sábado, 9 de novembro de 2024

China e Índia dão exemplo de diplomacia no BRICS ao resolver questões fronteiriças

Às margens da Cúpula do BRICS, realizada no mês passado na Rússia, China e Índia consolidaram um acordo de patrulhamento para a redução de tensões no ponto de atrito fronteiriço de Ladakh. No final de outubro, tropas começaram a ser retiradas e um esquema de patrulhas alternadas foi instituído.

Para especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, esse é um exemplo de como a diplomacia é um caráter fundamental do BRICS, grupo de dez países que visa reformar a governança global através do multilateralismo.

Segundo Alexandre Coelho, professor doutor de relações internacionais e coordenador do núcleo de geopolítica do think tank Observa China, o acordo de Ladakh é "estratégico tanto para a Índia quanto para a China".

"O restabelecimento das patrulhas pré-2020 é uma medida que visa restaurar a normalidade e reforçar a estabilidade na região fronteiriça, crucial para evitar novos conflitos."

Além disso, destaca o pesquisador, esse entendimento abre as portas para melhorar a relação econômica entre os dois países, que, embora robusta, "enfrenta dificuldades no fluxo de investimentos chineses para a Índia".

Desde a crise em Ladakh em 2020, que viu pelo menos quatro mortos do lado chinês e dezenas do lado indiano, o investimento estrangeiro entre os países se viu restringido. "Para a Índia, atrair investimentos chineses poderia impulsionar setores manufatureiros e ajudar a equilibrar o déficit comercial […], uma das maiores preocupações do governo indiano", detalha Coelho.

Para o especialista em geopolítica chinesa, essa iniciativa mostra que Índia e China, dentro do contexto do BRICS, são capazes de chegar a acordos em tópicos específicos e evitar maiores conflitos, mesmo que isso não garanta uma "harmonização completa da política".

"Em vez de comprometer a coesão do grupo ou evidenciar uma contradição, essa abordagem demonstra que os membros do BRICS podem colaborar e coexistir com foco em interesses convergentes, sem que isso exija uma identidade política unificada ou alinhamento completo de agendas."

Segundo Tito Lívio, mestre em estudos estratégicos de defesa e segurança e membro pesquisador do Centro de Investigação sobre Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), a celebração desse acordo em reuniões bilaterais à margem da 16ª Cúpula do BRICS, realizada na Rússia, destaca o papel que o país eurasiático tem na reaproximação dessas duas potências.

"A Rússia desempenha também um importante papel, visto que ela tem ótimas relações tanto com a China quanto com a Índia", afirma Lívio.

<><> BRICS: plataforma de diplomacia mundial?

As contendas entre Índia e China eram vistas como pontos de contradição insuperável pelos críticos do BRICS. A resolução inicial de Ladakh, contudo, aponta para o oposto.

Nesse sentido, a vitória da diplomacia surge como um dos pontos principais que definem a ação do BRICS, que "surge com uma proposta de buscar democratizar as instituições internacionais", descreve Lívio, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial e o próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU).

"O BRICS abre espaço para esses países que às vezes não têm sequer condições de ter voz, de ter posicionamento nesses órgãos tradicionais."

Formado como BRICS em 2011, com a entrada da África do Sul no antigo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), o grupo de países só voltou a se expandir neste ano, com a entrada de cinco novos países: Irã, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Arábia Saudita.

Na cúpula de Kazan, os países-membros concordaram em abrir uma nova categoria de países parceiros para 13 outros Estados. Para Lívio, essa nova configuração "cria um espaço de melhor entendimento, uma dissuasão positiva".

Dessa forma, por exemplo, o BRICS pode se tornar um fórum onde países do Sudeste Asiático podem se reunir com a China para resolver suas disputas das ilhas Paracel, cadeia de ilhotas entre Vietnã, Malásia, Filipinas e a China, sem a interferência de potências externas, como os Estados Unidos, que usam o espaço marítimo filipino para tensionar a região.

"E ainda podem buscar novos interlocutores, como a Índia, a Rússia, o próprio Brasil, a África do Sul."

É isso que distingue o modus operandi da diplomacia do BRICS e do "eixo euro-atlântico", afirma o pesquisador do CIRE: "A quantidade de atores-interlocutores que você inclui no processo".

Uma vez que se coloca o processo decisório na mão de poucos países, acaba-se caindo na armadilha de aplicar soluções sem considerar a realidade local. "Às vezes não há a preocupação em ouvir as propostas da elite e da população local."

No entanto, Coelho destaca que a abertura do BRICS para novos membros traz seus desafios próprios, uma vez que pode impedir uma "resposta unificada" do grupo aos desafios globais.

Cada país tem seus próprios interesses, explica o especialista em China, e é necessário esforço na atuação de cada membro para que haja uma diplomacia unificada.

Por ora, a vontade do grupo em permanecer um bloco unido parece sobressair, conforme é exemplificado pela fala do presidente da Rússia, Vladimir Putin, de que novos membros no BRICS só serão aprovados a partir de uma unanimidade.

¨      Putin quer manter Dilma no banco do BRICS por ela enfrentar briga pela desdolarização, diz analista

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, propôs a extensão do mandato de Dilma Rousseff no Banco do BRICS por mais cinco anos. Empenho de Dilma para desbancar a hegemonia do dólar e prestígio pessoal da ex-presidente junto aos líderes da Rússia e China explicam sua permanência no banco, avaliam especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

A Rússia propôs a extensão do mandato de Dilma Rousseff, presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco do BRICS, por mais cinco anos. Desta forma, Dilma ficaria no cargo durante a presidência russa do banco, que terá início em 2025.

"A Rússia propôs estender a presidência do Brasil e da presidente do banco, a sra. Rousseff, tendo em vista que este ano o Brasil ocupa a presidência do G20 e no próximo ano assume o bastão de nós e liderará o BRICS", disse Putin durante a Cúpula de Chefes de Estado do BRICS, realizada em Kazan.

O convite aponta para a convergência entre as agendas de Dilma Rousseff no banco e as prioridades das autoridades russas, acreditam especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil. Além disso, Rousseff angariou a confiança não só do presidente russo, Vladimir Putin, como a do seu homólogo chinês, Xi Jinping, que a condecorou com a mais alta medalha concedida pela China a estrangeiros.

De acordo com o professor livre-docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON) Bruno de Conti, a abordagem de Dilma Rousseff no Banco do BRICS coincide com a das lideranças russa e chinesa.

"Em vários aspectos, ela compartilha a percepção dos desafios geopolíticos que o Sul Global [...] enfrenta hoje", disse De Conti à Sputnik Brasil. "Dilma se mostrou disposta a enfrentar a briga pela por transformações da ordem geopolítica internacional [...] e enfatizou a agenda de desdolarização e foco nas moedas nacionais, o que agrada tanto ao Putin, quanto ao Xi Jinping."

A proposta de Vladimir Putin também tem a intenção de evitar que sanções econômicas impostas por EUA e seus aliados contra a Rússia prejudiquem os trabalhos do banco. Segundo o líder russo, o banco é relevante para a Rússia e, portanto, deve ser protegido da ação de agentes externos.

"Não vou esconder o fato de que sabemos da situação da Rússia [em relação às sanções econômicas] e não queremos transferir todos os problemas associados a isso para as instituições em cujo desenvolvimento nós mesmos estamos interessados", disse o presidente russo, Vladimir Putin. "Nós lidaremos com nossos próprios problemas."

A professora da PUC-Rio e pesquisadora do BRICS Policy Center Maria Elena Rodriguez concorda que a manutenção de Dilma na liderança reduz a possibilidade do pacote de sanções imposto contra a Rússia impactar os trabalhos do banco.

"A Rússia quer muito que o NDB avance, [...] e, por isso, não quer transferir a problemática das sanções para o banco", disse Rodriguez à Sputnik Brasil. "O presidente Putin foi muito acertado em fazer essa proposta de extensão para a manutenção de Dilma na presidência. E isso reflete a apreciação, tanto da Rússia quanto da China, do bom desempenho dela à frente da instituição."

Após substituir Marcos Troyo, presidente brasileiro do banco indicado por Bolsonaro, Dilma retomou a agenda tradicional da instituição, fundada com o objetivo de se firmar como uma alternativa de financiamento para países do Sul Global.

"O mandato dela no banco também representa uma continuidade com o próprio governo Dilma, que priorizou muito o BRICS e inclusive fundou o banco. A Dilma foi uma das signatárias, ela é membra fundadora do banco", disse De Conti.

Em conversas de bastidores, analistas inclusive sugerem que o apoio incondicional de Dilma ao BRICS e à construção de um sistema financeiro independente dos EUA seriam alguns dos motivadores de sua queda da presidência da República, em 2016. A aderência a uma agenda contrária ao dólar teria mobilizado forças estrangeiras que, em comunhão com agentes internos, teriam inaugurado o processo que retirou Rousseff do Palácio do Planalto.

"No início, havia críticas de que a escolha de Dilma para liderar o banco havia sido política. Mas esse banco foi criado por propósitos políticos. Não há como fugir dessa realidade, pelo contrário, é isso o que faz esse banco interessante", disse De Conti. "O NDB pode e deve ser um instrumento geopolítico para enfrentar as assimetrias globais, sobretudo nos sistemas monetários e financeiros."

Neste contexto, Dilma assumiu a presidência do banco com o intuito de priorizar investimentos verdes, além da agenda de desdolarização do banco, promovendo a utilização de empréstimos em moedas nacionais.

"A meta de atingir 30% dos empréstimos em moedas nacionais está estabelecida na carta original do banco, mas ainda não foi atingida. Desde a sua posse, Dilma tem mostrado preocupação com essa agenda. Internamente, o banco realiza estudos sobre como aumentar o uso de moedas locais para o financiamento do banco", revelou De Conti. "Isso certamente é uma agenda que agrada e deve ser um dos bastiões da prorrogação do mandato da presidenta."

Outra agenda capitaneada por Dilma que encontra eco na agenda dos governos de Brasil e Rússia é a expansão do banco em número de membros. Durante seu mandato, Dilma selou a adesão da Argélia ao banco, em setembro de 2024.

"Dilma tem repetidamente se manifestado em favor do alargamento do BRICS e, durante a Cúpula de Kazan, se expressou sobre a pertinência do NDB ser um banco dos países do Sul Global", disse De Conti. "Então, há perspectiva de continuidade da expansão do banco, em paralelo ao aumento do uso de moedas nacionais."

Por outro lado, o Banco do BRICS segue dependente de estruturas do mercado financeiro tradicional, como das notas das agências internacionais de rating, para se capitalizar. De acordo com críticos, isso diminui a margem de manobra de Dilma não só para avançar o processo de desdolarização, mas também para emprestar recursos aos países que mais precisam.

"O Banco ainda depende do mercado de capitais internacional. Caso as agências de rating diminuam a nota do banco, ele terá que captar recursos pagando taxas mais altas. Então vemos claramente aqui a armadilha do dólar", lamentou De Conti.

Segundo ele, a retomada de propostas como a criação de uma agência de rating do BRICS seria mais um passo em uma longa jornada rumo à independência financeira do banco. Segundo De Conti, "soberania não se constrói da noite pro dia, estamos falando de construções de longo prazo".

"Mas o pior que o BRICS poderia fazer é se acomodar com a atual hegemonia do dólar e não fazer nada para superá-la. É preciso, sim, combater essa hegemonia, com a compreensão de que essa será uma batalha de longos anos, ou até décadas. E essa é justamente a missão do BRICS", concluiu o economista.

¨      Venezuela está empenhada em quebrar 'hegemonia do dólar' com apoio da Rússia

A vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, destacou a importância dos laços comerciais com a Rússia e a possibilidade de essas alianças serem concretizadas em moedas locais como estratégia para "quebrar" o que considerou "a hegemonia do dólar".

"Temos também cooperação financeira, uma área essencial nas relações comerciais, entre os nossos países, que [prevê que] as transações podem ser realizadas nas nossas moedas nacionais. No caso venezuelano, também tem sido uma instrução muito clara do presidente Nicolás Maduro, sobre como quebrar a hegemonia do dólar, que não é uma hegemonia, é uma ditadura criminosa sobre os povos do mundo", disse a representante em uma transmissão do canal estatal Venezolana de Televisión.

Da mesma forma, Rodríguez indicou que a 18ª reunião da Comissão Intergovernamental de Alto Nível (CIAN) entre a Venezuela e a Rússia, realizada em Moscou, poderá fomentar um novo modelo de desenvolvimento e crescimento econômico entre os países.

"Então falamos sobre esta 18ª edição da CIAN permitir um novo modelo, um novo modelo para nos tornar mais independentes, para nos tornar mais soberanos, para olhar para o crescimento econômico, para o desenvolvimento partilhado", acrescentou.

¨      Biden confirma com Lula presença no G20 e adesão dos EUA à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu nesta quinta-feira (7) do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a confirmação de sua vinda ao Rio de Janeiro para participar da Cúpula do G20, entre os dias 18 e 19 de novembro, segundo o Palácio do Planalto.

Em conversa telefônica de aproximadamente 30 minutos, Biden confirmou também que os EUA vão aderir à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.

Iniciativa da presidência brasileira do G20, a aliança pretende aproveitar um banco de dados unificado para países e doadores, a fim de agilizar a identificação de necessidades e oportunidades de conhecimento e financiamento na transferência de renda e outras estratégias de enfrentamento à fome e à pobreza.

Cerca de 20 países, além da União Africana e da União Europeia, já aderiram formalmente à aliança global, de acordo com o governo brasileiro.

Ambos trataram ainda da visita prevista do presidente Biden a Manaus (AM), antes da cúpula, e acertaram a realização de uma reunião bilateral no Rio de Janeiro.

Ainda segundo o governo federal, também foram abordadas a iniciativa bilateral pela promoção do trabalho decente no mundo, uma parceria pelos direitos dos trabalhadores e a convergência de prioridades entre os dois governos para a promoção da transição energética.

A parceria tem cinco pontos principais: proteção de direitos trabalhistas; promoção do trabalho digno nos investimentos público e privado; combate à discriminação no local de trabalho; abordagens centradas nos trabalhadores na transição para energias limpas; uso da tecnologia e das transições digitais em prol do trabalho decente.

G20

Um dos principais eventos da diplomacia internacional, o encontro de chefes de Estado do G20 acontece pela primeira vez em um país da América Latina.

Para garantir a segurança das delegações que vão participar da programação da cúpula, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) vai contar com 400 agentes responsáveis pelas escoltas durante os deslocamentos.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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