Quem eleito, Kamala ou Trump, seria melhor
para nossa economia e quais os impactos podem causar
Os
norte-americanos vão às urnas nesta terça-feira, 5 de novembro, para decidir quem será o próximo presidente dos Estados
Unidos. E, como esperado, a eleição da maior
economia do planeta está sendo acompanhada de perto por agentes econômicos do
mundo inteiro — incluindo do Brasil.
A
vice-presidente Kamala
Harris deu novos ares à corrida eleitoral após Joe Biden, presidente do país, desistir da candidatura. Com a
mudança no lado democrata, cresceram as expectativas sobre como seria a
condução econômica em uma eventual gestão de Kamala, então estreante no cargo.
Do outro lado, o
republicano Donald Trump é velho conhecido do mercado. O
ex-presidente comandou o país de janeiro de 2017 a janeiro de 2021 e, em meio a diversas polêmicas,
deu uma prévia de sua gestão na economia — ainda que novas ideias estejam sendo avaliadas por
investidores.
Com a disputa voto a
voto, a desconfiança de que Trump esteja em ligeira vantagem deu o tom do mercado nos
últimos dias. As dúvidas estão no efeito de uma postura
protecionista do republicano, que promete elevação de tarifas e uma escalada da
guerra comercial contra a China.
O primeiro debate — e
o único — entre Trump e Kamala ocorreu no dia 10 de setembro, em uma
noite marcada pelo tom mais assertivo da democrata, que se impôs, inclusive, em temas mais confortáveis para o
republicano, como imigração e economia.
O cenário eleitoral,
no entanto, ainda está indefinido: o agregador FiveThirtyEight, que compila e
publica a média das pesquisas realizadas até agora, mostra Kamala com 48%
das intenções de voto, pouco à frente de Trump, que tem 46,7%.
Especialistas ouvidos
pelo g1 explicam que há dois principais temas que tendem a se
refletir na economia brasileira após o vencedor assumir o cargo, em 2025:
- O protecionismo, por meio do controle comercial;
- As contas públicas dos EUA, com as diferentes medidas sobre
gastos e incentivos.
Mesmo com semelhanças
em alguns aspectos — como a busca pelo fortalecimento da economia
norte-americana e a guerra contra a China —, a democrata e o republicano têm
visões distintas.
Se, por um lado, há um
protecionismo mais presente na postura de Donald Trump, Kamala tem princípios
mais alinhados a aspectos sociais, com previsão de maior transferência de renda
à população mais pobre.
E ambas as condutas
podem causar reflexos no Brasil, conforme especialistas.
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Entenda, a partir dos temas abaixo, os possíveis impactos para a economia
brasileira:
·
Balança comercial
Os Estados Unidos são
o segundo principal parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. Isso
significa que há um importante fluxo de importação e exportação entre os
países.
Welber Barral,
consultor especializado em comércio internacional, afirma que a relação do
Brasil com os norte-americanos é considerada estável desde o governo de Barack
Obama (2009-2017).
Ele aponta, no
entanto, que o governo Trump ficou marcado por uma série de decisões
"imprevisíveis". Entre elas, medidas contra a importação de produtos chineses, que acabaram impactando também o fluxo de vendas do mercado
brasileiro para os EUA.
"Trump tem batido
muito mais forte contra a China e tem atuado para restringir, principalmente,
exportações de tecnologia acessível para o país asiático. Ele também tem
ameaçado punir países que comecem a operar na moeda chinesa. Então, com Trump,
podemos ter uma sanção indireta — ou seja, uma sanção contra a China e que
possa afetar as exportações brasileiras", diz.
Por outro lado, o
governo do democrata Biden não só manteve, mas também aumentou as tarifas contra produtos chineses. Em maio deste ano, ele elevou as cobranças sobre itens ligados
a tecnologia, como veículos elétricos, semicondutores, baterias, células
solares, aço e alumínio.
A medida vem em meio à
força do gigante asiático no comércio de produtos superbaratos e no mercado de
veículos eletrificados. Conforme já mostrou o g1, a China detém quase 20% do mercado global de veículos 100% elétricos.
"Os setores
brasileiros mais prejudicados são os de aço e alumínio, que representam
exportações importantes do país na relação com os Estados Unidos", diz
Barral.
Queda na exportação
pode significar perda na balança comercial brasileira, que é a diferença
entre o que o Brasil vende para fora e o que compra de outros países. O saldo
negativo da balança (exportar menos do que importar) prejudica, entre outros pontos, a formação de reservas internacionais — valores que um país possui em moeda estrangeira.
Além disso, impacta
negativamente o câmbio: quando há menos vendas para o exterior, há menor volume
de dólar entrando no país, o que enfraquece o real frente à moeda
norte-americana. Por isso, de forma geral, barreiras comerciais são vistas
como negativas por agentes econômicos.
"Uma vitória de
Kamala Harris poderia levar a uma política externa americana mais cooperativa e
menos protecionista, o que beneficiaria o Brasil em termos de comércio
bilateral e investimentos", afirma Fábio Murad, sócio da Ipê Avaliações.
O economista-chefe da
Análise Econômica, André Galhardo, destaca que o acirramento da guerra
comercial entre EUA e China após uma eventual vitória de Trump também pode, em
outra frente, impactar de forma negativa a indústria brasileira.
"A tendência é
que haja uma sobra de produtos chineses, e esses itens vão procurar outras
praças, como o Brasil. Então, ficamos mais expostos a produtos ultrabaratos da
China, o que pode prejudicar a indústria doméstica e impactar a balança
comercial", diz.
·
Dólar
O dólar também pode
ser impactado de diferentes formas a partir de políticas econômicas de Trump e
Kamala. Além dos possíveis reflexos na balança comercial, há receios de que uma
eventual alta da inflação dos EUA possa resultar em uma valorização da
moeda norte-americana frente ao real.
A situação já é
complicada: na sexta-feira, a moeda americana bateu seu segundo maior valor nominal da história, aos R$ 5,86.
Nesse sentido, o
economista-chefe do banco Daycoval, Rafael Cardoso, destaca que as políticas
fiscais de Kamala, com foco na população mais pobre, podem gerar impactos no
índice de preços do país.
"Uma política
centrada em assistencialismo tende a estimular o consumo e gerar um efeito
maior na atividade econômica. Isso eleva a inflação. E a resposta sabemos qual
é: ou o Fed [o
banco central dos EUA] sobe juros ou mantém taxas altas por mais tempo",
diz.
Segundo Cardoso, a
lógica a partir da política social de Kamala é a seguinte:
- A maior transferência de renda para a população
significa mais dinheiro em circulação;
- Um volume maior de dinheiro na praça tende
a impulsionar o consumo;
- Esse aumento na demanda, por sua vez, pode pressionar
os preços dos EUA para cima;
- Para controlar os preços, os juros do país tendem a
ficar mais elevados;
- Taxas elevadas nos Estados Unidos atraem mais
investidores para lá;
- Isso se reflete no dólar: quanto mais investidores aplicam
nos EUA, mais a moeda se fortalece.
"Nós não podemos
cravar que a linha é exatamente essa, mas, se formos estereotipar o processo, é
isso o que deve acontecer", pondera. "Então, do lado protecionista,
Trump é mais perigoso para o Brasil. Do lado da política fiscal, a Kamala pode
ser mais inflacionária."
Volnei Eyng, CEO da
gestora Multiplike, afirma que a cotação do dólar frente ao real tende a ser
influenciada principalmente pelos juros nos EUA.
Mas, seguindo uma
linha de raciocínio distinta, o especialista acredita que Kamala Harris pode
ser menos prejudicial do que Donald Trump para a inflação — e, assim, para a
moeda brasileira.
"Uma eleição de
Kamala poderia amenizar a força do dólar, enquanto um governo Trump, com
histórico de protecionismo e contra a imigração, poderia levar a um mercado de
trabalho mais aquecido, inflação mais alta, juros maiores e uma moeda
norte-americana mais forte", diz.
Os temores em relação
ao dólar não ocorrem à toa: em 2024, a moeda norte-americana subiu quase 16%,
cotada acima de R$ 5,60, em meio a uma série de fatores externos e internos — incluindo as taxas de juros ainda elevadas nos EUA.
O histórico de Trump
também não traz boas memórias quando o assunto é dólar. André Galhardo, da
Análise Econômica, lembra que a moeda norte-americana disparou em relação ao
real durante o governo do republicano.
Trump assumiu a
presidência dos EUA em janeiro de 2017, com o dólar cotado a R$ 3,18. No
fim de sua gestão, em janeiro de 2021, a moeda valia R$ 5,31 — um
salto de 67% no período, com reflexos também da pandemia de Covid-19, que teve
início em 2020, e de questões internas do Brasil.
"As tensões
comerciais [como as que são travadas pelo ex-presidente] elevam o nível de
incerteza do investidor global. E uma eventual nova gestão de Trump pode piorar
esse cenário. A consequência, então, deve ser uma desvalorização gradual e
contínua da moeda brasileira", diz Galhardo.
·
Ibovespa
As políticas
econômicas adotadas pelo próximo presidente dos Estados Unidos também podem
influenciar os resultados do Ibovespa, principal índice acionário da B3, a bolsa de valores brasileira.
Os reflexos podem ser
vistos, por exemplo, nas ações de empresas como a Vale e a Petrobras, que possuem maior peso no índice e estão suscetíveis à
variação dos preços do petróleo e do minério de ferro no mercado internacional.
Quando as commodities
sobem de preço, as ações das empresas tendem a subir, acompanhando a
valorização do produto comercializado por elas. Por outro lado, em caso de
queda, os papéis tendem a cair, influenciando também o Ibovespa.
"Uma possível
desaceleração da economia chinesa, potencializada pelas tensões comerciais
aplicadas por Trump, pode contaminar diversos setores e jogar o Ibovespa para
baixo, em meio ao clima de incerteza", diz Galhardo, da Análise Econômica.
Alex Andrade, CEO da
Swiss Capital, afirma que a candidatura de Kamala oferece menos riscos ao
representar uma política econômica menos protecionista e, possivelmente, um
dólar menos forte.
Na prática, diz
Andrade, esse movimento poderia beneficiar também o setor imobiliário — que tem
grandes empresas na composição do Ibovespa.
"Uma moeda
americana mais fraca tornaria os imóveis brasileiros mais acessíveis para
investidores estrangeiros, potencialmente aumentando a demanda. Além disso, com
um dólar mais barato, os custos de importação de materiais de construção
poderiam diminuir, reduzindo os custos de desenvolvimento de novos projetos
imobiliários", afirma.
·
Taxa de juros
A inflação
norte-americana é motivo de preocupação não só para o Federal Reserve (Fed, o
banco central dos Estados Unidos), mas também para o Banco Central do Brasil (BC),
responsável por decidir sobre a Selic, a taxa básica de juros brasileira.
A alta dos juros é a
principal ferramenta dos bancos centrais para controlar a inflação. Quanto
mais elevada a taxa, mais ela desestimula a atividade econômica, em busca de
reflexos de queda nos preços.
Em termos simples, é a
lógica da oferta e da demanda: com menos crédito para as pessoas consumirem,
menor a tendência de busca por produtos e serviços, o que ajuda a conter a
inflação.
Juros mais altos nos
EUA também elevam a rentabilidade dos Treasuries (títulos públicos
norte-americanos). Isso se reflete nos mercados de ações e no dólar, com a
migração cada vez maior de investidores para o país, em busca de melhor
remuneração.
Essa fuga de capital é
outro fator que pode colaborar para que o BC do Brasil eleve a taxa Selic
por aqui, gerando impacto negativo na atividade econômica brasileira. Por
isso, a inflação norte-americana é tão importante — e monitorada de perto pelos
agentes econômicos.
Nesse sentido,
especialistas ouvidos pelo g1 destacam que há um risco maior de
alta nos preços a partir do protecionismo de Trump, com possíveis reflexos na
elevação da taxa de juros brasileira.
"Trump propõe
cortes de impostos para aquecer a economia, o que pode gerar preocupações com a
inflação e com a saúde fiscal dos Estados Unidos", pontua Jefferson
Laatus, chefe-estrategista do grupo Laatus.
O especialista alerta,
por fim, que a redução de impostos no país também tende a causar uma menor
arrecadação e um aumento do risco fiscal — ou seja, elevação de gastos
públicos —, podendo pressionar ainda mais a política monetária do Fed.
¨
Torcida de Milei por
Trump reflete interesse 'no apoio de Washington e do FMI', diz analista
A disputa entre Kamala
Harris e Donald Trump é motivo de preocupação para o presidente argentino, que
tem manifestado publicamente o seu favoritismo pelo republicano, considerado
por Milei uma referência como figura global, disse um especialista à Sputnik.
Na reta final das
eleições norte-americanas, o presidente argentino Javier Milei tem dividido sua
atenção entre Buenos Aires e Washington, que constitui um marco de primeira
grandeza para seu governo, profundamente alinhado com a Casa Branca na política
externa. A disputa eleitoral entre Kamala Harris e Donald Trump levanta
questões sobre o potencial impacto dos resultados das eleições no país
sul-americano.
Durante três décadas,
os EUA foram um dos maiores parceiros comerciais de Buenos Aires. Desde 2013
Washington é um dos cinco primeiros destinatários das exportações argentinas.
Mas, além disso, o gigante norte-americano tem sido o país mais visitado por Milei:
seis das 14 viagens ao exterior que fez no seu primeiro ano de mandato foram
aos Estados Unidos. Milei chegou a declarar seu favoritismo por Trump inúmeras
vezes, classificando-o como o "político mais relevante do planeta".
"As eleições são
muito importantes porque os Estados Unidos continuam sendo a principal potência
do mundo, mesmo em meio ao forte declínio que atravessam. As eleições são um
assunto de grande relevância na região, e especialmente na Argentina",
disse à Sputnik o analista internacional Gabriel Merino.
"Não creio que a
relação com os Estados Unidos vá mudar drasticamente, mas haverá diferenças.
Por exemplo, se uma vitória de Trump levar à implantação de uma política
externa protecionista, isso poderia afetar a economia internacional e levar a
uma recessão. O triunfo de Harris na busca do multilateralismo significaria
manter uma situação semelhante à atual", observou o sociólogo.
Segundo o
especialista, o governo argentino não é imparcial. "Milei aposta todas as
suas fichas em Trump porque acredita que poderá fortalecer tanto o seu governo
como a sua liderança regional nos setores da nova direita. O republicano poderá
constituir uma peça-chave na forma libertária de ver o mundo", destacou
Merino.
No entanto, o analista
destacou que — apesar da afinidade pessoal entre os dois — as suas práticas
governamentais apresentam diferenças: "Trump não expressa as mesmas ideias
que Milei, para além do fato de haver pontos em comum na forma como a liderança
é construída".
Para o analista
internacional Gonzalo Fiore Viani, "nem tudo é tão linear: o candidato
republicano procura uma política fortemente protecionista, ao contrário do
libertário, que declarou publicamente que o seu objetivo é destruir o Estado e
liberalizar absolutamente a economia".
Para a Argentina,
olhar para Washington significa olhar para o governo dos EUA, mas, sobretudo,
para o Fundo Monetário Internacional (FMI), organização com a qual o país
sul-americano mantém uma dívida colossal de US$ 45 bilhões (cerca de R$ 264
bilhões), a maior na história da instituição.
Com participação de
17% no FMI, os Estados Unidos são o principal acionista da entidade e o único
país com poder de veto na organização. Desta forma, um vínculo amigável com a
Casa Branca é concebido como uma ferramenta potencial para uma melhoria nas condições
com o credor multilateral.
"Grande parte do
sucesso do Milei dependerá do apoio de Washington e do FMI, e a expectativa do
governo é que uma vitória de Trump ajude a pressionar a conclusão de um novo
acordo que inclua novos desembolsos de fundos", disse Merino. Segundo o
sociólogo, a concessão de um novo crédito para a Argentina "poderia
reforçar o programa econômico ao fornecer uma boa base para a acumulação de
reservas".
Para Fiore Viani, a
questão é tudo menos linear: "A Argentina tem uma dívida enorme com o FMI
e não vejo um cenário em que o Fundo concorde em emprestar mais dinheiro nestas
condições. Talvez as condições possam ser melhoradas", disse ele.
O crédito atual foi
contratado originalmente em 2018 por Mauricio Macri (2015-2019) em resultado da
enorme pressão exercida pela Casa Branca e por Donald Trump (2016-2020). Em
2022, o então presidente Alberto Fernández (2019-2023) celebrou um novo acordo
de refinanciamento da dívida, que vigora até hoje.
Fonte: g1/Sputnik
Brasil
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