terça-feira, 12 de novembro de 2024

EXTREMA DIREITA: Por que devemos falar de fascismo?

Os movimentos fascistas não acabaram com as mortes de Mussolini e Hitler. Pelo contrário, a experiência fascista extrapola a presença física desses dois.

O dia 9 de novembro é celebrado como o “Dia Internacional contra o Fascismo e o Antissemitismo”. Para além, é um dia marcado por tributos e recordações, em especial na Alemanha, que rememora a “Noite dos Cristais” (Kristallnacht), massacre antissemita que resultou em destruição e vandalismo nas sinagogas em todo o Reich em 1938, e a queda do Muro de Berlim, fato que possibilitou a reunificação do país, em 1989. 

Com 17 anos de antecedência, em 1921, nessa mesma data, em Roma, uma moção de Michele Bianchi proclamou a constituição do Partido Nacional Fascista. O mais curioso é que Bianchi, assim como Mussolini, era sindicalista e foi membro do Partido Socialista Italiano, mudando seu pensamento a partir do apoio à entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Para fins de conhecimento, no recém-formado governo fascista, Bianchi era considerado o “colaborador mais próximo de Benito Mussolini”, ocupando o cargo de secretário-geral, e, posteriormente, foi demitido em 1923 ao assumir o Grande Conselho do Fascismo, sendo, um ano depois, eleito para a Câmara dos Deputados. Todavia, para entendermos como o fenômeno do fascismo, tema deste opúsculo, cresce e incorpora adeptos, mesmo na contemporaneidade calejada por seus sinais, discursos e alvos, é necessário compreender qual é a substância do fascismo, o seu significado, qual é a sua ameaça e como podemos defini-lo.

·        O que é fascismo?

Antonio Scurati, importante escritor e professor da Universidade de Milão, apresenta uma perspectiva embasada no pós-guerra de que o fascismo só pode ser compreendido e debatido a partir da consciência de que é um fenômeno propriamente italiano, ou seja, com raízes na península e características próprias daquela região. O motivo de sua proliferação nos últimos anos, segundo o estudioso, deve-se ao não enfrentamento dos próprios italianos com seu passado e à proliferação de elementos “neofascistas” no mundo, que são incorporados por atores políticos extremistas de acordo com suas necessidades e finalidades locais.

Para Salvemini e Roselli, o fascismo é definido como uma política que se utiliza da burocracia para substituir as velhas classes dirigentes. Em si, o fascismo é incapaz de realizar até mesmo seus objetivos e de resolver as contradições da sociedade capitalista, apresentando uma solução vazia de conteúdo para diversos problemas e buscando no discurso antidemocrático a saída para sustentar seus planos de permanência e proliferação. A democracia, desse modo, torna-se a antítese da apologia autoritária defendida pelos líderes fascistas, evitada a qualquer custo na sociedade autocrática. O nacionalismo, acima dos ideais humanitários e democráticos, porta mais que um projeto de poder ou permanência, sendo percebido por seu desejo de normalizar o terror e a violência. Isso está em seu DNA.

Segundo Robert Paris, em seu livro As Origens do Fascismo, o Risorgimento pode ter deixado uma lacuna propícia aos discursos fascistas, no que diz respeito à falta de participação das massas populares e à vulnerabilidade da burguesia enquanto classe, gerando um cenário de atraso no desenvolvimento econômico e retrocesso das estruturas italianas. A partir disso, entendemos o que Giovanni Gentile, filósofo, político e figura expoente do fascismo italiano, observa e define em Origini e dottrina del fascismo: “o fascismo é um segundo Risorgimento”. Os objetivos das classes subalternas são diluídos e substituídos pelos interesses “nacionais”, num processo de subversão do sentido de “popular”, que passa a ser compreendido como “interesse nacional”. Assim, tanto a classe burguesa — que apoiou a gênese do movimento fascista como meio de sobrevivência e alcance de poder — quanto a classe trabalhadora não ofereceram forte resistência ao “novo Risorgimento”, visto o terreno formado e propício para que os ideais de Mussolini fossem germinados e evoluíssem.

