COP do Clima: como os riscos e danos
crescem a cada meio grau de aquecimento global
Nesta segunda-feira
(11), tem início a 29ª Conferência do Clima da ONU, a COP29, primeiro marco de
um calendário definido pelo secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU,
Simon Stiell, como “dois anos para salvar o mundo”. Considerando a intensificação
das mudanças climáticas, esse é o tempo para os países mudarem a atual rota de
aumento das emissões de gases do efeito estufa e conter o aquecimento
global.
Neste ano se completam
nove anos em que os países adotaram o Acordo de Paris, mas o ritmo de emissões
ainda não diminuiu. Pelo contrário. No ano passado elas cresceram 1,3%, e 2024
muito provavelmente vai fechar como o ano mais quente do registro histórico – o
primeiro com a temperatura média já superando 1,5 °C –, quebrando o recorde que
era do ano passado.
Se os planos
climáticos que estão hoje na mesa forem cumpridos em sua totalidade, o que
depende de recursos, o planeta ainda pode chegar a um aumento de 2,6 °C ao
longo deste século – um aquecimento catastrófico, nas palavras da ONU, e muito
distante da meta de 1,5 °C estabelecida coletivamente por quase todos os países
do mundo no Acordo de Paris, em 2015.
Para manter essa meta
viva e, assim, evitar a piora da crise climática, as emissões precisam cair 42%
até 2030 e 57% até 2050 – um corte sem precedentes, como aponta a ONU em seu último relatório. Tamanha queda exige
metas mais ambiciosas e políticas efetivas que viabilizem a transição
energética dos combustíveis fósseis para fontes renováveis em apenas algumas
décadas.
É com este desafio que
representantes de dezenas de governos se reúnem ao longo das próximas duas
semanas em Baku, no Azerbaijão. Na mesa de negociação, está um debate crucial:
quem vai pagar, e quanto, para que os países em desenvolvimento possam fazer suas ações
de mitigação e adaptação.
A COP29 inaugura o
ciclo de atualização das metas que cada país deve apresentar para cumprir o
Acordo de Paris. Sem a realização de um evento oficial, o Brasil apresentou sua nova meta na última
sexta-feira (8), pela qual se compromete a reduzir suas
emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67% em 2035, na comparação com
os níveis de 2005.
Enquanto isso, o
limite de 1,5 °C parece cada vez mais distante. A reeleição do negacionista
climático Donald Trump, que, em seu primeiro mandato, retirou os Estados Unidos
do Acordo de Paris, jogou um balde de água fria na comunidade climática. Mas a
realidade já era desafiadora mesmo antes disso. As políticas em curso
atualmente colocam o planeta no rumo de um aquecimento de 3,1 °C acima dos
níveis pré-industriais.
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Quanto mais quente,
pior. Cada meio grau conta
Pode soar como pouca
diferença – 1,5 °C, 2 °C, 3 °C –, mas imagine uma febre que eleve a temperatura
do seu corpo dos saudáveis 36-37 °C para 38 °C. No caso do planeta, um aumento
na temperatura média é ainda mais grave por bagunçar todo o interligado sistema
terrestre.
“A cada meio grau a
mais, o aumento dos extremos é exponencial”, resume o climatologista Carlos
Nobre, um dos maiores especialistas do mundo em mudanças climáticas.
Por extremos, entenda
tempestades mais fortes, secas mais severas, incêndios mais devastadores, ondas
de calor mais intensas. Esses eventos implicam, na prática, sofrimento e morte
de pessoas e animais, degradação de ecossistemas e bilhões de reais em prejuízos.
Apenas entre 2021 e 2023, eventos climáticos extremos causaram na União
Europeia uma perda de 162 bilhões de euros (mais de R$ 1 trilhão).
Um aquecimento acima
de 2,5 °C seria diferente de tudo que a humanidade já viveu ao longo de seus
milhares de anos na Terra. “Desde que o Homo sapiens existe,
há uns 200 mil anos, desde que o Homo erectus existiu, há 2-3
milhões de anos, nunca tivemos uma temperatura mais alta do que essa”, explica
Nobre.
Para explicar essas
diferenças, a Agência Pública consultou pesquisas científicas e
especialistas. Confira abaixo quais são os impactos estimados se a temperatura
do planeta subir 1,5 °C, 2 °C e 3 °C em comparação com os níveis antes da
Revolução Industrial.
