José Reinaldo Carvalho: Vitória de Trump
aumenta reacionarismo do império e abre era de novas lutas dos povos
O republicano Donald
Trump venceu as eleições presidenciais nos Estados Unidos na última
terça-feira, 5 de novembro, um resultado que comemorou em termos
grandiloquentes: "A América nos deu um mandato poderoso e sem
precedentes", disse ele.
Ele designou sua
vitória como o "maior movimento político de todos os tempos".
E repetiu os mantras
que criou como suas principais marcas: fazer a América grande de novo,
trabalhar sem descanso “até devolver essa América segura e próspera que
merecemos”, abrindo o que pretendem fazer os outros acreditarem, a “era de ouro
da América."
Antes de comentarmos o
sentido da prédica de Trump, é necessário assinalar que as eleições nos Estados
Unidos estão anos-luz distantes do que são eleições democráticas, assim como o
sistema político do país é o próprio oposto do que seja uma democracia genuína.
A democracia americana
é um mito que as classes dominantes submissas dos países pertencentes ao seu
sistema de neocolonialismo utilizam como meio de engodo e mistificação das
massas populares mundo afora.
A exaltação desse mito
faz com que o mundo sinta-se partícipe de uma grande farsa entre duas facções
equivalentes em reacionarismo da mesma potência imperialista.
Eventualmente, tal
mistificação funciona, haja vista a posição política adotada por estadistas e
políticos de esquerda que em seus países, inclusive entre nós, se dispuseram ao
vexame de atuar como cabos eleitorais da candidata de uma das facções.
A propaganda da
democracia como valor supremo da sociedade norte-americana é um velho truque
destinado a identificar o imperialismo estadunidense como polo irradiador da
democracia no mundo, o que justificaria suas ações criminosas como golpes,
intervenções e guerras, alvejando intermitentemente, conforme o período
histórico, os inimigos do momento: o comunismo, o terrorismo e agora o
“autoritarismo”.
As eleições deste ano,
como todas as demais desde há muitas décadas, revelam, porém, que a chamada
“maior democracia do mundo” está longe de ser verdadeiramente democrática. O
sistema eleitoral e partidário dos Estados Unidos está repleto de elementos que
favorecem os interesses econômicos e ideológicos das elites, marginalizando as
massas populares.
O sistema bipartidário
dos Estados Unidos, em que apenas duas facções - o Partido Democrata e o
Partido Republicano - têm chance real de vitória, limita a participação e a
representatividade popular e marginaliza as correntes progressistas. Embora
esses partidos se diferenciem em aspectos das políticas internas, sociais,
econômicas e externa, ambos representam essencialmente os interesses do grande
capital financeiro e lutam pela manutenção do país como superpotência
imperialista.
Ambos os partidos
apoiam intervenções militares e políticas externas em nome da primazia dos
interesses americanos. Em essência, a política externa imperialista é uma
constante no cenário americano, e nem republicanos nem democratas defendem o
multilateralismo genuíno, a verdadeira cooperação global, ou a soberania e
autodeterminação dos povos e nações que esse mesmo imperialismo persiste em
oprimir e espoliar.
Outro aspecto a
atestar as limitações democráticas do sistema político estadunidense é a
eleição é indireta.
Duas outras
características peculiares determinam o tipo da democracia americana e
condicionam as disputas eleitorais. Sendo um sistema plutocrático, as eleições
são dominadas por uma corrida desenfreada ao dinheiro. Bilhões de dólares
irrigam os cofres das campanhas e dos partidos. A outra característica é a
guerra de informação, hoje magnificada pela manipulação midiática, a indústria
de notícias falsas, na era da revolução tecnológica, controlada por poderosos
monopólios. O exemplo mais saliente foi a interferência de Elon Musk na
campanha eleitoral.
À parte isso,
tornou-se uma tradição nas campanhas eleitorais nos EUA transformar atos que
poderiam ser momentos de debate político em espetáculos despolitizados, em que
o protagonismo é exercido não pelas ideias mas pela aparência e fama de
celebridades. Desgraçadamente, esse método de fazer campanhas eleitorais é
mimetizado por toda a parte e se tornou característico também em nosso
país.
·
O impacto
político
O triunfo eleitoral de
Trump pode ter surpreendido pela contundência e dimensões, decerto frustrou
avaliações e previsões subjetivistas e principalmente deve ter envergonhado a
torcida daqueles que fizeram campanha por Kamala Harris, uns por serem seguidores
e eleitores fiéis do Partido Democrata, outros por acreditarem mesmo sem
militância na sua mensagem e outros por alegarem opção pelo “mal menor”. Maior
vergonha recai, sem dúvida, sobre lideranças de esquerda pelo mundo que
contavam com o “progressismo” do Partido Democrata para combater a extrema
direita em seus países, ignorando que um dos vetores da direita mundial e das
políticas neoliberais, reacionárias e belicistas é o governo Biden.
A eleição escancarou o
caráter do Partido Democrata, do governo desastroso de Joe Biden e de sua
vice-presidente, suas políticas antissociais internas e sua incapacidade
sistêmica de enfrentar a crise estrutural e o declínio do imperialismo
estadunidense.