Categoricamente, o fascismo é caracterizado pelo medo ao diferente, pela forma violenta de expressão, pelo populismo e pela exaltação de um líder, pela repressão e pela criação de um contínuo estado de ameaça (seja ele econômico, político ou social). Umberto Eco, filósofo e semiólogo italiano falecido em 2016, apresenta a urgência em apontar a ameaça causada pelo fascismo, que está longe de ser um momento restrito à história italiana. O fenômeno, para Eco, se adapta conforme as circunstâncias, culturas e particularidades específicas, ganhando um novo corpo a cada época. Por isso, na visão do autor, podemos falar em “fascismos”, lamentavelmente, inclusive, em nossa contemporaneidade.

·        O falso sentimento de grandeza

Um dos interesses do fascismo é criar um gosto pelo monumental, pelo mitológico e pelo fantasioso, com o intuito não apenas de subverter, mas também de iludir os sentidos. Essa falsa consciência não pode ser separada de uma degradação da historicidade e da temporalidade, sendo evidente na pretensão (tanto do nazismo quanto do fascismo, por exemplo) de retomar referências históricas que remetam à grandeza: “Reich de Mil Anos” ou “Terceira Roma”. Valoriza-se, portanto, o espaço em detrimento da temporalidade. A busca por uma “identidade perdida”, criando antagonistas e contradições que justifiquem a liberação desordenada dos impulsos, tem por finalidade a construção de uma lógica que justifique o discurso do “fim da história”. A tara fascista pelo trágico e pelo apocalíptico perdura ao longo dos anos, tornando-se motor de muitos discursos espalhados pelo mundo. Por quê? Justamente pela prisão que o medo constrói. São em momentos de aparentes mudanças e crises que o fantasma do fascismo volta a assombrar.

·        Qual a face atual do fascismo?

Há muitos anos, media-se a força de uma ideologia não somente pelo número de seus adeptos, mas pelo impacto causado por suas manifestações públicas de apoio. Passeatas, manifestações nas ruas, protestos — todos esses instrumentos eram utilizados no intuito de mostrar apoio ou insatisfação com coisas ou pessoas, com regimes ou líderes. O primeiro grande impacto público do fascismo em terras italianas, sem dúvida, foi a “Marcha sobre Roma”, em 1922, sob a batuta de Benito Mussolini, manifestação fascista com características de golpe de Estado. Essa demonstração pública de apoio fez com que as estruturas democráticas daquele país ficassem vulneráveis aos ataques políticos que viriam a suceder.

É importante lembrar que os movimentos fascistas não acabaram com as mortes de Mussolini e Hitler. Pelo contrário, a experiência fascista extrapola a presença física desses dois. Outros países europeus vivenciaram o fascismo sob a regência de líderes autoritários, naquele contexto, como Salazar em Portugal e Franco na Espanha, pois esse múnus ditatorial engloba relações de poder em uma escala macro, além de interesses sociais e econômicos que abrangem mais do que o Estado e o governo. As ditaduras fascistas demonstraram aversão à pluralidade de pensamento e à democracia, pois o “oposto” é considerado uma ameaça desde a sua manifestação inicial. Por conta disso, há uma necessidade vital no fascismo em seguir padrões e controlar, sem medida, tudo o que envolva um risco para sua permanência no poder.

O modus operandi continua o mesmo nos dias atuais: perseguição, violência e intolerância. O filósofo Theodor Adorno, em seu livro Aspects of the New Right–Wing Extremism, nos alertou, na década de 1960, sobre o retorno do fascismo e que não devemos “subestimar esses movimentos por causa de seu baixo nível intelectual”. Com a democratização e a expansão das mídias sociais, esses movimentos extrapolam as limitações geográficas e se organizam em novos blocos: não são apenas organismos partidários, mas digitais. A produção de conteúdo nas redes digitais, financiada por reacionários e bilionários espalhados pelo mundo, tornou-se matéria imprescindível na arena de disputa da hegemonia.

A estratégia de expansão do fascismo atual (ou neofascismo, se preferir) está alicerçada em quatro colunas: 1) atuação nas redes digitais; 2) rompimento do debate baseado em fatos; 3) nova roupagem para valores reacionários; 4) desinformação e expansão de fake news. A internet se tornou um veículo primordial e necessário para os extremistas na disputa por espaço e hegemonia política e, por conta dos bons resultados nos últimos anos, no que diz respeito às eleições ao redor do mundo, o fluxo de desinformação é contínuo, sem parar. Os alvos são sempre os mesmos: a política é descredibilizada; a democracia é posta em risco; a misoginia e o racismo são adotados como princípios norteadores.

