sentimentos provêm. Em outras palavras, Deus
jamais rechaçaria ninguém que busca fazer o bem pelo mero fato de não fazê-lo
em seu nome, assim como nenhum materialista que almeja a construção de um mundo
igualmente justo se recusaria a aceitar a contribuição neste sentido daqueles
que agem com base na crença de estarem servindo a Deus.
¨ Natal em
Tempos de Guerra. Por Josué de Souza
Este ano, a cena do Natal
parece despida da esperança que deveria ser seu símbolo. Mais de dois mil anos
após o nascimento que deu origem a essa celebração, a região onde tudo
aconteceu revive um drama que nunca cessou. Invadida pelo Estado de Israel,
hoje liderado por um governo de extrema direita, a Palestina foi devastada por
uma guerra sem trégua. Só em 2024, estima-se que 19 mil crianças palestinas
morreram em Gaza, vítimas desse conflito brutal, 44% do total de vidas
perdidas. Como lembra Eduardo Galeano: “Nenhuma tem a honestidade de confessar
que eu mato para roubar.”
E, ainda assim, aqui
estamos, prestes a comemorar o Natal. Há algo que me comove nessa data,
especialmente a ideia de um Natal simples. O Jesus dos Evangelhos nasceu em uma
Palestina do primeiro século, uma terra que já sofria sob o peso da ocupação
militar romana. O poder político da época era legitimado por uma aliança
inescrupulosa entre líderes religiosos e o império. E, em meio a esse cenário
de opressão, o Deus todo-poderoso escolheu um estábulo como palco para o
nascimento de seu filho.
A cena do primeiro Natal é
carregada de simbolismo. Para os cristãos, ela aponta que o coração da mensagem
cristã deve pulsar junto aos pobres, aos marginalizados, aos fracos e aos
doentes. A história do menino que nasceu sem um lugar adequado para vir ao
mundo lançou as bases do princípio da fraternidade universal, um ideal que,
séculos depois, influenciaria a doutrina dos direitos humanos, ao lado do
liberalismo e do socialismo.
Aliás, os direitos humanos
modernos são, de certa forma, uma tradução secular dessa ideia: todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos porque foram criados à
imagem e semelhança de Deus. Não importa a cor, a religião, o idioma ou o
gênero.
Em meio ao luto e à
destruição, ecoa na minha memória a frase de um engenheiro agrônomo palestino
que, junto com estudantes da universidade, entrevistei este ano. Ele nos
explicava os horrores da guerra: “Nós sobreviveremos, assim como resistimos aos
romanos, aos britânicos. Resistiremos a esses também.” Que a força e a
resiliência do povo palestino possam nos inspirar neste Natal. Mas, acima de
tudo, que não percamos a capacidade de nos indignar e resistir.
Fonte: Combate
Racismo Ambiental/Brasil 247
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