terça-feira, 5 de novembro de 2024

Quem eleito, Kamala ou Trump, seria melhor para nossa economia e quais os impactos podem causar

Os norte-americanos vão às urnas nesta terça-feira, 5 de novembro, para decidir quem será o próximo presidente dos Estados Unidos. E, como esperado, a eleição da maior economia do planeta está sendo acompanhada de perto por agentes econômicos do mundo inteiro — incluindo do Brasil.

A vice-presidente Kamala Harris deu novos ares à corrida eleitoral após Joe Biden, presidente do país, desistir da candidatura. Com a mudança no lado democrata, cresceram as expectativas sobre como seria a condução econômica em uma eventual gestão de Kamala, então estreante no cargo.

Do outro lado, o republicano Donald Trump é velho conhecido do mercado. O ex-presidente comandou o país de janeiro de 2017 a janeiro de 2021 e, em meio a diversas polêmicas, deu uma prévia de sua gestão na economia — ainda que novas ideias estejam sendo avaliadas por investidores.

Com a disputa voto a voto, a desconfiança de que Trump esteja em ligeira vantagem deu o tom do mercado nos últimos dias. As dúvidas estão no efeito de uma postura protecionista do republicano, que promete elevação de tarifas e uma escalada da guerra comercial contra a China. 

O primeiro debate — e o único — entre Trump e Kamala ocorreu no dia 10 de setembro, em uma noite marcada pelo tom mais assertivo da democrata, que se impôs, inclusive, em temas mais confortáveis para o republicano, como imigração e economia.

O cenário eleitoral, no entanto, ainda está indefinido: o agregador FiveThirtyEight, que compila e publica a média das pesquisas realizadas até agora, mostra Kamala com 48% das intenções de voto, pouco à frente de Trump, que tem 46,7%.

Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que há dois principais temas que tendem a se refletir na economia brasileira após o vencedor assumir o cargo, em 2025:

  • O protecionismo, por meio do controle comercial;
  • As contas públicas dos EUA, com as diferentes medidas sobre gastos e incentivos.

Mesmo com semelhanças em alguns aspectos — como a busca pelo fortalecimento da economia norte-americana e a guerra contra a China —, a democrata e o republicano têm visões distintas.

Se, por um lado, há um protecionismo mais presente na postura de Donald Trump, Kamala tem princípios mais alinhados a aspectos sociais, com previsão de maior transferência de renda à população mais pobre.

E ambas as condutas podem causar reflexos no Brasil, conforme especialistas.

<><> Entenda, a partir dos temas abaixo, os possíveis impactos para a economia brasileira:

·        Balança comercial

Os Estados Unidos são o segundo principal parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. Isso significa que há um importante fluxo de importação e exportação entre os países.

Welber Barral, consultor especializado em comércio internacional, afirma que a relação do Brasil com os norte-americanos é considerada estável desde o governo de Barack Obama (2009-2017).

Ele aponta, no entanto, que o governo Trump ficou marcado por uma série de decisões "imprevisíveis". Entre elas, medidas contra a importação de produtos chineses, que acabaram impactando também o fluxo de vendas do mercado brasileiro para os EUA.

"Trump tem batido muito mais forte contra a China e tem atuado para restringir, principalmente, exportações de tecnologia acessível para o país asiático. Ele também tem ameaçado punir países que comecem a operar na moeda chinesa. Então, com Trump, podemos ter uma sanção indireta — ou seja, uma sanção contra a China e que possa afetar as exportações brasileiras", diz.

Por outro lado, o governo do democrata Biden não só manteve, mas também aumentou as tarifas contra produtos chineses. Em maio deste ano, ele elevou as cobranças sobre itens ligados a tecnologia, como veículos elétricos, semicondutores, baterias, células solares, aço e alumínio.

A medida vem em meio à força do gigante asiático no comércio de produtos superbaratos e no mercado de veículos eletrificados. Conforme já mostrou o g1a China detém quase 20% do mercado global de veículos 100% elétricos.

"Os setores brasileiros mais prejudicados são os de aço e alumínio, que representam exportações importantes do país na relação com os Estados Unidos", diz Barral.

Queda na exportação pode significar perda na balança comercial brasileira, que é a diferença entre o que o Brasil vende para fora e o que compra de outros países. O saldo negativo da balança (exportar menos do que importar) prejudica, entre outros pontos, a formação de reservas internacionais — valores que um país possui em moeda estrangeira.

Além disso, impacta negativamente o câmbio: quando há menos vendas para o exterior, há menor volume de dólar entrando no país, o que enfraquece o real frente à moeda norte-americana. Por isso, de forma geral, barreiras comerciais são vistas como negativas por agentes econômicos.

"Uma vitória de Kamala Harris poderia levar a uma política externa americana mais cooperativa e menos protecionista, o que beneficiaria o Brasil em termos de comércio bilateral e investimentos", afirma Fábio Murad, sócio da Ipê Avaliações.

O economista-chefe da Análise Econômica, André Galhardo, destaca que o acirramento da guerra comercial entre EUA e China após uma eventual vitória de Trump também pode, em outra frente, impactar de forma negativa a indústria brasileira.

"A tendência é que haja uma sobra de produtos chineses, e esses itens vão procurar outras praças, como o Brasil. Então, ficamos mais expostos a produtos ultrabaratos da China, o que pode prejudicar a indústria doméstica e impactar a balança comercial", diz.

·        Dólar

O dólar também pode ser impactado de diferentes formas a partir de políticas econômicas de Trump e Kamala. Além dos possíveis reflexos na balança comercial, há receios de que uma eventual alta da inflação dos EUA possa resultar em uma valorização da moeda norte-americana frente ao real.

A situação já é complicada: na sexta-feira, a moeda americana bateu seu segundo maior valor nominal da história, aos R$ 5,86.

Nesse sentido, o economista-chefe do banco Daycoval, Rafael Cardoso, destaca que as políticas fiscais de Kamala, com foco na população mais pobre, podem gerar impactos no índice de preços do país.

"Uma política centrada em assistencialismo tende a estimular o consumo e gerar um efeito maior na atividade econômica. Isso eleva a inflação. E a resposta sabemos qual é: ou o Fed [o banco central dos EUA] sobe juros ou mantém taxas altas por mais tempo", diz.

Segundo Cardoso, a lógica a partir da política social de Kamala é a seguinte:

  • A maior transferência de renda para a população significa mais dinheiro em circulação;
  • Um volume maior de dinheiro na praça tende a impulsionar o consumo;
  • Esse aumento na demanda, por sua vez, pode pressionar os preços dos EUA para cima;
  • Para controlar os preços, os juros do país tendem a ficar mais elevados;
  • Taxas elevadas nos Estados Unidos atraem mais investidores para lá;
  • Isso se reflete no dólar: quanto mais investidores aplicam nos EUA, mais a moeda se fortalece.

"Nós não podemos cravar que a linha é exatamente essa, mas, se formos estereotipar o processo, é isso o que deve acontecer", pondera. "Então, do lado protecionista, Trump é mais perigoso para o Brasil. Do lado da política fiscal, a Kamala pode ser mais inflacionária."

Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike, afirma que a cotação do dólar frente ao real tende a ser influenciada principalmente pelos juros nos EUA.

Mas, seguindo uma linha de raciocínio distinta, o especialista acredita que Kamala Harris pode ser menos prejudicial do que Donald Trump para a inflação — e, assim, para a moeda brasileira.

"Uma eleição de Kamala poderia amenizar a força do dólar, enquanto um governo Trump, com histórico de protecionismo e contra a imigração, poderia levar a um mercado de trabalho mais aquecido, inflação mais alta, juros maiores e uma moeda norte-americana mais forte", diz.

Os temores em relação ao dólar não ocorrem à toa: em 2024, a moeda norte-americana subiu quase 16%, cotada acima de R$ 5,60, em meio a uma série de fatores externos e internos — incluindo as taxas de juros ainda elevadas nos EUA.

O histórico de Trump também não traz boas memórias quando o assunto é dólar. André Galhardo, da Análise Econômica, lembra que a moeda norte-americana disparou em relação ao real durante o governo do republicano.

Trump assumiu a presidência dos EUA em janeiro de 2017, com o dólar cotado a R$ 3,18. No fim de sua gestão, em janeiro de 2021, a moeda valia R$ 5,31 — um salto de 67% no período, com reflexos também da pandemia de Covid-19, que teve início em 2020, e de questões internas do Brasil.

"As tensões comerciais [como as que são travadas pelo ex-presidente] elevam o nível de incerteza do investidor global. E uma eventual nova gestão de Trump pode piorar esse cenário. A consequência, então, deve ser uma desvalorização gradual e contínua da moeda brasileira", diz Galhardo.

·        Ibovespa

As políticas econômicas adotadas pelo próximo presidente dos Estados Unidos também podem influenciar os resultados do Ibovespa, principal índice acionário da B3, a bolsa de valores brasileira.

Os reflexos podem ser vistos, por exemplo, nas ações de empresas como a Vale e a Petrobras, que possuem maior peso no índice e estão suscetíveis à variação dos preços do petróleo e do minério de ferro no mercado internacional.

Quando as commodities sobem de preço, as ações das empresas tendem a subir, acompanhando a valorização do produto comercializado por elas. Por outro lado, em caso de queda, os papéis tendem a cair, influenciando também o Ibovespa.

"Uma possível desaceleração da economia chinesa, potencializada pelas tensões comerciais aplicadas por Trump, pode contaminar diversos setores e jogar o Ibovespa para baixo, em meio ao clima de incerteza", diz Galhardo, da Análise Econômica.

Alex Andrade, CEO da Swiss Capital, afirma que a candidatura de Kamala oferece menos riscos ao representar uma política econômica menos protecionista e, possivelmente, um dólar menos forte.

Na prática, diz Andrade, esse movimento poderia beneficiar também o setor imobiliário — que tem grandes empresas na composição do Ibovespa.

"Uma moeda americana mais fraca tornaria os imóveis brasileiros mais acessíveis para investidores estrangeiros, potencialmente aumentando a demanda. Além disso, com um dólar mais barato, os custos de importação de materiais de construção poderiam diminuir, reduzindo os custos de desenvolvimento de novos projetos imobiliários", afirma.

·        Taxa de juros

A inflação norte-americana é motivo de preocupação não só para o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), mas também para o Banco Central do Brasil (BC), responsável por decidir sobre a Selic, a taxa básica de juros brasileira.

A alta dos juros é a principal ferramenta dos bancos centrais para controlar a inflação. Quanto mais elevada a taxa, mais ela desestimula a atividade econômica, em busca de reflexos de queda nos preços.

Em termos simples, é a lógica da oferta e da demanda: com menos crédito para as pessoas consumirem, menor a tendência de busca por produtos e serviços, o que ajuda a conter a inflação.

Juros mais altos nos EUA também elevam a rentabilidade dos Treasuries (títulos públicos norte-americanos). Isso se reflete nos mercados de ações e no dólar, com a migração cada vez maior de investidores para o país, em busca de melhor remuneração.

Essa fuga de capital é outro fator que pode colaborar para que o BC do Brasil eleve a taxa Selic por aqui, gerando impacto negativo na atividade econômica brasileira. Por isso, a inflação norte-americana é tão importante — e monitorada de perto pelos agentes econômicos.

Nesse sentido, especialistas ouvidos pelo g1 destacam que há um risco maior de alta nos preços a partir do protecionismo de Trump, com possíveis reflexos na elevação da taxa de juros brasileira.

"Trump propõe cortes de impostos para aquecer a economia, o que pode gerar preocupações com a inflação e com a saúde fiscal dos Estados Unidos", pontua Jefferson Laatus, chefe-estrategista do grupo Laatus.

O especialista alerta, por fim, que a redução de impostos no país também tende a causar uma menor arrecadação e um aumento do risco fiscal — ou seja, elevação de gastos públicos —, podendo pressionar ainda mais a política monetária do Fed.

 

¨      Torcida de Milei por Trump reflete interesse 'no apoio de Washington e do FMI', diz analista

A disputa entre Kamala Harris e Donald Trump é motivo de preocupação para o presidente argentino, que tem manifestado publicamente o seu favoritismo pelo republicano, considerado por Milei uma referência como figura global, disse um especialista à Sputnik.

Na reta final das eleições norte-americanas, o presidente argentino Javier Milei tem dividido sua atenção entre Buenos Aires e Washington, que constitui um marco de primeira grandeza para seu governo, profundamente alinhado com a Casa Branca na política externa. A disputa eleitoral entre Kamala Harris e Donald Trump levanta questões sobre o potencial impacto dos resultados das eleições no país sul-americano.

Durante três décadas, os EUA foram um dos maiores parceiros comerciais de Buenos Aires. Desde 2013 Washington é um dos cinco primeiros destinatários das exportações argentinas. Mas, além disso, o gigante norte-americano tem sido o país mais visitado por Milei: seis das 14 viagens ao exterior que fez no seu primeiro ano de mandato foram aos Estados Unidos. Milei chegou a declarar seu favoritismo por Trump inúmeras vezes, classificando-o como o "político mais relevante do planeta".

"As eleições são muito importantes porque os Estados Unidos continuam sendo a principal potência do mundo, mesmo em meio ao forte declínio que atravessam. As eleições são um assunto de grande relevância na região, e especialmente na Argentina", disse à Sputnik o analista internacional Gabriel Merino.

"Não creio que a relação com os Estados Unidos vá mudar drasticamente, mas haverá diferenças. Por exemplo, se uma vitória de Trump levar à implantação de uma política externa protecionista, isso poderia afetar a economia internacional e levar a uma recessão. O triunfo de Harris na busca do multilateralismo significaria manter uma situação semelhante à atual", observou o sociólogo.

Segundo o especialista, o governo argentino não é imparcial. "Milei aposta todas as suas fichas em Trump porque acredita que poderá fortalecer tanto o seu governo como a sua liderança regional nos setores da nova direita. O republicano poderá constituir uma peça-chave na forma libertária de ver o mundo", destacou Merino.

No entanto, o analista destacou que — apesar da afinidade pessoal entre os dois — as suas práticas governamentais apresentam diferenças: "Trump não expressa as mesmas ideias que Milei, para além do fato de haver pontos em comum na forma como a liderança é construída".

Para o analista internacional Gonzalo Fiore Viani, "nem tudo é tão linear: o candidato republicano procura uma política fortemente protecionista, ao contrário do libertário, que declarou publicamente que o seu objetivo é destruir o Estado e liberalizar absolutamente a economia".

Para a Argentina, olhar para Washington significa olhar para o governo dos EUA, mas, sobretudo, para o Fundo Monetário Internacional (FMI), organização com a qual o país sul-americano mantém uma dívida colossal de US$ 45 bilhões (cerca de R$ 264 bilhões), a maior na história da instituição.

Com participação de 17% no FMI, os Estados Unidos são o principal acionista da entidade e o único país com poder de veto na organização. Desta forma, um vínculo amigável com a Casa Branca é concebido como uma ferramenta potencial para uma melhoria nas condições com o credor multilateral.

"Grande parte do sucesso do Milei dependerá do apoio de Washington e do FMI, e a expectativa do governo é que uma vitória de Trump ajude a pressionar a conclusão de um novo acordo que inclua novos desembolsos de fundos", disse Merino. Segundo o sociólogo, a concessão de um novo crédito para a Argentina "poderia reforçar o programa econômico ao fornecer uma boa base para a acumulação de reservas".

Para Fiore Viani, a questão é tudo menos linear: "A Argentina tem uma dívida enorme com o FMI e não vejo um cenário em que o Fundo concorde em emprestar mais dinheiro nestas condições. Talvez as condições possam ser melhoradas", disse ele.

O crédito atual foi contratado originalmente em 2018 por Mauricio Macri (2015-2019) em resultado da enorme pressão exercida pela Casa Branca e por Donald Trump (2016-2020). Em 2022, o então presidente Alberto Fernández (2019-2023) celebrou um novo acordo de refinanciamento da dívida, que vigora até hoje.

 

Fonte: g1/Sputnik Brasil

 

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