Para completar, assim como fizera Mussolini na Itália ao tentar se aproximar da religião católica com as concordatas envolvendo o Vaticano, com o intuito de maquiar sua violência e autoritarismo sob o véu da piedade, atualmente são os fundamentalistas religiosos (com menção honrosa à nossa bancada evangélica) que se prestam ao papel de “serviçais” dos neofascistas.

O dia 9 de novembro é reservado para lembrarmos as atrocidades do passado, para não repetirmos no presente os mesmos erros e comprometermos o futuro de todos. Seria importante que tomássemos cuidado com os movimentos de certos atores políticos por aí…

 

¨      O que significa ser antifascista e por que o bolsonarismo é o fascismo do século 21

Desde as eleições presidenciais de 2018, as palavras “fascista” e “fascismo” passaram a figurar assiduamente no debate político, principalmente pautadas pelos discursos e práticas de Jair Bolsonaro.

Assim como Bolsonaro, nos Estados Unidos, Donald Trump também enfrenta uma

<><> Mas o que significa ser fascista e antifascista?

Armando Boito Júnior, professor Titular de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que o fascismo é um movimento social reacionário que se situa nas camadas intermediárias da sociedade capitalista, ou seja, nas classes médias, e tem como principal objetivo a eliminação da esquerda do processo do político.

Segundo ele, o fascismo tem uma ideologia “de culto à violência, anticomunista, contrária aos movimentos de modernização e democratização dos costumes e da sociedade”, e é um regime político cujo auge pode desembocar em uma ditadura fascista, onde há a paralisia das liberdades coletivas e individuais. 

Na mesma linha, Valério Arcary, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), explica que o fascismo surge para anular a força política da classe trabalhadora para garantir a manutenção e o desenvolvimento dos negócios capitalistas.

Para atingir esse objetivo, afirma Arcary, a primeira meta do fascismo é anular os movimentos de esquerda para, como ocorre no Brasil, "poder avançar na ruralização da Amazônia, impor a superexploração sem contrato de trabalhos no mundo urbano, anular a luta das mulheres por direitos iguais”, por exemplo.

Arcary entende o bolsonarismo como um exemplo de fascismo do século 21, por isso movimentos antifascistas também têm sido observados no Brasil. “O seu objetivo é subverter todas as liberdades democráticas conquistadas pela geração da década de 1980. Diante disso, surge um movimento antifascista, que tem como objetivo, então, a defesa das liberdades democráticas e, portanto, interromper a corrente fascista”, agregando todos aqueles que defendem as liberdades democráticas, sendo, portanto, heterogêneo, explica Arcary.

<><> E o neofascismo?

Diferente do fascismo, o neofascismo traz certas particularidades do século 21, em relação ao movimento fascista do século 20, organizado em torno de regimes como o de Adolf Hitler, na Alemanha, o de Benito Mussolini, na Itália, o de António Salazar, em Portugal, e o de Francisco Franco, na Espanha.

Segundo Valério Arcary, “o neofascismo é o fascismo do século 21. Os fascistas do século 21 são uma família, mas o gênero é fascista. Assim como fascismo do século 20 tinha o salazarismo, franquismo, nazismo. Mas era um movimento de um mesmo gênero, eram todos fascistas, divididos em várias famílias. O bolsonarismo é o fascismo brasileiro do século 21”. 

Boito Júnior destaca que no neofascismo brasileiro há um grande envolvimento da classe média, e à diferença do fascismo clássico, há um alinhamento aos setores da burguesia mais ligados ao capital estrangeiro, criando uma espécie de fascismo neoliberal.

“O governo neofascista no Brasil organiza prioritariamente os interesses do capital estrangeiro, abrindo a economia privatizante, desregulamentado e cortando direitos dos trabalhadores. É o programa neoliberal. Então, não tem contradição nenhuma dizer que o fascismo brasileiro é neoliberal.”

<><> O caso brasileiro em questão

Alguns autores brasileiros se negam a utilizar o termo neofascismo ou fascismo para o cenário atual, por acreditarem que não há elementos suficientes para tal caracterização. Boito, no entanto, alerta: “Aqueles que ainda relutam ou recusam estão subestimando o perigo que nos ameaça, porque todo governo fascista tem como programa máximo implantar uma ditadura, usando o conceito de fascismo você está consciente desse perigo, não utilizando você está subestimando o perigo.”