A derrota de Kamala
Harris, candidata pelo Partido Democrata, evidencia a distância abissal deste
partido das principais inquietações dos trabalhadores dos Estados Unidos,
primeiras vítimas do sistema de opressão e exploração. A campanha de Kamala
Harris ignorou essas preocupações, priorizando os “valores liberais”. Pior, a
candidata, sendo vice-presidente, é responsável pelas mazelas sociais. Não era
possível escamoteá-las exaltando os “bons indicadores macroeconômicos”.
O apoio incondicional
do Partido Democrata a Israel durante o genocídio gerou descontentamento entre
as comunidades árabes e muçulmanas, além de setores sensíveis ao tema dos
direitos humanos. As correntes progressistas, sobretudo parte da juventude, mobilizaram-se
em manifestações contra o genocídio e a cumplicidade do governo Biden/Kamala
com Israel. Esse posicionamento pôs em evidência o caráter belicista do governo
Biden/Kamala.
A vitória de Trump
marca o fortalecimento da extrema-direita nos Estados Unidos e sinaliza uma
agenda agressiva em termos de políticas internas e externas. Trump declarou que
seu segundo mandato será focado em “colocar a América em primeiro lugar” e “restaurar
a ordem”, o que inclui uma abordagem mais rígida sobre a imigração, a redução
de regulamentações trabalhistas e uma política de segurança pública mais
punitiva.
Para Trump, “colocar a
América em primeiro lugar” é a senha para reforçar o nacionalismo de potência
imperialista, o que a qualquer momento pode expressar-se por meio de atos de
intervenção e agressão pelo mundo, o exercício de uma política externa unilateralista
e a exacerbação de rivalidade com a China, a partir da intensificação da guerra
comercial, da oposição ao BRICS,o que afetará também os interesses da Rússia.
Pode ocorrer também o agravamento de contradições interimperialistas com os
setores hegemônicos da União Europeia e parceiros da Otan.
Na América Latina, a
vitória de Trump implica riscos acrescidos de aumento da hostilidade a países
dirigidos por forças revolucionárias, anti-imperialistas e socialistas, como
Cuba, Venezuela e Nicarágua. Isto é um sinal de alerta também para outros governos,
que mesmo não sendo anti-imperialista, e tendentes à conciliação com os Estados
Unidos, como Brasil e Colômbia, não se dispõem ao alinhamento com as posições
de Trump.
Voltando aos mantras
de Trump. A “era de ouro” está cada vez mais distante para o imperialismo, que
perdeu terreno e, independentemente de políticas agressivas, não tem mais
condições de deter a multipolaridade e a ascensão da potência chinesa. Quanto à
força política de Trump constituir o "maior movimento político de
todos os tempos", fica claro o propósito de soerguer uma poderosa força de
direita. O inevitável efeito disso é a polarização com as forças da resistência
e da luta dos trabalhadores e povos, o que em perspectiva pode ensejar o
surgimento de um também poderoso movimento político progressista e
revolucionário, anti-imperialista e voltado para o socialismo, o que abrirá
nova era da luta pela libertação nacional e social dos povos do mundo.
¨ A eleição de Trump: uma lição urgente para o Brasil. Por João
Lister
A volta de Donald
Trump ao cenário político dos Estados Unidos como presidente eleito nesse 2024
é uma constatação incômoda das falhas de accountability do sistema judicial
estadunidense. O ex-presidente, ainda influente e amplamente seguido, até hoje
não foi plenamente responsabilizado por sua tentativa de minar o processo
democrático e incentivar a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Esse
episódio levanta uma preocupação universal para qualquer nação democrática: até
que ponto a impunidade de líderes autocráticos pode corroer o próprio sistema
político? E como essas democracias, ao hesitar em responsabilizar figuras
controversas e polarizadoras, arriscam-se a promover uma cultura de leniência
com o autoritarismo?
O caso americano é
emblemático e deveria ser um ponto de reflexão para todos os sistemas judiciais
ao redor do mundo. Em qualquer democracia funcional, a independência entre
Justiça e política deve ser clara. Contudo, o processo para investigar e punir
Trump – mesmo diante de provas documentadas de sua interferência no processo
eleitoral e seu incentivo direto a atos de insurreição – escancara uma falha
institucional inquietante. Em vez de agir com rapidez para preservar a
estabilidade democrática, as instituições hesitaram, prolongando os processos
legais e permitindo que Trump mantivesse sua narrativa de "vítima" de
um sistema "corrupto". Esse atraso contribui para normalizar a ideia
de que figuras políticas proeminentes podem subverter as regras democráticas e,
ainda assim, permanecer impunes, um sinal perigoso para a saúde de qualquer
democracia.
