sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Vinicius de Andrade: ‘Como o Enem revolucionou o ensino superior no Brasil’

Estamos no período do Enem, o maior vestibular do Brasil, e isso me fez pensar um pouco sobre todos os aspectos envolvendo o exame.

Já havia escrito uma coluna, há alguns meses, sobre ele e sinalizei que via com ressalvas seu processo de expansão alinhado a um contexto em que todos os outros vestibulares deixassem de existir. Isso já aconteceu em algumas instituições e sigo não vendo com bons olhos. Afinal, não acho que o processo de ingresso no ensino público brasileiro deva ser um monopólio de um só exame.

No entanto, para além dessa ressalva, sou um grande admirador do Enem e acredito, humildemente, que a prova, enquanto instrumento de democratização do acesso ao ensino superior, deve ser um motivo de orgulho de todos nós. Seus impactos são notáveis e seus resultados falam por si.

•        A maior mobilidade já vista

Antes do Enem, se eu, paulista, quisesse ingressar em uma universidade do Rio de Janeiro, do Norte ou de qualquer outra região, teria que me submeter a uma relativa complexidade de logística e também arcar com um custo que eu simplesmente não teria como assumir.

É fato que há universidades públicas em todos os estados e isso pode ser um ponto de partida para alguém defender a tese de que não há razão para incentivar a mobilidade, ou seja, não tem por que um paulista cursar uma universidade na Bahia.

No entanto, não há os exatos mesmos cursos em todas, e cada uma delas tem suas particularidades que podem ser muito relevantes no processo de escolha. Aqui, de modo simplista, podemos citar as diferenças nos enfoques do mesmo curso em diferentes instituições, diferenças de bolsas e oportunidades entre as instituições, questões geográficas, etc.

O melhor cenário é aquele em que o agente tem acesso a todas as informações antes de tomar uma decisão, mas também, sobretudo, a oportunidade de escolher e concretizar. Isso foi proporcionado pelo Enem.

Ele revolucionou o sistema de ingresso e temos na palma de nossas mãos o Brasil todo de opção. Isso tudo da nossa própria casa e cidade. Foi estudante paulista cursando na UFBA, aluno baiano cursando na UFRJ, gaúcho estudando na UFPA e amazonense cursando na UFG.

•        Diminui o elitismo nas universidades públicas

Sou da época que para ingressar na USP o único método era a Fuvest, um vestibular sabidamente elitista. Não só na USP, e não fui o único a passar por isso. Praticamente todos os vestibulares próprios das instituições assumiam uma personalidade mais elitista e havia, em cada cidade, uma verdadeira indústria privada de cursinhos que, basicamente, vendiam aprovações.

Na época, cursinhos populares e sociais ainda não eram comuns. Claro que havia um ou outro, mas nem perto da quantidade que existe hoje. Nesse contexto, para um jovem da rede pública ser aprovado em uma grande universidade pública era praticamente obrigatório investir em um cursinho privado. Mas nem todos tinham essa condição. Não coincidentemente, dava para contar no dedo, em salas de aula de universidades públicas de todo o país, quem era oriundo da rede básica pública de ensino. Em cursos mais concorridos então, como Direito ou Medicina, chegava a ter apenas um ou dois por turma.

Com o Enem, surgiu não apenas mais uma opção de ingresso, o que já é bom o bastante, como também um exame mais democrático e coeso com o que jovens da rede pública aprendiam em suas escolas.

Com ele, pouco a pouco, universidades públicas de todo o país tiveram suas composições de discentes mudando bastante. Foi quase que uma ruptura de conjuntura. Assim, pela primeira vez, os jovens da rede pública já não eram grandes exceções e conseguiam olhar para o lado de ver seus semelhantes. Isso não é trivial.

•        Exame democratizou o acesso ao ensino superior brasileiro

O Brasil está longe de ser o país que, verdadeiramente, mais se preocupa com a educação. Ainda temos muito a caminhar e a pauta segue, mais vezes do que eu gostaria, sendo instrumento de agenda nas mãos de políticas, de esquerda ou de direita.

Quem lê minhas colunas sabe que, quase sempre, costumo focar em problemas e abordar o que está dando errado, ou, por outro lado, o que precisa de atenção. Mas aqui é diferente. Não que o Enem seja perfeito, mas ele precisa ser valorizado e reconhecido. É inovador. É democrático e acessível.

Sou do time que quer mudanças no Brasil e que sonha com uma nação menos desigual. Sei que há um limite do quanto isso pode ocorrer sem haver representatividade nas instituições, empresas e organizações.

Essa representatividade não é possível sem que haja uma pluralidade no ensino superior e o Enem proporcionou isso.

Com ele, um futuro jornalista do Fantástico terá um olhar mais sensível para pautas que possam ajudar pessoas de comunidades, porque esse jornalista foi de uma comunidade. Com ele, um futuro médico do SUS saberá como atender alguém de uma periferia que nem sabe se expressar, porque ele pode ter tido um tio, familiar ou amigo que também não sabia se expressar. Com ele, um juiz terá um olhar mais sensível e humano ao julgar um caso, pois sabe exatamente o quanto o contexto influencia as ações de um indivíduo. Com ele, um governante irá propor políticas públicas coesas com demandas reais, pois sabe o que é, por exemplo, ter a conta de água ou a de luz cortadas.

 

•        "O Enem pode destruir o psicológico do aluno", diz professora de psicologia da UERJ

Crise de ansiedade, burnout e insegurança. Esses são alguns dos sintomas que podem afetar a vida de um estudante durante a preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Um período dedicado a longas horas de leitura, centenas de simulados e uma planificação milimétrica das horas. E o tempo dedicado à saúde emocional? 

Um levantamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), do SUS, apontou em 2024, pela primeira vez na história, que a população jovem apresentou um índice superior de problemas psíquicos em comparação à faixa adulta.  

O relatório aponta que a taxa de ansiedade entre adolescentes de 15 a 19 anos, principal faixa etária dos candidatos ao Enem, é de aproximadamente 157 casos a cada 100 mil jovens. Entre os adultos com mais de 20 anos, a taxa é de 112,5 por 100 mil.

O Exame Nacional do Ensino Médio em 2024 acontece nos próximos dois fins de semana, no dia 3 e 10 de novembro, respectivamente. Neste ano, 4,3 milhões de pessoas estão inscritas para aprova, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep).

"É minha segunda vez que estou prestando o Enem. Na primeira, eu já sabia todo conteúdo que ia cair, mas na hora de fazer a prova me deu ‘branco' total e eu fiquei muito nervosa. Hoje em dia, eu consigo perceber que tive uma crise de ansiedade e não soube lidar”, disse à DW Júlia de Souza Guimaraes, vestibulanda moradora do Rio de Janeiro.

Para entender melhor sobre o tema, conversamos com Edna Lúcia Tinoco Ponciano, professora associada do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista em desafios emocionais na adolescência.

LEIA A ENTREVISTA:

•        Qual relação entre o Enem e a saúde mental?

Edna Lúcia Tinoco Ponciano: O período do Enem é um momento de estresse para o jovem, independente do curso que a pessoa quer fazer, a pressão é gigante por um resultado satisfatório. Foram anos da sua vida te levando para esse caminho, para aqueles dias de prova. É nessa faixa etária que você precisa tomar decisões importantes, como qual será sua profissão e como você vai se sustentar para o resto da vida.

Concentrar tudo isso em apenas um momento decisório só traz um tumulto emocional que a maior parte dessa garotada ainda não está preparada para receber. Eu entendo o estresse e por isso tento ajudar da melhor forma. O Enem pode destruir o psicológico do aluno.

•        Como dar visibilidade aos problemas mentais?

A palavra-chave é conscientização. Precisamos divulgar os conhecimentos e mostrar que a saúde mental é tão importante quanto a saúde física. E para isso, a gente precisa implementar projetos tanto em espaços públicos como privados, nas escolas e entre as famílias também. Já passou da hora de termos um acompanhamento psicológico mais efetivo, principalmente para os jovens. Eles precisar entender que cada um tem seu tempo de desenvolvimento, e que com calma tudo se acerta.

•        Qual o primeiro passo para ter a saúde mental em dia?

Aceitar a emoção é o primeiro passo para controlar sua saúde mental. Eu não queria estar sentindo isso, mas estou sentido. Bom, a partir da aceitação, o que podemos fazer para solucionar esse problema? As pessoas, com o passar dos anos e a chegada do mundo contemporâneo, estão com dificuldades em entender e administrar a suas experiências emocionais. E isso te faz vítima daquele sentimento. Se você não aceita, você não consegue tratar.

•        Como tratar os problemas mentais?

Primeiro, você precisa buscar um profissional experiente nesta área. Ele vai te ajudar a lidar com suas frustações, ansiedades e outros problemas do cotidiano, para além do Enem. Sobre os tratamentos, utilizamos muito a respiração como forma de trazer consciência emocional para o paciente. Para enfrentar momentos de estresse, precisamos aprender a respirar, meditar e ter pensamento positivo. Esse controle emocional pode ser treinado.

•        O que mudou depois da pandemia de Covid-19?

Durante muitos anos, o nosso lado mental ficou totalmente escanteado. Todo mundo só pensava na produtividade e em como poderia mostrar seu valor. A eficiência era colocada no pedestal e todas as outras qualidades ficavam em segundo plano.

Claro que é importante ser eficiente em âmbito profissional, desde que esteja alinhado com uma vida saudável e equilibrada. E foi despois da pandemia, com o isolamento social, que voltamos a discutir muito a saúde mental. Foi nesse momento que as pessoas perceberam que estavam sobrecarregadas, doentes e que precisavam de tratamento.

•        Como lidar com futuras pressões?

O grande segredo da vida é aprender a lidar com as situações intensas e estressantes que estão fora do seu controle. Todo mundo passar por momentos desconfortáveis durante a existência. Achar tranquilidade em meio aos problemas é um processo para a vida toda. Nessa área, trabalhamos muito com a ideia de regulamentação emocional, fundamental para ajudar nas tomadas de decisão. Para isso, você tem que se conhecer por dentro e trabalhar o autocontrole diariamente.

 

Fonte: DW Brasil

 

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