·
O que já está
acontecendo com o aquecimento atual
Segundo o Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que reúne a produção
científica internacional de ponta, o oceano está aquecendo mais rápido do que
em qualquer outro momento desde o final da última Idade do Gelo – há cerca de
10 mil anos. Já os glaciares estão diminuindo a um ritmo sem precedentes nos
últimos 2 mil anos e a cobertura de gelo no Ártico é a menor do último milênio,
acelerando o aumento do nível do mar.
De acordo com uma
pesquisa da organização sem fins lucrativos Climate Central, a quantidade de
gás carbônico já presente na atmosfera pode provocar um aumento de 1,9 metro no
nível do mar ao longo dos próximos séculos. A análise aponta que, atualmente, cerca
de 5,3% da população mundial vive em áreas que ficariam abaixo das linhas de
maré alta.
O aumento na
frequência e intensidade de eventos extremos – como enchentes, tempestades,
incêndios florestais e secas – também está obrigando pessoas a procurar outros
lugares para viver em seus países. Segundo o Centro Internacional de
Monitoramento de Deslocamentos, eventos climáticos provocaram, em 2022, o
recorde de 32 milhões de deslocamentos internos, um aumento de 41% na
comparação com 14 anos antes.
Pesquisas
arqueológicas e reconstruções climáticas de até 6 mil anos atrás mostram que,
em geral, a humanidade viveu em um “nicho climático” de 13 °C de temperatura
média do planeta e 1.000 milímetros anuais de precipitação média. De acordo com
um estudo recente, com 1 °C já registrado de aquecimento, pelo menos 600 milhões
de pessoas já se encontram fora desse “nicho climático”.
Além disso, uma em
cada cinco crianças vive em áreas que enfrentam hoje pelo menos o dobro de dias
extremamente quentes (acima de 35 °C) no ano na comparação com o que seus avós
experienciaram há seis décadas.
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O que pode acontecer
- Ondas de Calor
Algumas regiões do
Brasil registraram semanas com os termômetros acima dos 35-40 °C em 2023 e
2024. As ondas de calor já são uma realidade com consequências para a saúde
humana, afetando principalmente idosos, crianças, pessoas que trabalham ao ar
livre ou com doenças preexistentes.
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1,5 °C
Segundo um estudo do WRI (World Resources Institute), nas 996 cidades mais
populosas do mundo (32 delas ficam no Brasil), a duração das ondas de calor
passaria da média histórica de 14,2 dias para 16,3 dias por ano. Para a América
Latina, o Oriente Médio e o norte da África, as ondas de calor podem chegar a
durar até 25 dias por ano. Na média, as cidades enfrentarão quase cinco ondas
de calor por ano e mais de 547 milhões de pessoas estarão expostas a 30 ou mais
dias com temperaturas acima de 35 °C anualmente.
No geral, cerca de 14%
da população mundial estaria exposta a calor severo pelo menos uma vez em cinco
anos, conforme estudos reunidos pelo IPCC.
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2 °C
A duração média das
ondas de calor passaria para 18,4 dias no ano e elas se tornariam ainda mais
frequentes, chegando a 5,4 anualmente. Pelo menos 37% da população mundial
ficaria exposta ao calor severo pelo menos uma vez a cada cinco anos.
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3 °C
O número de pessoas
nas grandes cidades expostas a mais de 30 dias ao ano com temperaturas acima de
35 °C saltaria para 701 milhões. A cada ano, seriam 6,4 ondas de calor, e a
duração média delas pode chegar a 24,5 dias.
- Doenças
O mesmo estudo do WRI
analisou como o aumento de temperatura nas maiores cidades do mundo pode
favorecer a propagação de arbovírus, que transmitem doenças como dengue, zika,
chikungunya, entre outras. Na média, a diferença entre 1,5 °C e 3 °C implica um
aumento de seis dias no período propício para infecções. Na América Latina,
porém, a piora seria mais expressiva. Para 1,5 °C, esse período duraria 78
dias, chegando a 91 dias a 3 °C.
- Inundações
Os aumentos projetados
nos danos diretos causados por inundações de rios são de 1,4 a 2 vezes maiores
a 2 °C e de 2,5 a 3,9 vezes maiores a 3 °C, em comparação com um aquecimento
global de 1,5 °C. Estimativas reunidas pelo IPCC apontam para um aumento de
120% a 400% na população afetada por inundações de rios para 2 °C e 4 °C de
aquecimento, respectivamente.
Considerando eventos
extremos em geral, estima-se que pessoas com menos de 10 anos de idade em 2020
podem vivenciar quatro vezes mais eventos extremos caso a temperatura aumente
em 1,5 °C e cinco vezes mais em um cenário a 3 °C.
- Aumento do nível do mar
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1,5 °C
Pesquisa da Climate
Central avaliou onde populações estão mais vulneráveis ao aumento do nível do
mar, projetado para pelo menos 2,9 metros mesmo que a proposta do Acordo de
Paris seja cumprida. Esse aumento se daria ao longo de séculos e afetaria áreas
habitadas hoje por 510 milhões de pessoas – 5,7 milhões no Brasil.
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2 °C
A mesma análise aponta
que o nível do mar subiria 4,7 metros ao longo de centenas de anos, ameaçando
territórios ocupados hoje por mais de 600 milhões de pessoas.
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3 °C
Nesse cenário, a linha
de maré alta estaria acima de áreas que, atualmente, abrigam 10% da população
global. No Brasil, o aumento ultrapassaria áreas onde vivem hoje mais de 15
milhões de pessoas. Muitos dos pequenos países insulares poderiam desaparecer
completamente.
- Perda de biodiversidade
Segundo o IPCC, o
aquecimento do planeta já implica ameaças, para todas as regiões do planeta, de
perdas e degradação da biodiversidade, além de danos e transformações em
ecossistemas. Cada grau a mais na temperatura vai apenas escalar esses riscos.
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1,5 °C
Nos ecossistemas
terrestres, de 3% a 14% das espécies podem enfrentar riscos muito altos de
extinção. Pelo menos 6% das espécies de insetos, 8% das espécies de plantas e
4% das espécies de vertebrados perderiam mais da metade do seu alcance
geográfico.
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2 °C
O número de espécies
que perderiam mais da metade da sua atual distribuição geográfica dobraria,
chegando a 18% para insetos, 16% para plantas e 8% para vertebrados. As
espécies em risco muito alto de extinção ficariam entre 3% e 18%.
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3 °C
Nos ecossistemas terrestres,
entre 3% e 29% das espécies estariam em risco muito alto de extinção.
- Recifes de coral
Hábitats de centenas
de espécies e cruciais para o equilíbrio dos ecossistemas marinhos, os recifes
de coral já estão enfrentando episódios de morte em massa com o aumento da
temperatura dos oceanos.
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1,5 °C
Entre 70% e 90% dos
corais estariam expostos a eventos de mortandade em massa.
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2 °C
Os corais do mundo
praticamente desapareceriam.
- Escassez de água
Se hoje a estimativa é
que entre 1,5 bilhão e 2,5 bilhões de pessoas vivem em áreas expostas à
escassez de água, a projeção é que esses números aumentem continuamente,
chegando a 3 bilhões com 2 °C de aquecimento e 4 bilhões com 4°C.
- Secas e perdas para a agricultura
Segundo o IPCC, os
estudos globais projetam danos e riscos maiores em regiões áridas e tropicais,
como o Brasil, nas quais as lavouras estão submetidas a mais estresse provocado
pelo calor e por secas do que nas regiões temperadas.
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1,5 °C
A probabilidade de uma
seca agrícola extrema (quando a umidade do solo é insuficiente para o
crescimento dos cultivos) dobraria em grandes partes do norte da América do
Sul, do Mediterrâneo, do oeste da China e na América do Norte. Já os custos de
adaptação para os principais cultivos somam 60 bilhões de dólares.
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2 °C
A probabilidade de
seca agrícola extrema aumentaria em 150% a 200% com a expansão das áreas
afetadas. Uma pesquisa baseada em vários modelos hidrológicos projetou também
um aumento de 370% da população global anualmente exposta a secas que
inviabilizariam cultivos agrícolas. Os custos de adaptação chegariam a 80
bilhões de dólares.
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3° C
Os custos de adaptação
bateriam 128 bilhões de dólares.
- Amazônia
Uma das regiões mais
biodiversas do mundo, a Amazônia não está ameaçada apenas pelo aumento da
temperatura global, que provoca secas e maior frequência de dias extremamente
quentes na região, mas também pelo desmatamento e por queimadas.
No início deste ano,
uma pesquisa liderada por pesquisadores brasileiros e publicada na
revista Nature estimou que até 2050 de 10% a 47% da
Amazônia poderia enfrentar uma redução substancial na cobertura florestal,
afetando sua capacidade de absorver carbono e reciclar água – que, hoje,
contribui para 50% das chuvas na região. Essas mudanças abruptas provocariam um
colapso irreversível da floresta.
Fonte: Por Isabel Seta,
da Agencia Pública
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