A decisão de não agir
com rigor perante essa transgressão incita uma polarização sem precedentes e
oferece uma falsa legitimidade àqueles que se consideram acima da lei. Esse
contexto coloca em risco não apenas o processo eleitoral, mas também a confiança
pública nas instituições, o que é essencial para a continuidade de uma
democracia robusta. O que se observa é que a força de figuras populistas,
quando não limitada por um sistema de freios e contrapesos firme e célere,
promove um ciclo de ódio, extremismo e desinformação que pode minar até mesmo
as democracias mais tradicionais. Ao hesitar, o sistema judicial estadunidense
dá espaço para que Trump se apresente não como um líder que violou a ordem
democrática, mas como um defensor de seus apoiadores “perseguidos”, reforçando
uma narrativa incendiária.
No Brasil, a situação
se apresenta com paralelos preocupantes. Em 8 de janeiro de 2023, cenas de caos
e violência tomaram conta da Praça dos Três Poderes em Brasília. Grupos de
apoiadores de Jair Bolsonaro, inconformados com a derrota eleitoral, invadiram
e vandalizaram as sedes dos três Poderes da República em uma tentativa
explícita de desestabilizar o governo democraticamente eleito. Em um ato que
espelha o que ocorreu nos EUA, os bolsonaristas não agiram sozinhos: o
ex-presidente Bolsonaro fomentou, desde o início, uma desconfiança no processo
eleitoral, apoiando teorias sem fundamento de fraude e deslegitimando as
instituições que garantem a integridade do pleito.
Esse fenômeno de
deslegitimação das instituições é mais perigoso do que aparenta. Ao promover a
desconfiança e incitar o ódio, líderes como Trump e Bolsonaro não apenas
fomentam atos de insurreição, mas também criam uma atmosfera de incerteza que
mina a estabilidade social e política. Quando a população começa a acreditar
que as instituições não são confiáveis, abre-se espaço para que o próprio
tecido democrático seja questionado e corroído. Em ambos os países, a hesitação
em aplicar sanções legais rigorosas a esses líderes coloca em risco o próprio
sistema, ao permitir que o autoritarismo encontre espaço para crescer e para se
normalizar.
Desde os ataques
contra a democracia, tanto Trump quanto Bolsonaro mantiveram uma campanha
constante de desinformação, disseminando fake news para sustentar suas
narrativas e fortalecer suas bases. Por meio de discursos públicos e postagens
em redes sociais, ambos seguem promovendo teorias de conspiração e alegações
infundadas sobre fraudes eleitorais e perseguição política. Essa prática não
apenas perverte o sistema democrático, mas também confunde e polariza o
eleitor, afastando-o da verdade factual e debilitando sua capacidade de tomar
decisões informadas. Ao minar a confiança nas instituições e manipular a
opinião pública, essa estratégia de desinformação cria um ambiente propício
para a normalização de líderes autocráticos e pode, inclusive, ajudar a explicar
o ressurgimento de Trump nas eleições atuais. A continuidade desse
comportamento levanta um alerta para a importância de medidas mais severas e
urgentes contra a propagação deliberada de mentiras políticas, sem as quais a
democracia pode se tornar cada vez mais vulnerável.
Para que o Brasil
evite os mesmos erros que os Estados Unidos, seu sistema judicial precisa atuar
com celeridade, o que não vem ocorrendo, pois se por um lado o STF já puniu
centenas de criminosos sobre a tentativa de Golpe, no 08/01; por outro lado,
Bolsonaro vai escapando pelo meio dos dedos da Justiça. Atuar com rigor e
celeridade, especialmente diante de crimes que ameaçam a ordem democrática é
necessário, para que o Brasil não seja o EUA, de hoje, que elegeu Trump. Em
casos de ataque ao processo eleitoral e de promoção de teorias conspiratórias
sem fundamento, a reação judicial não pode ser morosa. A demora no julgamento
de Bolsonaro e seus aliados, envolvidos direta ou indiretamente nos eventos de
8 de janeiro, alimenta a falsa percepção de que atos antidemocráticos podem ser
tolerados. Além disso, o Brasil corre o risco de criar um perigoso precedente:
se Bolsonaro e seus apoiadores não enfrentarem consequências concretas, uma
nova tentativa de desestabilizar o país no futuro poderá se tornar ainda mais
provável.
Ao agir com firmeza e
rapidez, o Brasil pode não apenas manter sua democracia intacta, mas também
enviar uma mensagem clara ao mundo: a de que está comprometido em proteger os
valores democráticos e que líderes não estão acima da lei. Na era da hiperconectividade,
onde narrativas populistas e antissistêmicas são amplificadas pelas redes
sociais, a democracia não pode se dar ao luxo de ser complacente com aqueles
que ameaçam sua essência. No Brasil, é essencial que a justiça se imponha de
maneira incisiva, demonstrando que atos golpistas não passarão sem resposta e
que as instituições brasileiras são resilientes e determinadas a se preservar.
Este é um momento
decisivo para o país. A resposta à insurreição de 8 de janeiro precisa ser
contundente, não apenas como forma de justiça, mas também como uma defesa
explícita da democracia. Se o Brasil falhar, estará transmitindo uma mensagem
perigosa: a de que a democracia pode ser minada sem consequências, de que o
autoritarismo tem espaço em um sistema que deveria ser igualitário e justo. E
Trump pode apontar, não suas caravelas, mas seus eficientes Marines, ao Sul da
América.
Fonte: Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário