quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Flávio Aguiar: A Europa prepara-se para a guerra

Sempre que a Europa preparou-se para guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos

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Um autêntico calafrio percorreu toda a Europa na semana passada. Noticiou-se com destaque que os governos da Suécia e da Finlândia divulgaram para seus cidadãos manuais sobre como proceder no caso de uma guerra contra terceiros.

O governo sueco distribuiu pelo correio uma brochura de 32 páginas. O finlandês disponibilizou uma publicação online.

Embora o nome não aparecesse, era óbvio que se tratava de uma guerra com a Rússia. A Suécia não tem uma fronteira terrestre com a Rússia. Há uma fronteira marítima entre ela e o enclave russo de Kaliningrado, espremido entre o Mar Báltico, a Lituânia e a Polônia. A Finlândia tem uma fronteira terrestre com a Rússia de 1.343 km.

Ambas mensagens abordam outras crises, como a ocorrência de pandemias, desastres naturais e ataques terroristas. Mas o destaque no noticiário foi para a guerra, graças à existência do conflito direto entre a Rússia e a Ucrânia, que tem o apoio da OTAN, de que não faz muito Suécia e Finlândia passaram a integrar.

Tanto na Suécia como na Finlândia as instruções envolvem a manutenção de estoques de alimentos, água, remédios e dinheiro, a guarda de cartões de crédito, conselhos sobre como se manter informado através do rádio, a busca de abrigos coletivos no caso de ataques aéreos ou nucleares, como neles se comportar ou onde se proteger caso seja impossível chegar até eles.

Logo no começo das instruções suecas, encontra-se a seguinte exortação patriótica: “Se a Suécia for atacada, nós nunca nos renderemos. Qualquer sugestão em contrário é falsa”.

Aos poucos surgiram informações complementares. Em ambos os casos, tratava-se de uma atualização de instruções anteriores. Também noticiou-se que outros governos, como os da Dinamarca e da Noruega distribuíam instruções semelhantes. Nada disto atenuou o impacto midiático do clima de preparação para uma guerra.

Para engrossar o caldo, a Alemanha entrou na dança. A mídia do país noticiou a existência de um documento do Exército até então secreto, com mil páginas sobre a possibilidade e os desdobramentos de uma guerra com a Rússia. Entre outras coisas o documento prevê que a Alemanha se transformaria num imenso corredor por onde passariam centenas de milhares de tropas da OTAN – norte-americanas e outras. O país se transformaria no grande organizador logístico do fluxo de tropas, suprimentos e armas de variada espécie para o conflito.

Outras informações vieram à tona. O Exército está disponibilizando instruções específicas para empresários sobre como adequar suas empresas à circunstância de uma guerra, com destaque para a questão dos transportes.

Para compreender o impacto destas informações, deve-se levar em conta a moldura em que surgiram e alguns antecedentes.

Concomitante a elas noticiava-se uma escalada de fato ou retórica em torno da guerra na Ucrânia e agora também em território russo, com a invasão da região de Kursk por tropas ucranianas.

Noticiou-se a presença de tropas norte-coreanas em território russo, em apoio a Moscou. O governo de Joe Biden autorizou a utilização pela Ucrânia de mísseis de longo alcance contra território russo, e o fornecimento de minas terrestres contra veículos e pessoas para o governo de Kiev. Este anunciou que a Rússia lançara um míssil de longo alcance, capaz de levar uma ogiva nuclear, contra seu território.

Moscou relaxou as normas para utilização se armas nucleares em caso de conflito, sobretudo se atacada por um país que tivesse o apoio de uma potência nuclear. França, Alemanha e Polônia anunciaram estarem aumentando significativamente seus orçamentos militares. O exemplo pode ser seguido por outros países. Os Estados Unidos anunciaram o restabelecimento de mísseis em território europeu.

A TV russa divulgou uma reportagem comentando quais cidades europeias poderiam ser alvo de ataques por mísseis de longo alcance. Não faz muito o governo de Joe Biden aumentou em 20% a presença de pessoal militar e conexo norte-americano no continente europeu, contingente que hoje passa de 120 mil, maior do que, por exemplo, todo o Exercito do Reino Unido. Autoridades civis e militares alemãs já falaram abertamente que é possível haver uma guerra com a Rússia em cinco ou seis anos. Em suma, a Europa se prepara para a possibilidade da guerra.

Políticos que admitem o risco usam com frequência o dito popularizado em latim, “si vis pacem para bellum”, “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Entretanto lembremos que o currículo europeu na matéria não é bom. Sempre que a Europa preparou-se para guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos.


A Terceira Guerra Mundial. Por Ruben Bauer Naveira

A Rússia irá retaliar o uso de mísseis sofisticados da OTAN contra seu território, e os americanos não têm dúvidas quanto a isso

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Recentemente o site A Terra é Redonda, publicou o meu artigo em que delineio várias possíveis trajetórias para o conflito (há muito tempo) em curso entre Estados Unidos e Rússia.

No dia de ontem, segunda-feira 25, a Ucrânia atacou (mais uma vez) a retaguarda russa com mísseis ATACMS de fabricação americana, atingindo o aeroporto militar de Khalino na cidade de Kursk. Fontes ucranianas dizem que o ataque foi bem sucedido (teria sido destruído um sistema de defesa antiaérea S-400 dos russos, um alvo de elevado valor). Já as fontes russas dizem não ter havido danos significativos. Ambas, porém, reconhecem que o ataque aconteceu.

Não apenas sistemas sofisticados como o ATACMS são operados (programados) por militares americanos atuando clandestinamente na Ucrânia, como a identificação, a seleção e o mapeamento das coordenadas espaciais dos possíveis alvos são levados a cabo a partir de ISR (sigla para Intelligence, Surveillance and Reconnaissance) as quais somente têm como ser providas pelos Estados Unidos, especialmente a partir das imagens esquadrinhadas pela sua onipresente malha de satélites.

Também no dia de ontem, a Casa Branca pela primeira vez assumiu oficialmente que a Ucrânia está autorizada a utilizar mísseis ATACMS para ataques a território da Rússia, com a ressalva de que esta autorização vale por enquanto apenas para a província (oblast) de Kursk – como se isso fosse servir de atenuante perante os russos.

Vladimir Putin havia deixado bem claro em seu discurso na quinta-feira, 21, que, se esse tipo de ataque voltasse a ocorrer, instalações militares dos países ocidentais envolvidos (no caso, os Estados Unidos) seriam alvo de retaliação russa.

Ainda que Vladimir Putin pudesse estar em seu íntimo determinado a levar para casa todo e qualquer desaforo até raiar o dia 20 de janeiro, a partir de quando passará a se entender com Donald Trump, os americanos não estão dispostos a lhe deixar nenhuma margem de manobra nesse sentido. Naquele meu texto publicado anteontem, estimei em cinco por cento as possibilidades de algo assim ocorrer. Hoje, porém, já estou achando cinco por cento muito.

Em suma, a Terceira Guerra Mundial começou.

A retaliação russa virá – e os americanos não têm dúvidas quanto a isso. Assim, eles já estão preparados para o “pós-retaliação”, ou seja, para a escalada militar contra os russos. A Rússia, igualmente, também está preparada para esta escalada.

O problema com a escalada é que ela rapidamente conflui para uma guerra nuclear – a menos que, no decorrer do processo, um dos lados consiga “se impor” sobre o outro, manifestando tamanha superioridade militar que leve o outro lado a recuar (na prática, a se render). Essa capacidade de imposição é denominada no jargão militar de “escalation dominance” (“domínio da escalada”). Naturalmente, nem americanos nem russos percebem um no outro tal capacidade, do contrário não cometeriam o desatino de desafiar o oponente.

Contudo, analistas militares como Andrei Martyanov advogam que a Rússia possuiria sim essa capacidade de dominar a escalada – tomara que ele tenha razão, do contrário o conflito culminará em guerra nuclear.

No meu texto de anteontem, tomei por base as palavras de Vladimir Putin em seu discurso do dia 21 para prever que a Rússia em algum ponto da escalada jogará uma bomba nuclear em alguma cidade ucraniana, dando, no entanto, aviso prévio de modo a propiciar a fuga do máximo possível de civis. O propósito seria intimidar os americanos e levá-los a interromper a escalada, na premissa de que eles iriam recear que outras bombas nucleares viessem a exterminar cidadãos americanos, bem como de que, pela óptica dos americanos, os ucranianos não passariam mesmo de bucha de canhão descartável.

Ainda que algo perturbador assim possa fazer sentido (e possa vir a surtir o efeito esperado), isso não seria domínio da escalada (porque os americanos também são capazes de jogar bombas nucleares sobre cidades), seria no máximo uma tentativa de estancar a escalada antes que as coisas fiquem realmente muito feias.

Enfim, a todo mundo no mundo (inclusive aos americanos e russos), restará prender a respiração enquanto acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos.

A respeito do timing para a retaliação russa ao ataque ucraniano/americano de ontem: considero improvável que essa retaliação venha de imediato (tipo hoje, ou amanhã). Ao contrário dos americanos, os russos são mais cerebrais e menos impulsivos. O que está em jogo é o destino do país (Rússia), e a “dosagem” da resposta (nem tão fraca que estimule os americanos a prosseguir escalando, nem tão forte que os obrigue a partir para um tudo-ou-nada) necessita ser muitíssimo bem ponderada, calibrada e planejada.

E se, no final das contas, vier mesmo a guerra nuclear? O mundo vai acabar? Não, o mundo não vai acabar. O que vai acabar com toda certeza é este mundo ao qual estivemos acostumados desde o dia que nascemos. E então precisaremos inventar um novo mundo, e um novo modo de vivermos nele as nossas vidas. Partilhei as minhas reflexões a esse respeito no texto “O Pós-Guerra Nuclear no Brasil”, que lhe convido a acessar.


Tempos interessantes. Por Samuel Kilsztajn

A Revolução Francesa, para um ocidental, é algo muito distante, mesmo para os adultos. Para os jovens, então, até o Império americano é antediluviano (embora exista há apenas um século). Mas, quando se pergunta para um oriental o que ele acha da Revolução Francesa, a resposta é “Ainda é muito cedo para se falar do assunto”.

A Revolução Francesa pôs fim à monarquia absolutista há pouco mais de duzentos anos e a reação da aristocracia da Europa continental levou Napoleão Bonaparte a exportar a revolução. Mesmo no interior da sociedade francesa, a revolução deu passos à frente e passos atrás, brilhantemente traçados pela pena de Honoré de Balzac em La Comédie humaine.

Na Inglaterra, contudo, o fim da monarquia absolutista precedeu a Revolução Francesa em mais de um século. Sob a liderança de Oliver Cromwell, o Rei Carlos I da Inglaterra foi julgado e decapitado em 1649. Após a Restauração em 1660 e a Revolução de 1688, a monarquia foi constitucionalmente submetida ao Parlamento Inglês, que passou a deter o poder real. A sujeição da pragmática monarquia inglesa ao parlamento, monarquia que perdura até os nossos dias, neutralizou uma possível lamentação pela execução de Carlos I, ao contrário das execuções de Louis XVI pela Revolução Francesa e do Czar Nikolai II pela Revolução Russa.

Até a Revolução Industrial na segunda metade do século XVIII, o oriente ficava muito longe da Europa, em grande parte administrado pelos impérios russo, otomano, indiano e chinês. Alexandre I derrotou o exército de Napoleão em 1812, mantendo o Império Russo refratário às conquistas liberais que dominaram a Inglaterra e a Europa Continental. A Índia foi submetida à Inglaterra no início do século XIX e a China durante as Guerras do Ópio em meados do mesmo século. O Império Otomano só ruiu no início do século XX, após a Primeira Guerra Mundial.

Os russos, particularmente, depois de enfrentarem Napoleão, o mundo ocidental por ocasião da Revolução de 1917 e Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, continuam sendo desafiados com a sedução da Ucrânia pelo ocidente. O mundo ocidental também se empenhou em modernizar os xiitas do Irã, que se insurgiram em 1978. Então, para combater os persas, resolveu armar o Iraque, que saiu de controle e acabou sendo invadido. A seu capricho, o ocidente subverte as culturas orientais e, depois, retira-se de forma inconsequente, abandonando os nativos “modernizados” à própria sorte, como fez há pouco tempo no Afeganistão.

A Índia só ganhou sua independência com a desobediência civil em meados do século XX. O Império Chinês, depois da intervenção ocidental em meados do século XIX, ruiu em 1911. Chiang Kai Shek ocidentalizou o país, mas foi derrotado por Mao Tsé Tung em 1949. A Índia e a China estão agora se preparando para se vingar do ocidente – que achou que tinha destruído as suas culturas milenares – utilizando as próprias ferramentas do ocidente: o mundo da mercadoria (sem esta coisa chamada direitos trabalhistas).

O avanço destes países em seu projeto pode ser sentido nas polêmicas reações dos Estados Unidos para a proteção de seu mercado, reações que, entretanto, afetam a sua própria economia. César, Kaiser, Czar, a história da humanidade já assistiu ao desmoronamento de muitos poderosos impérios. O sintoma da decadência dos Estados Unidos pode ser conferido na ascensão de um político emotivo, fanfarrão grotesco que esbraveja ao vento, com uma postura muito pouco apropriada para um estadista.

Liberté, égalité, fraternité sempre foi, no máximo, um lema com validade restrita às populações de origem europeia (a vizinha Argélia e a longínqua Nova Caledônia que o digam). Com a Revolução Industrial, a selvageria dos europeus, que já havia se manifestado em sua conquista anterior aos continentes americano, africano e oceânico, se estendeu à Ásia, do Oriente Próximo ao Extremo Oriente. A ganância dos ocidentais levou-os a querer abraçar o mundo, ou melhor, colocar o mundo de joelhos aos seus pés.

O estandarte da democracia, ostentado pelo ocidente, sempre foi usado como um mero instrumento de dominação. Mais recentemente, durante a Guerra Fria, o Ocidente fomentou ditaduras sangrentas na América Latina. Lutou com unhas, dentes e napalm para “garantir a democracia” no Sudeste Asiático, mas, até hoje, não está minimamente interessado em apoiar o avanço da democracia nos países do Oriente Médio que lhe são subservientes, preferindo lidar com regimes autocráticos e monarquias.

O ocidente dominou o oriente, mas a Revolução Francesa nunca atingiu a Rússia, o Islão, a Índia e a China. Os sagazes e traiçoeiros ocidentais consideram que a sua cultura é sinônimo de civilização – prezam o livre-arbítrio, a individualidade e a sua “identidade” – e não conseguem entender minimamente a cultura e os valores das sociedades orientais, que consideram folclóricas, esotéricas e bárbaras. Do ponto de vista ocidental, a China produz autômatos, a Índia marginaliza castas inferiores, o Islão produz fundamentalistas e a Rússia agrega um bando de alcoólatras.

O ocidente, em sua postura missionária altruísta, como se não tivesse nenhum interesse escuso a defender, está sempre pronto para socorrer o oriente, para impedir que facções mortíferas se aniquilem umas às outras. Só a título de ensaio, não é possível sequer imaginar algum dos impérios orientais ter invadido o ocidente para se imiscuir nas desavenças entre católicos e protestantes durante a Reforma, ou se prestado a apartar ingleses, franceses e alemães em suas históricas querelas.

Mas não se preocupem, porque os ocidentais sabem mais e, com a melhor das intenções, estão empenhados em sacrificar seus nobres cidadãos para salvaguardar o mundo, levar os valores humanistas e a democracia para livrar a humanidade dos fabricantes de androides, elitistas, sanguinários e bêbados que infestam o planeta. A seu favor, os ocidentais, em seu curriculum e no peito, ostentam as medalhas que angariaram por terem transformado fogos de artifício em armas de fogo, salvado as almas dos letárgicos habitantes originários das Américas e da Oceania e propiciado trabalho para esses vagabundos africanos subsaarianos.

Embora a crise da civilização ocidental seja patente no meio acadêmico, crítico ao colonialismo, reproduzimos a postura colonialista ao nos apegarmos ao paradigma ocidental de pensamento como se fosse universal, com manifesto desprezo ao milenar pensamento oriental. Ao que tudo indica, vamos ter que lidar com questões sobre livre-arbítrio, antropocentrismo, gênero etc. em um mundo totalmente ininteligível para um ocidental. O que será que a China e o Islão pensam de Spinoza?

Ou seja, o ocidente está cego e sem conserto. Se você estiver achando este artigo algo catastrófico, então não assista à entrevista do José Arbex Junior, que beira a humor negro. Ah, eu estava esquecendo da crise climática e da inteligência artificial. É que a modernidade me traz desconforto. Mas, se você estiver muito interessado, consulte a Eleonora Albano.

Em tempo: para os chineses, viver momentos interessantes é uma maldição, uma praga.


Fonte: A Terra é Redonda


 

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