sábado, 9 de novembro de 2024

José Reinaldo Carvalho: Vitória de Trump aumenta reacionarismo do império e abre era de novas lutas dos povos

O republicano Donald Trump venceu as eleições presidenciais nos Estados Unidos na última terça-feira, 5 de novembro, um resultado que comemorou em termos grandiloquentes: "A América nos deu um mandato poderoso e sem precedentes", disse ele.  

Ele designou sua vitória como o "maior movimento político de todos os tempos".

E repetiu os mantras que criou como suas principais marcas: fazer a América grande de novo, trabalhar sem descanso “até devolver essa América segura e próspera que merecemos”, abrindo o que pretendem fazer os outros acreditarem, a “era de ouro da América."

Antes de comentarmos o sentido da prédica de Trump, é necessário assinalar que as eleições nos Estados Unidos estão anos-luz distantes do que são eleições democráticas, assim como o sistema político do país é o próprio oposto do que seja uma democracia genuína. 

A democracia americana é um mito que as classes dominantes submissas dos países pertencentes ao seu sistema de neocolonialismo utilizam como meio de engodo e mistificação das massas populares mundo afora.  

A exaltação desse mito faz com que o mundo sinta-se partícipe de uma grande farsa entre duas facções equivalentes em reacionarismo da mesma potência imperialista. 

Eventualmente, tal mistificação funciona, haja vista a posição política adotada por estadistas e políticos de esquerda que em seus países, inclusive entre nós, se dispuseram ao vexame de atuar como cabos eleitorais da candidata de uma das facções. 

A propaganda da democracia como valor supremo da sociedade norte-americana é um velho truque destinado a identificar o imperialismo estadunidense como polo irradiador da democracia no mundo, o que justificaria suas ações criminosas como golpes, intervenções e guerras, alvejando intermitentemente, conforme o período histórico, os inimigos do momento: o comunismo, o terrorismo e agora o “autoritarismo”. 

As eleições deste ano, como todas as demais desde há muitas décadas, revelam, porém, que a chamada “maior democracia do mundo” está longe de ser verdadeiramente democrática. O sistema eleitoral e partidário dos Estados Unidos está repleto de elementos que favorecem os interesses econômicos e ideológicos das elites, marginalizando as massas populares. 

O sistema bipartidário dos Estados Unidos, em que apenas duas facções - o Partido Democrata e o Partido Republicano - têm chance real de vitória, limita a participação e a representatividade popular e marginaliza as correntes progressistas. Embora esses partidos se diferenciem em aspectos das políticas internas, sociais, econômicas e externa, ambos representam essencialmente os interesses do grande capital financeiro e lutam pela manutenção do país como superpotência imperialista.

Ambos os partidos apoiam intervenções militares e políticas externas em nome da primazia dos interesses americanos. Em essência, a política externa imperialista é uma constante no cenário americano, e nem republicanos nem democratas defendem o multilateralismo genuíno, a verdadeira cooperação global, ou a soberania e autodeterminação dos povos e nações que esse mesmo imperialismo persiste em oprimir e espoliar.

Outro aspecto a atestar as limitações democráticas do sistema político estadunidense é a eleição é indireta. 

Duas outras características peculiares determinam o tipo da democracia americana e condicionam as disputas eleitorais. Sendo um sistema plutocrático, as eleições são dominadas por uma corrida desenfreada ao dinheiro. Bilhões de dólares irrigam os cofres das campanhas e dos partidos. A outra característica é a guerra de informação, hoje magnificada pela manipulação midiática, a indústria de notícias falsas, na era da revolução tecnológica, controlada por poderosos monopólios. O exemplo mais saliente foi a interferência de Elon Musk na campanha eleitoral. 

À parte isso, tornou-se uma tradição nas campanhas eleitorais nos EUA transformar atos que poderiam ser momentos de debate político em espetáculos despolitizados, em que o protagonismo é exercido não pelas ideias mas pela aparência e fama de celebridades. Desgraçadamente, esse método de fazer campanhas eleitorais é mimetizado por toda a parte e se tornou característico também em nosso país. 

·        O impacto político 

O triunfo eleitoral de Trump pode ter surpreendido pela contundência e dimensões, decerto frustrou avaliações e previsões subjetivistas e principalmente deve ter envergonhado a torcida daqueles que fizeram campanha por Kamala Harris, uns por serem seguidores e eleitores fiéis do Partido Democrata, outros por acreditarem mesmo sem militância na sua mensagem e outros por alegarem opção pelo “mal menor”. Maior vergonha recai, sem dúvida, sobre lideranças de esquerda pelo mundo que contavam com o “progressismo” do Partido Democrata para combater a extrema direita em seus países, ignorando que um dos vetores da direita mundial e das políticas neoliberais, reacionárias e belicistas é o governo Biden. 

A eleição escancarou o caráter do Partido Democrata, do governo desastroso de Joe Biden e de sua vice-presidente, suas políticas antissociais internas e sua incapacidade sistêmica de enfrentar a crise estrutural e o declínio do imperialismo estadunidense. 

A derrota de Kamala Harris, candidata pelo Partido Democrata, evidencia a distância abissal deste partido das principais inquietações dos trabalhadores dos Estados Unidos, primeiras vítimas do sistema de opressão e exploração. A campanha de Kamala Harris ignorou essas preocupações, priorizando os “valores liberais”. Pior, a candidata, sendo vice-presidente, é responsável pelas mazelas sociais. Não era possível escamoteá-las exaltando os “bons indicadores macroeconômicos”. 

O apoio incondicional do Partido Democrata a Israel durante o genocídio gerou descontentamento entre as comunidades árabes e muçulmanas, além de setores sensíveis ao tema dos direitos humanos. As correntes progressistas, sobretudo parte da juventude,  mobilizaram-se em manifestações contra o genocídio e a cumplicidade do governo Biden/Kamala com Israel. Esse posicionamento pôs em evidência o caráter belicista do governo Biden/Kamala.

A vitória de Trump marca o fortalecimento da extrema-direita nos Estados Unidos e sinaliza uma agenda agressiva em termos de políticas internas e externas. Trump declarou que seu segundo mandato será focado em “colocar a América em primeiro lugar” e “restaurar a ordem”, o que inclui uma abordagem mais rígida sobre a imigração, a redução de regulamentações trabalhistas e uma política de segurança pública mais punitiva.

Para Trump, “colocar a América em primeiro lugar” é a senha para reforçar o nacionalismo de potência imperialista, o que a qualquer momento pode expressar-se por meio de atos de intervenção e agressão pelo mundo, o exercício de uma política externa unilateralista e a exacerbação de rivalidade com a China, a partir da intensificação da guerra comercial, da oposição ao BRICS,o que afetará também os interesses da Rússia. Pode ocorrer também o agravamento de contradições interimperialistas com os setores hegemônicos da União Europeia e parceiros da Otan. 

Na América Latina, a vitória de Trump implica riscos acrescidos de aumento da hostilidade a países dirigidos por forças revolucionárias, anti-imperialistas e socialistas, como Cuba, Venezuela e Nicarágua. Isto é um sinal de alerta também para outros governos, que mesmo não sendo anti-imperialista, e tendentes à conciliação com os Estados Unidos, como Brasil e Colômbia, não se dispõem ao alinhamento com as posições de Trump. 

Voltando aos mantras de Trump. A “era de ouro” está cada vez mais distante para o imperialismo, que perdeu terreno e, independentemente de políticas agressivas, não tem mais condições de deter a multipolaridade e a ascensão da potência chinesa. Quanto à força política de Trump constituir o  "maior movimento político de todos os tempos", fica claro o propósito de soerguer uma poderosa força de direita. O inevitável efeito disso é a polarização com as forças da resistência e da luta dos trabalhadores e povos, o que em perspectiva pode ensejar o surgimento de um também poderoso movimento político progressista e revolucionário, anti-imperialista e voltado para o socialismo, o que abrirá nova era da luta pela libertação nacional e social dos povos do mundo.

 

¨      A eleição de Trump: uma lição urgente para o Brasil. Por João Lister

A volta de Donald Trump ao cenário político dos Estados Unidos como presidente eleito nesse 2024 é uma constatação incômoda das falhas de accountability do sistema judicial estadunidense. O ex-presidente, ainda influente e amplamente seguido, até hoje não foi plenamente responsabilizado por sua tentativa de minar o processo democrático e incentivar a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Esse episódio levanta uma preocupação universal para qualquer nação democrática: até que ponto a impunidade de líderes autocráticos pode corroer o próprio sistema político? E como essas democracias, ao hesitar em responsabilizar figuras controversas e polarizadoras, arriscam-se a promover uma cultura de leniência com o autoritarismo?

O caso americano é emblemático e deveria ser um ponto de reflexão para todos os sistemas judiciais ao redor do mundo. Em qualquer democracia funcional, a independência entre Justiça e política deve ser clara. Contudo, o processo para investigar e punir Trump – mesmo diante de provas documentadas de sua interferência no processo eleitoral e seu incentivo direto a atos de insurreição – escancara uma falha institucional inquietante. Em vez de agir com rapidez para preservar a estabilidade democrática, as instituições hesitaram, prolongando os processos legais e permitindo que Trump mantivesse sua narrativa de "vítima" de um sistema "corrupto". Esse atraso contribui para normalizar a ideia de que figuras políticas proeminentes podem subverter as regras democráticas e, ainda assim, permanecer impunes, um sinal perigoso para a saúde de qualquer democracia.

A decisão de não agir com rigor perante essa transgressão incita uma polarização sem precedentes e oferece uma falsa legitimidade àqueles que se consideram acima da lei. Esse contexto coloca em risco não apenas o processo eleitoral, mas também a confiança pública nas instituições, o que é essencial para a continuidade de uma democracia robusta. O que se observa é que a força de figuras populistas, quando não limitada por um sistema de freios e contrapesos firme e célere, promove um ciclo de ódio, extremismo e desinformação que pode minar até mesmo as democracias mais tradicionais. Ao hesitar, o sistema judicial estadunidense dá espaço para que Trump se apresente não como um líder que violou a ordem democrática, mas como um defensor de seus apoiadores “perseguidos”, reforçando uma narrativa incendiária.

No Brasil, a situação se apresenta com paralelos preocupantes. Em 8 de janeiro de 2023, cenas de caos e violência tomaram conta da Praça dos Três Poderes em Brasília. Grupos de apoiadores de Jair Bolsonaro, inconformados com a derrota eleitoral, invadiram e vandalizaram as sedes dos três Poderes da República em uma tentativa explícita de desestabilizar o governo democraticamente eleito. Em um ato que espelha o que ocorreu nos EUA, os bolsonaristas não agiram sozinhos: o ex-presidente Bolsonaro fomentou, desde o início, uma desconfiança no processo eleitoral, apoiando teorias sem fundamento de fraude e deslegitimando as instituições que garantem a integridade do pleito.

Esse fenômeno de deslegitimação das instituições é mais perigoso do que aparenta. Ao promover a desconfiança e incitar o ódio, líderes como Trump e Bolsonaro não apenas fomentam atos de insurreição, mas também criam uma atmosfera de incerteza que mina a estabilidade social e política. Quando a população começa a acreditar que as instituições não são confiáveis, abre-se espaço para que o próprio tecido democrático seja questionado e corroído. Em ambos os países, a hesitação em aplicar sanções legais rigorosas a esses líderes coloca em risco o próprio sistema, ao permitir que o autoritarismo encontre espaço para crescer e para se normalizar.

Desde os ataques contra a democracia, tanto Trump quanto Bolsonaro mantiveram uma campanha constante de desinformação, disseminando fake news para sustentar suas narrativas e fortalecer suas bases. Por meio de discursos públicos e postagens em redes sociais, ambos seguem promovendo teorias de conspiração e alegações infundadas sobre fraudes eleitorais e perseguição política. Essa prática não apenas perverte o sistema democrático, mas também confunde e polariza o eleitor, afastando-o da verdade factual e debilitando sua capacidade de tomar decisões informadas. Ao minar a confiança nas instituições e manipular a opinião pública, essa estratégia de desinformação cria um ambiente propício para a normalização de líderes autocráticos e pode, inclusive, ajudar a explicar o ressurgimento de Trump nas eleições atuais. A continuidade desse comportamento levanta um alerta para a importância de medidas mais severas e urgentes contra a propagação deliberada de mentiras políticas, sem as quais a democracia pode se tornar cada vez mais vulnerável.

Para que o Brasil evite os mesmos erros que os Estados Unidos, seu sistema judicial precisa atuar com celeridade, o que não vem ocorrendo, pois se por um lado o STF já puniu centenas de criminosos sobre a tentativa de Golpe, no 08/01; por outro lado, Bolsonaro vai escapando pelo meio dos dedos da Justiça. Atuar com rigor e celeridade, especialmente diante de crimes que ameaçam a ordem democrática é necessário, para que o Brasil não seja o EUA, de hoje, que elegeu Trump. Em casos de ataque ao processo eleitoral e de promoção de teorias conspiratórias sem fundamento, a reação judicial não pode ser morosa. A demora no julgamento de Bolsonaro e seus aliados, envolvidos direta ou indiretamente nos eventos de 8 de janeiro, alimenta a falsa percepção de que atos antidemocráticos podem ser tolerados. Além disso, o Brasil corre o risco de criar um perigoso precedente: se Bolsonaro e seus apoiadores não enfrentarem consequências concretas, uma nova tentativa de desestabilizar o país no futuro poderá se tornar ainda mais provável.

Ao agir com firmeza e rapidez, o Brasil pode não apenas manter sua democracia intacta, mas também enviar uma mensagem clara ao mundo: a de que está comprometido em proteger os valores democráticos e que líderes não estão acima da lei. Na era da hiperconectividade, onde narrativas populistas e antissistêmicas são amplificadas pelas redes sociais, a democracia não pode se dar ao luxo de ser complacente com aqueles que ameaçam sua essência. No Brasil, é essencial que a justiça se imponha de maneira incisiva, demonstrando que atos golpistas não passarão sem resposta e que as instituições brasileiras são resilientes e determinadas a se preservar.

Este é um momento decisivo para o país. A resposta à insurreição de 8 de janeiro precisa ser contundente, não apenas como forma de justiça, mas também como uma defesa explícita da democracia. Se o Brasil falhar, estará transmitindo uma mensagem perigosa: a de que a democracia pode ser minada sem consequências, de que o autoritarismo tem espaço em um sistema que deveria ser igualitário e justo. E Trump pode apontar, não suas caravelas, mas seus eficientes Marines, ao Sul da América.

 

Fonte: Brasil 247

 

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