terça-feira, 12 de novembro de 2024

Aumento de casos de Autismo se devem a mudanças no diagnóstico, explica médico

Estima-se que o transtorno do espectro autista (TEA) atinge ao menos 6 milhões de brasileiros, um número considerado expressivo. Conhecido anteriormente apenas como “autismo”, hoje a sigla é considerada mais abrangente, e é justamente essa mudança no diagnóstico que aumentou o número de casos.

“O termo autismo foi consagrado desde as primeiras descrições, em 1943, mas o transtorno tem se mostrado muito mais heterogêneo do que algo que se define como único termo. Então o conceito mais moderno é realmente o transtorno do espectro do autismo”, explica Barbosa. Como os sintomas apresentam uma variabilidade muito grande, o uso da palavra espectro se mostra mais acertado.

Eles ainda ressaltam que a mudança da classificação em 2013 foi um marco importante. “O TEA deixou de ser ‘transtorno invasivo global do desenvolvimento’, do qual o transtorno autista fazia parte, para ser o transtorno do espectro autista, em que há uma condição dimensional, mais ampla. Essa dimensão aumentou também o número de pessoas que entraram nesse espectro”, explica Sato.

<<><> Sinais envolvem principalmente a comunicação social

“O prejuízo é qualitativo da comunicação social, interpessoal”, diz Sato. “E, como todo transtorno do neurodesenvolvimento, começa cedo. O diagnóstico é feito, de uma forma geral, até os 4 anos de idade”, afirma ele, explicando que, às vezes, os sinais podem aparecer antes do primeiro ano de vida.

Eles explicam ainda os principais sinais: “A criança vai tendo alterações de desenvolvimento, principalmente no que envolve a comunicação social. Existem as chamadas red flags, que são pontos de interesse que a gente tem que prestar atenção. Então, se até um ano a criança não responde pelo nome. Até 14 meses a criança, por exemplo, não aponta objetos. Depois, mais do que isso, a criança não participa das brincadeiras, não quer que os pais participem, fique num certo isolamento, ou tem um atraso de fala. São marcos do desenvolvimento neuropsicomotor que ficam deficitários ou atrasados”, afirma Sato.

Barbosa explica que também há casos em que ocorre uma regressão. “Para alguns pacientes nós vemos uma evolução mais próxima da normalidade, e numa fase que é crucial do desenvolvimento, que seria do primeiro ao terceiro ano, nós podemos ver regressões de habilidades que essa criança já havia adquirido. A gente sabe que tem fatores genéticos que predispõem a isso. Mas talvez até o impacto ambiental possa também estar relacionado a alguns desses casos”. Segundo os especialistas, aproximadamente 25% dos casos podem se apresentar dessa forma.

<><> Trabalhar autonomia é fundamental para quem está no espectro

Profissionais que trabalham no atendimento a esses pacientes e familiares que convivem com o diagnóstico tem trabalhado cada vez mais para promover a autonomia destas pessoas. “As escolas estão num processo de ter (preparo). Na verdade, acho que está muito melhor do que era há 10 anos. Hoje as escolas conseguem ser mais inclusivas, em algumas escolas existe um plano de inclusão, mas os casos são muito heterogêneos. Hoje há, inclusive, preocupação nas graduações e nas empresas”, afirma Sato, ressaltando que a existência de esforços para adaptações e inclusão destas pessoas no no mercado de trabalho, por exemplo.

Mas ainda falta muito para chegarmos em um bom patamar. “Os índices de bullying e assédio são relativamente grandes. Ideação suicida em TEA adulto é três vezes maior e acontece quase três vezes mais cedo também”, explica Sato. Segundo ele, isso só faz aumentar os riscos de comorbidades do TEA, que já incluem, por exemplo, depressão, ansiedade e TDAH. “Mais ou menos 50% das crianças com espectro autista têm alexitimia, que é uma dificuldade de reconhecer e falar sobre os próprios sentimentos. Se quase 50% têm, processar esses sentimentos, principalmente de trauma de tristeza, é muito mais difícil”.

Para Barbosa, violências trazidas pelo preconceito trazem sequelas a qualquer pessoa. “Mas na população autista, que já é especialmente vulnerável ao stress, é muito pior”.

Ambos os especialistas alertam que o acolhimento é fundamental. “Mais do que olhar para as deficiências que essa população pode apresentar, a gente tem que olhar para os potenciais que essas pessoas possuem. Muitos deles são brilhantes em diversas áreas, mesmo aqueles que a gente tem um comprometimento comunicativo muito significativo”, diz Barbosa. “Temos que batalhar para que a inclusão não seja uma teoria, seja prática”, finaliza Sato.

 

•        Entenda os diferentes níveis do Autismo, subtipos e as formas de tratamento

Existem no Brasil, atualmente, 36 mil alunos com autismo, também chamado de Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundo dados oficiais do Censo Escolar 2023, publicado em fevereiro de 2024. O número de matrículas de pessoas com autismo no país quase dobrou de 2022 para 2023. Apesar do aumento, ainda há falta de desenvolvimento de intervenções personalizadas baseadas no perfil único de cada indivíduo com TEA, a fim de oferecer melhor qualidade de vida.

Segundo o psicólogo especialista em Transtorno do Espectro Austista Fábio Coelho, sócio-diretor da Academia do Autismo, explica à CNN, o distúrbio não deve ser considerado como “uma coisa só”. É fundamental entender que existem várias singularidades do transtorno.

O TEA é um distúrbio que se caracteriza pela alteração das funções do neurodesenvolvimento, interferindo assim na capacidade de comunicação, linguagem e traços comportamentais do indivíduo. O especialista aponta que podem haver vários tipos e subtipos da doença, cada um deles podendo receber uma forma de tratamento. Na matéria abaixo, junto ao psicólogo, a CNN explica mais sobre as particularidades da doença, assim como o cuidado mais indicado para cada uma delas.

<><> Níveis de autismo

Os três níveis de autismo, conforme definidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR), elaborado em 2013, classificam o Transtorno do Espectro Autista (TEA) de acordo com a necessidade de suporte que o indivíduo demanda para suas atividades diárias e sociais. Segundo o profissional, cada nível indica a gravidade das dificuldades em comunicação social e a intensidade dos comportamentos repetitivos e restritivos.

•        Nível 1: Exigindo apoio

Este nível é considerado o mais leve dentro do espectro autista. Indivíduos diagnosticados aqui têm uma maior independência, mas apresentam dificuldades significativas nas interações sociais e algum grau de rigidez comportamental. Eles podem ter habilidades de linguagem desenvolvidas, mas a comunicação é superficial e carece de profundidade e reciprocidade.

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•        Nível 2: Exigindo apoio substancial

Apresenta desafios maiores nas habilidades sociais e de comunicação, além de um padrão de comportamento mais rígido e repetitivo. Indivíduos nesse nível precisam de mais suporte do que aqueles no nível 1, pois apresentam dificuldades severas em se ajustar a mudanças e interagir de forma espontânea com outras pessoas.

•        Nível 3: Exigindo apoio muito substancial

Nível mais severo do espectro, com deficiências graves na comunicação e nos comportamentos adaptativos. Indivíduos nesse nível possuem dificuldade acentuada tanto na interação social quanto no controle de comportamentos repetitivos e restritos. A capacidade de adaptação a novas situações é extremamente baixa, o que gera a necessidade de suporte constante.

<><> Subtipos de autismo

Uma pesquisa desenvolvida pela Brain & Behavior Research Foundation publicada na revista Nature em março de 2023, classificou o Transtorno do Espectro Autista ainda em quatro subtipos, a partir dos níveis apresentados anteriormente.

“Estudos como este são essenciais para possibilitar, cada vez mais, a divisão do espectro e proporcionar intervenções, ensinos e tratamentos personalizados. Quando conseguimos entender padrões de comportamentos que se assemelham, conseguimos produzir pesquisas para saber quais práticas, medicamentos, cuidados e tratamentos que melhor refletem para aquele subgrupo, aumentando as chances de mais pessoas terem qualidade de vida”, diz o especialista.

Os pesquisadores descobriram que, apesar das semelhanças, existem variações significativas entre os indivíduos, reunindo-as em dois grandes grupos. A tecnologia utilizada foi similar à aplicada em estudos para mapear subtipos de depressão.

•        Grupo 1: Nível de inteligência verbal acima da média

Subtipo 1

Inclui dois subtipos, abrangendo pessoas com um comprometimento social bastante acentuado e que não tinham um repertório restrito e repetitivo de comportamento, ou seja, são indivíduos que lidam bem quando estão inseridos em grupos e não apresentam hábitos comuns, como agitação das mãos.

Subtipo 2

Já o outro subtipo apresenta pessoas que não possuem um comprometimento social acentuado, mas que apresentam mais comportamentos repetitivos. Assim como o subtipo anterior, também lidam bem quando estão com outras pessoas, mas possuem maior repetição de hábitos: agitação das mãos, alinhamento de objetos e brinquedos. Geralmente, quando impedidos de exercer essas repetições, podem sentir ansiedade.

•        Grupo 2: Nível de inteligência verbal abaixo da média

Subtipo 3

Inclui indivíduos com severo comprometimento social e comportamento repetitivo, que apresentam uma perda significativa de habilidades previamente adquiridas. Ou seja: não se sentem confortáveis quando estão em grupo ou em locais com outras pessoas e podem, ao longo do tempo, perder hábitos e costumes que antes eram comuns, como demonstrar emoções, sorrir ou olhar nos olhos.

Subtipo 4

Engloba pessoas com comprometimento social e comportamentos repetitivos, mas que não se encaixam claramente em outras categorias e não possui um comportamento uniforme. Neste subtipo, os indivíduos podem apresentar características que estão inclusas em qualquer um dos outros, como o desconforto em grupo ou a agitação das mãos, mas não se restringe a isso.

<><> Tratamento

A intervenção adequada no TEA se caracteriza por intervenção precoce de forma individualizada, através de terapias que visam potencializar o desenvolvimento do aprendiz. O transtorno pode ser identificado facilmente em um indivíduo a partir dos 2 anos de idade.

“As terapias com maior evidência de benefício são baseadas na ciência da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), abordagem que envolve a avaliação, planejamento e orientação do comportamento, associada à terapias auxiliares, como fonoaudiologia, terapia ocupacional, entre outras. Outras abordagens devem ser orientadas de acordo com cada caso individual. Algumas medicações são sempre recomendadas em casos de presença de comportamentos agressivos ou hiperativos”, explica Fábio.

Indivíduos no nível 1 precisam de menos suporte, mas ainda enfrentam desafios nas interações sociais e nas mudanças de rotina. “Os tratamentos são direcionados para melhorar as habilidades sociais e a flexibilidade cognitiva”, diz Fábio. Nestes casos são recomendadas, principalmente, ABA Naturalística, Treinamento de Habilidades Sociais e Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).

Indivíduos no nível 2 requerem suporte substancial para interagir e adaptar-se a mudanças. Já o nível 3 necessita de apoio intensivo e contínuo. Para ambas, são recomendadas, ABA intensiva, Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) e Terapia Ocupacional com Integração Sensorial.

De acordo com o psicólogo, mesmo com os estudos sobre as peculiaridades do transtorno cada vez mais evidentes, especialmente no que diz respeito ao diagnóstico precoce, intervenções baseadas em evidências, e à compreensão dos aspectos neurológicos e genéticos do autismo, ainda há falta de conhecimento científico para especificar ainda mais os tipos e subtipos do transtorno, como:

•        Maior compreensão das causas do autismo e da interação entre fatores genéticos e ambientais;

•        Novos tratamentos farmacológicos para os sintomas centrais do TEA, como a dificuldade de comunicação e interação social;

•        Pesquisas sobre o autismo em adultos e idosos, para melhorar o suporte e a qualidade de vida ao longo da vida;

•        Mais foco no autismo feminino, entendendo melhor como os sinais se manifestam nas mulheres e ajustando os critérios de diagnóstico.

“Dessa forma, torna-se viável entender como cada pessoa, de determinado grupo, irá reagir às intervenções e aos métodos de ensino, desde que sejam feitos de acordo com suas necessidades. Além disso, também conseguimos entender a expressão gênica associada a cada uma dessas características e as conexões cerebrais associadas a cada um dos subtipos. Isso nos permite pesquisar os genes envolvidos e personalizar também os tratamentos medicamentosos”, conclui Fábio Coelho.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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