terça-feira, 5 de novembro de 2024

Tarcísio emerge como “vencedor” das eleições e buscará construir frente contra Lula, diz Singer

Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, o cientista político André Singer, professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) compartilhou suas impressões sobre o cenário político desenhado pelas eleições municipais de 2024. Singer destaca que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), emerge como o grande vencedor no campo bolsonarista, mas com uma compreensão diferente da tradicional abordagem ideológica. “Tarcísio se apresenta como um líder bolsonarista, mas enfatiza que sem unidade não é possível vencer”, afirmou o professor. No entanto, Singer pondera: “Agora, se ele conseguirá alcançar essa unidade, não sei”.

Em vez de se ater estritamente ao bolsonarismo clássico, Tarcísio demonstra, segundo Singer, uma inclinação para unir diversas vertentes da direita. Essa postura se manifestou no apoio ao prefeito reeleito Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo, que contou com uma ampla coligação do centro à direita. “Ele se projeta como um líder bolsonarista para a corrida ao Planalto, mas, ao contrário do bolsonarismo tradicional, Tarcísio entende que precisará criar uma unidade em torno de seu nome para enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026”, avalia o cientista político.

<><> Desempenho da esquerda e os desafios de Lula

A análise de Singer também incluiu o desempenho do campo da esquerda, que, segundo ele, não teve bons resultados nas principais capitais do país, como Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo. Para o professor, a avaliação apenas regular do governo federal até o momento reflete uma aceitação moderada entre os eleitores e levanta a necessidade de uma estratégia mais sólida para a esquerda. “Para Lula, a eleição de 2026 exigirá uma melhora na avaliação do governo para garantir a reeleição. O desempenho de agora não foi suficiente para gerar uma onda positiva como em 2012”, explica Singer, lembrando que o cenário político e econômico atual impõe desafios diferentes dos enfrentados anteriormente.

<><> Mudanças na base popular e os desafios do discurso da esquerda

Singer sugere que pode estar em curso uma transformação entre setores populares, que, embora ainda sejam base de apoio do lulismo, apresentam novas demandas que vão além da tradicional política de assistência social. Segundo ele, o fenômeno observado tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos aponta que, apesar de bons indicadores econômicos, há um distanciamento entre governo e eleitores, especialmente entre as camadas de renda intermediária. “Esse fenômeno estranho, em que emprego e bons índices econômicos não se traduzem em apoio eleitoral, aponta para uma possível mudança estrutural”, diz Singer.

Quando questionado sobre a adaptação do discurso da esquerda a esse novo contexto, Singer adverte que adotar a “ideologia do empreendedorismo”, que ele considera fundamentalmente anti-esquerda, seria um erro. No entanto, ele propõe que a esquerda explore maneiras de adaptar suas políticas para incluir trabalhadores informais e de plataformas digitais, por exemplo, criando centros de apoio voltados a esses setores. “A esquerda não deve abandonar o Estado como um agente de apoio, mas pode pensar em novas formas de atender as demandas de uma classe trabalhadora que está em uma nova condição”, sugere.

<><> A divisão da direita e a ascensão de novas lideranças

Outro ponto relevante observado por Singer é a divisão do campo da direita, especialmente com o surgimento de lideranças da extrema direita que questionam a figura de Jair Bolsonaro. A candidatura de Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo foi um exemplo dessa fragmentação. Segundo Singer, esse cenário indica o fortalecimento de uma nova geração de lideranças de extrema direita, que pode representar um desafio tanto para a esquerda quanto para a direita moderada. “O bolsonarismo, que parecia ser um fenômeno limitado à figura de Bolsonaro, agora se estende a novas lideranças que defendem o que eu chamaria de ‘bolsonarismo sem Bolsonaro’”, afirma Singer.

Para o cientista político, essa renovação da direita representa um fenômeno geracional que se manifesta como uma reação ao longo ciclo de governos de centro e de esquerda no Brasil desde a redemocratização. A extrema direita emergente, segundo ele, encontra ressonância nas camadas mais jovens, o que pode ter reflexos duradouros no cenário político.

<><> Perspectivas para 2026

Singer conclui que, para o presidente Lula, a estratégia de coalizão ampla, mantida desde 2022, é fundamental para enfrentar a nova realidade política, mas não garante um cenário confortável para 2026. “A escolha de Lula de apoiar alianças amplas é coerente com sua visão de 2026, mas ele precisará trabalhar para melhorar a avaliação de seu governo nos próximos dois anos se quiser garantir a reeleição”, pondera. Enquanto isso, Tarcísio de Freitas se destaca como uma figura de unidade no campo da direita, embora enfrente o desafio de consolidar uma aliança coesa que vá além do bolsonarismo tradicional.

 

•        “O governador Tarcísio sabia do alcance de suas palavras. Foi uma manobra calculada”, diz Walber Agra

Durante as eleições municipais de 2024 em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) fez uma declaração polêmica, associando o Primeiro Comando da Capital (PCC) ao candidato à Prefeitura, Guilherme Boulos (PSOL). A fala de Tarcísio, realizada durante uma coletiva de imprensa no dia da eleição, lançou dúvidas sobre a imparcialidade do processo eleitoral e gerou uma reação imediata tanto no meio jurídico quanto no campo político. Segundo as informações do Brasil 247, essa acusação rapidamente se espalhou pelas redes sociais, intensificando o impacto sobre os eleitores indecisos.

O governador afirmou ter "informações" de que o PCC estaria incentivando seus membros a votarem em Boulos, sem apresentar provas. A viralização das declarações aconteceu antes que muitos eleitores fossem às urnas, levantando a suspeita de que essa manobra possa ter influenciado os resultados. A equipe de Boulos entrou com uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acusando Tarcísio de abuso de poder político e desinformação.

<><> O papel de Marçal e a legitimidade conferida por Boulos

Esse episódio não é o único que envolveu ataques a Boulos ao longo da campanha. Marçal, um candidato alinhado à extrema direita, fez vários ataques difamatórios contra o político do PSOL durante o período eleitoral. Marçal chegou a espalhar informações falsas, afirmando que Boulos era dependente químico e apresentando um atestado médico falsificado, visando desestabilizar a imagem do candidato.

O episódio se agravou quando Guilherme Boulos participou de uma live ao lado de Marçal, legitimando indiretamente sua presença na corrida eleitoral. Apesar da tentativa de dialogar e se contrapor às ideias de Marçal, a decisão de Boulos foi vista por muitos como um erro estratégico, pois acabou dando visibilidade a um personagem que espalhava fake news. Walber Agra, advogado e especialista em direito eleitoral, comentou o caso em entrevista na TV 247: "Foi um momento crucial que fragilizou a campanha de Boulos. Ao legitimar a presença de Marçal, ele abriu espaço para que mais ataques e desinformação ganhassem força, mesmo que a intenção fosse se defender".

A legitimidade conferida a Marçal, tanto pelo debate público quanto pela presença nas redes sociais, criou um cenário fértil para que informações falsas circulassem. Nesse contexto, a fala de Tarcísio sobre a suposta conexão entre o PCC e Boulos foi um golpe ainda mais forte. A velocidade com que essas declarações se espalharam e o envolvimento de figuras como Marçal aprofundaram a crise de desinformação nas eleições de São Paulo.

<><> Precedentes jurídicos e possíveis consequências

Walber Agra explicou que esse caso remete a precedentes recentes da política brasileira, como o episódio que resultou na inelegibilidade de Jair Bolsonaro, após a famosa live com embaixadores. "Temos dois crimes bem configurados aqui: desordem informacional e abuso de poder político", destacou Agra. Ele acredita que, dada a gravidade das acusações feitas no dia da eleição, a possibilidade de inelegibilidade de Tarcísio por até oito anos é real. "Acredito que, além da ação penal, o mais indicado seria uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), que pode resultar na inelegibilidade não só do governador, mas também do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que foi o principal beneficiado", afirmou.

Agra também chamou a atenção para o papel das redes sociais na amplificação da desinformação, especialmente em contextos eleitorais. “O governador sabia do alcance de suas palavras e da forma como isso poderia influenciar eleitores indecisos. Foi uma manobra calculada, que utilizou as redes sociais para disseminar a desinformação de maneira viral”, comentou o advogado.

<><> Desinformação e consequências políticas

A campanha de Boulos, que se baseou fortemente em sua presença nas periferias e na defesa de políticas públicas progressistas, foi alvo constante de ataques infundados. Os episódios envolvendo Marçal e Tarcísio mostraram como a desinformação e o uso estratégico das redes sociais podem afetar profundamente uma eleição. O impacto dessas mentiras foi amplificado por grupos bolsonaristas que, de forma coordenada, atacaram Boulos em diversos canais.

Em resposta às ações de Tarcísio e Marçal, Boulos afirmou em entrevista que as acusações de ligação com o PCC eram "desesperadas" e que a estratégia da extrema direita estava calcada na "desmoralização de quem luta pelo povo". No entanto, a decisão de aparecer ao lado de Marçal em uma tentativa de debater acabou sendo vista como um erro por parte de seus apoiadores mais próximos. A equipe jurídica de Boulos agora busca que a justiça eleitoral responsabilize Tarcísio e Nunes, enquanto Marçal segue impune por suas difamações.

<><> Um precedente para 2026?

O caso envolvendo Tarcísio de Freitas, Ricardo Nunes e Marçal pode ser um divisor de águas no que diz respeito à judicialização das eleições no Brasil. Se a ação for bem-sucedida, poderá estabelecer um precedente importante para as eleições presidenciais de 2026, onde a desinformação e o abuso de poder tendem a ser novamente elementos centrais. Com a possibilidade de inelegibilidade de Tarcísio e as crescentes denúncias sobre o uso de fake news por candidatos de extrema direita, o cenário político de São Paulo e do Brasil segue em uma direção de maior fiscalização e responsabilidade sobre a conduta de seus líderes.

•        Tarcísio cometeu crime eleitoral no 2º turno: "Abuso de poder político", aponta jurista

Em uma participação na TV 247, o jurista Arnóbio Rocha afirmou que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, cometeu um crime eleitoral ao utilizar sua posição para fazer graves acusações, sem provas, contra o candidato à prefeitura Guilherme Boulos. Segundo Rocha, a conduta do governador configurou "abuso de poder político" e interferiu diretamente no processo eleitoral em pleno 2º turno. "Ele fez uma acusação gravíssima, sem provas, numa coletiva, usando do seu cargo de governador. Isso é um ato claro de interferência no processo eleitoral", enfatizou o jurista.

Durante o programa, Arnóbio Rocha comparou a situação ao caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi condenado à inelegibilidade por oito anos após ter utilizado seu cargo em 2022 para questionar a integridade das urnas eleitorais diante de embaixadores estrangeiros. Para Rocha, a situação de Tarcísio é semelhante: "O que pode acontecer com Tarcísio é muito similar ao que aconteceu com Bolsonaro. Usar a máquina pública para alegações infundadas e sem provas é uma interferência inaceitável e com consequências legais graves."

Rocha pontuou que o grupo jurídico Prerrogativas, do qual faz parte, apresentou ao Ministério Público Eleitoral uma representação que aponta dois crimes: abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Ele detalha que a conduta de Tarcísio, ao sugerir que o Primeiro Comando da Capital (PCC) estaria interferindo no resultado das eleições em favor de Boulos, “rompe com o caráter democrático da eleição”, acrescentando que tais declarações, sem embasamento, geram um clima de medo e insegurança entre os eleitores. “No dia em que as pessoas estão indo às urnas, o governador afirma que uma facção criminosa apoia o adversário. É uma interferência eleitoral absurda e inaceitável”, disse Rocha.

O jurista ainda destacou o uso das palavras de Tarcísio para conferir legitimidade ao PCC, algo incomum para um governante e que ele vê como uma ameaça velada ao processo eleitoral. Rocha alerta para a gravidade de dar publicidade à sigla em plena campanha: "Quase nenhum governador, até então, se referiu ao PCC por sigla, e Tarcísio fez isso, dando um status de organização de grande porte a essa facção criminosa, o que acaba prejudicando o pleito e, pior, intimidando o eleitor.”

Além da representação feita pelo Prerrogativas, a campanha de Boulos entrou com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), buscando responsabilizar Tarcísio pela suposta interferência indevida. De acordo com Rocha, "uma das condutas mais danosas no Código Eleitoral é a ameaça, direta ou indireta, que visa constranger o eleitor a votar de determinada forma, algo que, segundo ele, está subentendido nas falas do governador".

Para finalizar, Rocha defendeu que o episódio não passe despercebido: “É importante que essas questões sejam investigadas para que a justiça eleitoral não permita que tais abusos sejam normalizados. Isso que ocorreu é inédito e sem precedentes no Brasil.”

 

•        De olho em 2026, direita oferece 'formação básica' para 'mulheres conservadoras' se lançarem na política

As eleições municipais de 2024 consolidaram uma nova estratégia dos partidos de direita e centro no Brasil: incentivar a participação de mulheres com perfil conservador na política. Enquanto a esquerda enfrenta desafios para emplacar lideranças femininas, os partidos da direita destacaram-se ao eleger a maior parte das 728 prefeitas do país. A liderança no número de mulheres eleitas está com MDB (129), PSD (102), PP (89), União Brasil (88), PL (60) e Republicanos (51), enquanto o PT, partido historicamente associado aos movimentos feministas, elegeu 41 prefeitas, relata o jornal O Globo.

A ampliação da presença feminina conservadora nas prefeituras é resultado de um projeto de 'capacitação' liderado por figuras como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) e a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP). As três percorreram diversas cidades pelo país, promovendo um tipo de “formação básica” para mulheres interessadas em ingressar na política. O trabalho incluiu palestras sobre comunicação pública, como se portar e se vestir, além de definição de pautas voltadas a temas populares e familiares.

Damares Alves observa que muitas mulheres relutavam em se envolver na política por associarem o espaço a pautas exclusivamente focadas em aborto e igualdade de gênero. Segundo ela, o objetivo do programa foi aproximar as mulheres de temas considerados mais atrativos para a base conservadora. “Começamos a trazer pautas, como mães atípicas, empreendedorismo feminino, invisibilidade de mulheres de comunidades tradicionais, como quilombolas e marisqueiras”, explicou Damares. O foco foi capacitar essas mulheres para que tenham uma atuação política enraizada em vivências e necessidades locais.

O movimento atraiu até mesmo mulheres trans, como Thalyta Baronne, que se candidatou à vereadora pelo Republicanos em Sento Sé, Bahia. Embora não tenha sido eleita, Thalyta relata que o apoio do partido foi essencial para sua jornada. "Para mim é o partido que mais luta pelos direitos e pela defesa das mulheres e crianças. Por eu ser uma mulher trans e de direita isso traz uma perspectiva única e potencial para desafiar estereótipos e romper bolhas políticas,” afirma Thalyta.

Para 2026, nomes como Cristina Graeml, candidata pelo PMB derrotada no segundo turno em Curitiba, e Emília Corrêa, eleita pelo PL em Aracaju, despontam como potenciais candidatas a cargos de maior projeção, com o apoio de figuras influentes do campo bolsonarista. Michelle Bolsonaro também é cotada para uma possível candidatura ao Senado pelo Distrito Federal, enquanto Emília Corrêa é vista como nome forte para concorrer ao governo de Sergipe. Esses novos nomes vêm sendo promovidos por Jair Bolsonaro (PL) e por líderes partidários como parte de uma estratégia de expansão conservadora.

No outro lado do espectro político, o PT e a esquerda em geral ainda enfrentam desafios para desenvolver lideranças femininas. Anne Moura, secretária Nacional de Mulheres do PT, acredita que o desempenho modesto em 2024 deve-se ao fato de muitas lideranças femininas do partido estarem ocupadas com funções no governo. “Muitos quadros, mulheres que poderiam estar nessa linha de frente também, estão ajudando no governo. Isso tira alguns nomes que poderiam disputar na ponta”, pondera Anne. Apesar do menor número de prefeitas eleitas, ela afirma que o PT continua avançando na pauta de gênero, sendo hoje o partido com a maior bancada feminina no Congresso e liderado por uma mulher.

Ainda assim, a ausência de figuras como Lula e a primeira-dama Janja nas campanhas das principais candidatas do PT, como Marília Campos, reeleita em Contagem, e Margarida Salomão, em Juiz de Fora, foi percebida. A deputada Maria do Rosário, candidata do PT em Porto Alegre, defende que o trabalho de inclusão feminina no partido é contínuo e não se limita aos períodos eleitorais, ressaltando que a maior bancada de mulheres no Congresso hoje é do PT.

A professora Flávia Biroli, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), observa que o interesse da direita em promover mulheres na política é, paradoxalmente, um reflexo dos avanços obtidos pelos movimentos feministas nos últimos anos. Segundo Biroli, o aumento da presença feminina nos partidos conservadores é impulsionado, em parte, pela cota de gênero do fundo eleitoral. Ela destaca que Michelle Bolsonaro, embora se apresente como uma figura antifeminista, deve sua posição à luta por direitos das mulheres ao longo das décadas.

 

Fonte: Brasil 247

 

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