Outros autores, ainda, caracterizam  Jair Bolsonaro como um populista de direita. Para o professor da Unicamp, essa é uma caracterização “equivocada, porque significa dizer que o Jair Bolsonaro pertence a mesma família política do João Goulart, do Leonel Brizola, só que mais à direita”. 

Segundo Boito, o populismo é uma política personalista, que cultua a figura do líder. “Bom, o fascismo fez isso com Hitler e Mussolini.” Na verdade, para o professor, a personalização é uma tendência geral da liderança política na sociedade capitalista, e não é  suficiente para caracterizar um movimento político.

Em consonância, Valério Arcary afirma que, no Brasil, mais do que reacionário, o movimento fascista é da extrema-direita e contrarrevolucionário. “Temer era reacionário. Bolsonaro é contrarrevolucionário. É qualitativamente mais perigoso, destrutivo, é o inimigo da democracia”, defende Arcary. Para o estudioso, a peculiaridade do bolsonarismo é ser implementação do fascismo por dentro das instituições.

“Ele vai anulando as próprias instituições do regime democrático liberal, em que há pesos e contrapesos. Para os fascistas, é preciso tirar do caminho qualquer tipo de fiscalização do Congresso Nacional e de limitação do Supremo Tribunal Federal. Ele tem de anular as outras instituições e concentrar todos os poderes no Executivo, porque o fascismo é a contrarrevolução, não é só reação”, afirma Arcary.

 

¨      9 de novembro: Dia Internacional Contra o Fascismo e o Antissemitismo

O dia foi escolhido devido à sua carga histórica: em 9 de novembro de 1938, ocorreu a “Kristallnacht” (Noite dos Cristais) na Alemanha, que representou os primeiros passos da perseguição aos judeus pelos nazistas

##

“Lutar contra o fascismo não é radical, é necessário” – escreve o site DayAgainstFascism.eu, que atesta a importância da luta e organiza campanhas antifascistas em todo o mundo. A data 9 de novembro foi estabelecida pelo Parlamento Europeu como Dia Internacional contra o Fascismo e o Antissemitismo, a fim de combater a intolerância e os discursos autoritários.

O dia foi escolhido devido à sua carga histórica: em 9 de novembro de 1938, ocorreu a “Kristallnacht” (Noite dos Cristais) na Alemanha, que representou os primeiros passos da perseguição aos judeus pelos nazistas. A data ficou assim conhecida devido à imensa quantidade de vidros quebrados que cobriam as ruas nas cidades. Nesta noite, tropas alemãs destruíram mais de 8000 casas e lojas judias, incendiaram sinagogas e atacaram judeus por todo o país.

Após esse ato de perseguição, as autoridades não se manifestaram contra os ataques: o Holocausto tomava forma. A discriminação e exclusão aos judeus tornou-se uma política responsável pelo extermínio de 6 milhões, além da tortura e prisão de um número ainda maior. Além disso, o regime nazista também aprisionou em campos de concentração aqueles considerados subversivos e ameaçadores do estado, como opositores, comunistas e minorias étnicas das regiões dominadas.

As Leis de Nuremberg, propostas em 1935, já haviam determinado o antissemitismo nos códigos alemães. Sob o discurso de defesa da “honra e do sangue alemão”, os semitas tiveram sua cidadania violada pela própria lei nacional. Nesse sentido, é importante perceber que toda essa barbárie foi determinada legalmente e que grande parte da sociedade alemã também participou e compactuou com as ações de intolerância. O discurso de ódio e a propaganda nazifascista, que propagou preconceitos por toda a Europa, foram instrumentos necessários para a ocorrência desse genocídio. Dessa forma, a luta contra o fascismo não pode ser nunca relativizada. É necessário combatê-lo em sua origem, em sua raiz.

Em tempos em que se percebe a replicação de discursos preconceituosos e opostos aos direitos humanos, é preciso olhar para o passado. E não só no dia de hoje. Porque não se pode esquecer tudo o que foi realizado em nome do progresso, em nome da defesa da família e em nome da pátria. Não se pode relativizar todo o extermínio realizado por regimes fascistas até o dia de hoje. Não se pode esquecer todas as barbáries cometidas. E principalmente, não se pode permitir que elas sejam realizadas novamente.

 

Fonte: Por Railson Barboza, no Le Monde/Brasil de Fato/Sindprev-AL

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário