As piores eleições municipais do Brasil
As eleições municipais
no Brasil ocorreram praticamente sem discussões sobre os programas municipais
dos candidatos, sem discussões sobre balanços de ações dos prefeitos
candidatos, tampouco foram debatidas temáticas desafiadoras como as questões
ambientais face ao aquecimento global.
Exemplos de
catástrofes ecológicas não faltaram nesses últimos anos! Tanto a imprensa
comercial como alternativa caíram na armadilha da extrema direita, dando
espaços para a reprodução de portagens, falas de candidatos que se projetaram
pela vulgaridade política expostas em vídeos nas redes sociais, pelas fake
news, além de candidatos pastores e militares que vendiam Deus, Jesus como uma
mercadoria de baixo custo e uma noção de segurança pública de que “bandido bom
é bandido morto”. A maioria dos candidatos desconhecia os problemas urbanos,
socioambientais e econômicos que afetam as cidades e sua população. A tática da
direita conservadora e da extrema direita era produzir impactos midiáticos,
usando fake news que viraram normalidade, assim como, as ameaças de mortes, as
agressões físicas, difamações contra seus adversários. Tudo era válido para
ocupar o espaço mediático. Como diz o roqueiro brasileiro Erasmo Carlos: Falem
bem ou mal, mas falem de mim!Ilustrando somente os exemplos de São Paulo e
Fortaleza surgiram candidatos da extrema direita aprovados pelo TSE com perfis
que se fossem bem analisados, talvez, não seriam aprovados por não disporem de
condições éticas mínimas que lhes permitam exercer uma função pública (condenados na Justiça, presos por roubos
bancários, ficha limpa desrespeitada etc.). Esses candidatos criaram um clima
completamente perverso para a democracia. Suas falas políticas não são mais
regidas por proposições ou projetos em prol do povo, mas pela desqualificação
de seus opositores que, no caso, se transformam em “seus inimigos”. O mais
preocupante é que, ao quebrarem os padrões habituais da vida política
brasileira, apresentam-se como “antissistema”, o “messias” cujo lema é “Brasil
acima de tudo, Deus acima de todos”. Aliás, vale ressaltar que a plataforma
ideológica da extrema direita sempre teve uma estrutura perversa, cujo poder de
influência é extremamente eficaz, porque ao confundir os referenciais dos
indivíduos que recruta, impede-os de pensar por si mesmos.Assistimos no Brasil um
imbróglio ideológico no campo da direita e extrema direita não é apenas uma
estratégia eficaz no contexto de um confronto ideológico. Ao contrário, na
medida em que elimina os fatos que alicerçam os debates políticos a simples
“opinião” de seus mentores transformam “fakes” em verdades inabaláveis. Vimos
como Bolsonaro se impôs no cenário político nacional com suas mentiras,
vulgaridades, agressões verbais, racismo, gesticulações infundadas sobre o
complô comunista no Brasil etc. Gerar confusão não é mais um “acidente de
retórica” e sim o principal método de criar a desordem com a promessa de
renovação da ordem. Nas eleições municipais esse “modo de agir” teve
continuidade, o germe do bolsonarismo continua vivo mesmo que seu mentor esteja
desgastado, a julgar pelas derrotas de seus candidatos.
<><> O
Centrão o camaleão político saiu vitorioso
Agora vamos tentar
relembrar como surge o chamado Centrão, esse aglomerado de partidos que saíram
vencedores nessas eleições municipais. O Centrão surge na Assembleia
Constituinte de 1987 onde algumas tendências disputavam contra a ala
progressista mais à esquerda, liderada por Ulisses Guimarães do velho MDB. Ali
existia uma distinção entre os que apoiaram a ditadura membros do partido da
Arena e aqueles que passaram a lutar contra a ditadura e a volta do estado de
direito liderados pelo Movimento Democrático Brasileiro. Todavia, o próprio MDB
já tinha em suas fileiras pessoas oriundas da Arena que fizeram oposição ao MDB
de Ulisses Guimarães e que se situavam um pouco mais à esquerda durante a
Constituinte de 1988. O chamado “Centrão” de hoje vai ressurgir, em 2014,
agregando insatisfeitos com a distribuição de verbas parlamentares e cargos de
destaque durante o governo Dilma. Nesse contexto, o MDB juntamente com as
demais forças conservadoras, se aglutinam em torno de Eduardo Cunha (MDB-RJ)
que em nada pode ser comparado a Ulisses Guimarães, o grande defensor da
Constituição Cidadã de 1988. Eduardo Cunha será o principal mentor do golpe
parlamentar contra a primeira mulher Presidente do Brasil.
Esses partidos
políticos sem definição filosófica e ideológica buscam sempre uma aproximação
com o poder executivo para obter ganhos políticos, sejam ministérios,
secretarias, instituições dotadas de bom orçamento. Estão sempre negociando em
troca de favores, mantém a tradição secular do clientelismo político no Brasil,
são adeptos fisiológicos do “É dando que se recebe”. Atualmente no Brasil, o
Centrão representa os interesses da de direita, sendo o PSDB o único que se
situava no Centro da Direita brasileira. Mesmo assim, meses depois, suja sua
memória ao apoiar o golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff. O “Centrão”
abriga, assim, muitos oportunistas e negociadores de emendas parlamentares,
constituindo um importante fundo de reserva eleitoreira usado para alimentar
prefeitos e governadores da base aliada, objetivando angariar recursos para as
eleições futuras. Durante o governo de Bolsonaro foi criado o que se denominou
de “orçamento secreto”, carro-chefe da tentativa de reeleição do então
presidente Jair Bolsonaro. Esse processo foi capitaneado pelo atual presidente
da Câmara, deputado Arthur Lira, que passa a deter um enorme poder político de
barganha. Com o governo Lula, Lira vai criar o parlamento da “negociata”
enfraquecendo, assim, o presidencialismo plesbicitado pelo povo brasileiro que
se definia como um sistema de governo adotado em nações republicanas e
caracterizado pelos maiores poderes atribuídos à figura do presidente. Nessa
condição, o presidente acumula as posições de chefe de governo, chefe de
Estado, e chefe do Executivo.
O presidente da Câmara
se apoderou tanto no governo de Bolsonaro que decide proceder de maneira
chantagista com o governo Lula levando em conta que o governo é minoritário no
Congresso. A pressão ocorre ao ponto de querer definir o próprio orçamento governamental!
As chantagens do presidente da Câmara levam o presidente Lula a aumentar sua
coligação com o Centrão a fim de garantir a mínima governabilidade para aplicar
o programa de governo.
A maioria de deputados
do Centrão integram a direita conservadora e muitos se aliaram ao Bolsonarismo
da extrema direita e fundamentalistas religiosos evangélicos. Alguns não gostam
de ser etiquetados como aliados do campo fascista E isto se percebeu durante a
campanha eleitoral municipal. Logicamente, a neutralidade política surge como
oportunismo desde o momento que o Bolsonaro passa a ser inelegível.
<><> As
emendas parlamentares como cabo eleitoral
Nestas eleições, o
Centrão e seus aliados da direita conservadora e extrema direita dispuseram de
um enorme capital financeiro político, e por falta de estratégia de comunicação
política da esquerda no governo, as obras financiadas pelo governo Lula nos estados
e municípios não tiveram visibilidade pública e foram utilizadas em proveito do
próprio Centrão que outorgavam a autoria dos projetos implementados. As emendas
parlamentares sem nenhum controle não só eram destinadas aos estados de origem
dos deputados. Eles iam lá onde a direita e extrema direita necessitavam
fortalecer suas bases eleitorais. As emendas foram verdadeiros cabos
eleitorais. Poderiam ser até enquadradas como compra de votos, porém, os que
açambarcaram o dinheiro público sabiam que não havia amparo legal para acusação
e o sistema bancário Pix circulava em todo o território nacional! Os abusos
foram tão evidentes que o ministro do Supremo Tribunal, Flávio Dino recomendou
que os recursos das emendas de bancada fossem liberados apenas para os estados
que elas representam e que os recursos não fossem repassados de maneira
fragmentada, para dar prioridade aos chamados projetos estruturantes, como
grandes obras. O ministro também defendeu que o Tribunal de Contas da União
(TCU) fiscalizasse a execução das emendas e que uma plataforma única reunisse
as informações relacionadas a essas transferências. Ao destacar as propostas,
Angelo Coronel relator do Orçamento para 2025 explicou que elas poderiam ser
incorporadas ao projeto pelo relator, que ainda será designado.
<><> Além
das emendas, a apropriação do uso das redes sociais e dos algoritmos lhes
favoreceram
Os partidos da
direita, assim como os da extrema direita, se apropriaram das redes sociais
fazendo uso dos algoritmos e a mídia social de esquerda não teve estratégia de
comunicação eficaz para o contra-ataque. Sabe-se que primeiro, o algoritmo
avalia a probabilidade de você compartilhar, comentar ou reagir a uma postagem.
Ele pode medir essa probabilidade com base no conteúdo que você gostou e
compartilhou no passado, bem como nas pessoas com quem você interage com mais
frequência. Não precisamos relatar como os filhos de Bolsonaro colocaram em
pratica o “gabinete do ódio”, nem tão pouco como surgiram os chamados
influenciadores de direita, os pastores(as) militantes de extrema direita que
criaram seus próprios canais, além da presença de grupos em todas as
plataformas digitais. Os dirigentes e militantes da extrema direita entenderam
perfeitamente a importância dos algoritmos na era da internet. Existem
algoritmos sociais para canalizar certos tipos de conteúdo para públicos
específicos, incentivando assim as pessoas a passarem mais tempo nas
plataformas. Eles ditam os tipos de conteúdo que um usuário pode “descobrir”
fora de sua própria comunidade. Para mais informações consultem o Google!
Essa longa
contextualização é para que o público das mídias alternativas entenda como
caímos na arapuca dos algoritmos contendo fake-news, narrativas aberrantes que
canalizaram os debates sobre candidatos que já tinham sob o seu controle as
redes sociais. Exemplos de São Paulo, Fortaleza e outras cidades brasileiras.
Assim, a intelectualidade de esquerda hoje presente em canais de TV
alternativas e plataformas deixou de enfocar temáticas importantes que poderiam
contribuir para um melhor debate político, por exemplo o resgate da memória da
democracia participativa prevista na constituição brasileira, temática
emblemática na conquista do poder Local pela esquerda, assim se conquistou as
cidades mais conservadoras do Brasil, São Paulo, Porto Alegre, Fortaleza, Belém
além de cidades simbólicas de lutas pela democracia como o ABCD paulista,
dentre outras. O aumento de analfabetos políticos no Brasil poderia diminuir
com educação política. Nós jornalistas devemos no contexto atual político que a
extrema direita ocupa as esquinas do Brasil agir como guardiões da democracia e
a memória da história social política do Brasil é fundamental.
A direita e extrema
direita conseguiram apagar essas histórias de conquistas democráticas. A
maioria hoje dos brasileiros(as) desconhece a importância do poder local para o
exercício ativo da cidadania. Desconhece que é no município que poderemos
resgatar paradigma no arcabouço jurídico e democrático brasileiro que foi
estabelecido pela Constituição de 88 ‘todo poder emana do povo’ que o exerce
por meio de representantes eleitos, ou diretamente nas formas previstas nesta
Constituição. O Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 precisava ser
relembrado, ele determina com bastante claridade o exercício dos direitos
sociais e individuais, assim como a liberdade dos indivíduos, a segurança e o
bem-estar, além do direito de se desenvolver com igualdade e justiça. Estou
batendo nesta tecla há muitas décadas por ser uma apaixonada pela democracia
participativa. Neste sentido, escrevi vários artigos que podem ser consultados
no Google, hoje uma grande biblioteca virtual! Todavia, mesmo vivendo há muitas
décadas fora do Brasil, levando em conta meu trabalho na área da cooperação
internacional voltado para a América do Sul, principalmente o Brasil, fiquei
acompanhando de perto em minhas inúmeras viagens todo o processo de
redemocratização do Brasil e a renascença da cidadania política. Havia uma nova
militância que emergia no Brasil agindo localmente em muitas associações e
movimentos sociais com temáticas que estimulavam a democracia participativa no
desenvolvimento local. O Partido dos Trabalhadores percebeu a importância de
conquistar o poder local e muitas municipalidades lhe serviram de experiência
para ganhar notoriedade nacional, incentivava o nascimento dos conselhos
municipais onde os representantes da sociedade civil municipal poderiam
discutir sobre o destino do desenvolvimento municipal. Com a conquista da
Presidência em 3 mandatos, os militantes do PT deixaram de investir no Poder
Local e em suas bases, abandonando bandeiras emblemáticas da participação
popular, como o orçamento participativo, os conselhos municipais que discutiam
políticas setoriais para o município.
<><> A
esquerda deve se ocupar do cotidiano da política
Somente poucas cidades
tiveram um despertar de uma militância aguerrida que apesar das difamações,
ameaças de morte, ataques de danos morais como foi no caso de Boulos e Natália
Bonavides fizeram uma bela campanha, porém, não foi possível virar o resultado.
Em Recife, o jovem herdeiro dos Arraes, João Campos, consolidou sua liderança
no PSB. E em Fortaleza o PT, apesar das divisões internas, consegue eleger o
candidato a prefeito face ao vulgar candidato de extrema direita. Mesmo assim,
muitos jovens foram eleitos a vereadores e vereadoras. Houve um aumento de
vereadores negros, de mulheres LGBTQIA+ e demais grupos de esquerda. Tudo isto
deixa no ar um vento de esperança na renovação de quadros políticos de
esquerda. Mais do que nunca chegou a hora de consolidar o casamento entre o uso
de redes sociais e a prática da militância política no quotidiano. São duas
formas de participação política que a esquerda deve implementar como novo modo
de fazer política diante do avanço da apropriação das redes sociais pela
extrema direita e direita conservadora.A esquerda governista ficou acuada nas
eleições municipais apostando em algumas frentes partidárias que podem garantir
um capital político para Lula. Atenção, o Lula não é eterno, daí a importância
da educação política para as novas lideranças locais que emergiram nesta
campanha. O PT deve se preocupar com a transmissão desta memória. A esquerda
deve renovar sem perder a dimensão do sonho de um mundo melhor. Ela deve se
ocupar do quotidiano da política. O quotidiano político está associado à
realidade vivida por milhões de brasileiros que reclamam da carestia da vida,
principalmente dos produtos alimentares, da qualidade dos alimentos, da
degradação dos serviços públicos e do meio ambiente, da segurança pública. Os partidos
de esquerda e centro-esquerda que formaram a frente que elegeu o Lula devem
servir de alerta permanente para que o governo não esqueça seus compromissos.
Deve preservar a crítica construtiva quando o governo falha! Todavia, não
esquecer que o Lula governa no fio da navalha, o Centrão pode lhe dar um
empurrão a qualquer hora! Por isso a mobilização social por melhorias de
condições de vida deve ser permanente!!! Reconquistar o terreno para a ação
militante junto aos vereadores e participar dos conselhos municipais também é
importante. Tanto faz se o prefeito é aliado ou não. A participação popular
para construir um novo mundo faz parte do DNA da esquerda. Não deixem a extrema
direita e a direita conservadora prosperar onde a esquerda falhou. Os sonhos não
estão à venda já que alguns votos viraram mercadorias para a extrema direita e
direita! Reconquistar o exercício da cidadania política é fundamental!
O Lula não pode ser o
principal cabo eleitoral da esquerda. Ele pouco se envolveu nas eleições
municipais, conferindo prioridade à garantia da governabilidade nacional e às
relações internacionais em um mundo hoje muito conturbado. Penso que diante de
um parlamento com maioria conservadora, fundamentalista e de extrema direita o
Lula teve razão de guardar o leme do comando do navio que navega em mares e
rios agitados. A falha maior tem sido a pouca visibilidade às ações e projetos
desenvolvidos pelo governo Lula nas municipalidades e governos estaduais,
deixando para a coligação e o Centrão reivindicar em proveito eleitoral os
benefícios da ajuda governamental. Falta uma boa estratégia de comunicação e
maior articulação com os militantes nos estados e municípios, sobretudo com os
jovens que detém experiência com as redes sociais para fazer face aos meios de
comunicação como Globo e CNN e os jornalões Folha de São Paulo e Estadão, que
exploram o dia inteiro os limites do governo Lula. Enquanto os sucessos são pouco
divulgados.
Fonte: Por Marilza De
Melo Foucher, em Brasil 247
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