terça-feira, 5 de novembro de 2024

Problema não está no pobre de direita e sim na esquerda elitista,  diz Paulo Galo

O ativista Paulo Galo, que ficou conhecido em 2020, quando liderou protestos de entregadores por melhores condições de trabalho durante a pandemia, aponta uma crítica contundente à esquerda brasileira, que, segundo ele, se tornou elitista e alienada das questões reais da classe trabalhadora. Em uma entrevista publicada pelo UOL, Galo detalha como a desconexão com a base e o distanciamento das questões materiais têm fragilizado a atuação da esquerda. Para ele, o problema não está nos “pobres de direita”, mas numa “esquerda branca” e “playboy” que idealiza a consciência política enquanto ignora a realidade concreta.

“É o pensamento da classe média, de toda a esquerda branca, essa coisa de que tudo está dando mer** porque o pobre ‘não tem consciência’ ou ‘não sabe votar’”, declara Galo, em crítica direta à postura paternalista de intelectuais que culpam a população de baixa renda por não aderirem a determinadas ideologias. Ele contesta a ideia de que a classe trabalhadora é alienada e argumenta que as condições materiais de vida influenciam diretamente a consciência política. Para ele, ao contrário do que pensam alguns setores da esquerda, “a materialidade faz cada pessoa ser o que é”.

O ativista denuncia o que considera um erro fundamental: a noção de que a esquerda “acordou” para as injustiças sociais de forma natural, sem levar em conta as oportunidades e privilégios que permitiram o desenvolvimento dessa consciência. “Eles foram para a faculdade, tinham livros em casa, condições para impulsionar essa consciência”, argumenta Galo, em contraste com a realidade de quem enfrenta dificuldades financeiras cotidianas. “Por que eu sou o problema e você é a solução?”, questiona ele, subvertendo a ideia de que só existe uma visão válida para a luta social.

Para Galo, não se trata de uma divisão entre direita e esquerda, mas de entender que, enquanto a classe média permanece em sua “zona oeste” — uma referência à área nobre de São Paulo —, o trabalhador comum lida com dificuldades concretas, distantes das pautas e discussões elitizadas da academia e dos círculos políticos. O resultado, segundo ele, é que a esquerda se torna “arrogante para caralh*” e incapaz de dialogar com quem está fora da sua bolha. “Quando tentam interagir fora da bolha, são arrogantes para caralh*, chatos para caralh*, e as pessoas não aguentam”, afirma.

<><> Uma nova forma de base: a religião e o trabalho com a periferia

Outro ponto levantado por Galo é o abandono do trabalho de base pela esquerda. Para ele, existe um potencial transformador na religião que tem sido negligenciado por lideranças políticas. “Dá para fazer uma nova Teologia da Libertação usando a religião evangélica e a própria palavra de Deus”, explica ele, citando passagens bíblicas que, a seu ver, reforçam a luta de classes e a justiça social. Galo ressalta o poder de mobilização e conscientização que a fé pode proporcionar aos trabalhadores e lamenta que a esquerda se afaste dessa abordagem.

Para ele, passagens bíblicas como “é mais fácil o camelo passar pelo buraco da agulha do que o rico entrar no reino dos céus” demonstram o potencial de resistência e de conscientização contidos na fé popular, algo que deveria ser reconhecido e aproveitado por movimentos sociais. Ao contrário do que muitos líderes progressistas acreditam, a religião, segundo Galo, não é apenas “ferramenta para alienar”, mas uma via potente de encontro e organização popular.

Ele vai além ao sugerir que, com a abordagem certa, seria possível até criar “coaches de esquerda” para a periferia, usando as mesmas estratégias de motivação pessoal que atraem tantas pessoas para o sucesso individual, mas com uma visão coletiva. “Dava para fazer um Pablo Marçal de esquerda”, declara ele, referindo-se a influenciadores que popularizam métodos de enriquecimento pessoal. “Dá para pegar as mesmas ferramentas que alienam e usá-las para desalienar. É só chegar aqui na periferia, tomar uma cerveja e trocar uma ideia normal, do dia a dia".

<><> A esquerda e seu vício na política eleitoral

Galo também critica a dependência da esquerda em relação à política eleitoral, descrevendo-a como um foco estreito que limita o alcance de suas ações. Ele menciona o exemplo do pastor Henrique Vieira, que, ao tentar realizar um trabalho de base, foi “sequestrado pela institucionalidade” e absorvido pela política partidária, perdendo o contato direto com a comunidade. “O problema é que a esquerda parece não saber fazer nada que não envolva voto”, conclui Galo, apontando para uma lacuna que deixa muitas demandas da classe trabalhadora sem uma resposta prática e eficaz.

Em sua visão, a verdadeira luta não se dá exclusivamente nas urnas ou em instâncias institucionais, mas no contato direto com a população, respeitando sua vivência e construindo uma consciência coletiva a partir de suas necessidades reais. Esse movimento, para ele, passa por superar preconceitos, ouvir sem julgamentos e criar uma esquerda que não apenas fale em nome dos trabalhadores, mas que verdadeiramente os compreenda e os represente.

 

¨      Conservadores e os ditos progressistas. Por Gastão Reis

A “progressista” esquerda brasileira, lançando mão da técnica de Gramsci, marxista italiano que pregava a tomada do poder pela superestrutura, ou seja, imprensa, televisão, rádios, sindicatos patronais e de trabalhadores, escolas, universidades etc, acabou sendo descoberta pela ampla maioria conservadora do País. E resultou na vitória dos candidatos de perfil conservador de direita nas últimas eleições. A má-fé de Gramsci ficava evidente ao propor que tudo isso deveria ser feito sem que as pessoas percebessem. Como se diz, na moita. Mas, finalmente, perceberam.

Durante muito tempo no Patropi, a esquerda usou o rótulo de progressista, taxando a direita de conservadora em que esta última palavra era usada como sinônimo de atraso. E foi assim que, durante décadas, a maioria conservadora foi amordaçada, e, de certa forma, subjugada por um discurso político que a associava a tudo de ruim que teria havido em nossa História. Puro jogo de cena político, sem visão histórica alguma, ao esquecer, por exemplo, que as leis abolicionistas foram todas passadas por gabinetes conservadores no Império.

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Boa parte da intelectualidade se deixou encantar pela obra de Marx, como a Bíblia redentora a ser lida, e posta em prática, para que o País pudesse de fato avançar. (Eu mesmo, no início da vida adulta, li O Capital, página por página, num curso do Prof. Lauro Campos, na UnB). Mas pouco se falava da luta de classes como motor (enguiçado, claro!) da História para não assustar a população. E foi assim que penetraram no ensino médio para angariar adeptos mal-informados sobre os reais problemas brasileiros a serem enfrentados.

E passaram a contar a história do Brasil que era conveniente a seus propósitos. O Brasil passou a ser o último grande país a abolir a escravidão, sem mencionar que houve uma política séria de alforrias, única no mundo, que havia libertado 80% dos descendentes de africanos quando foi assinada a Lei Áurea. Até em colégios religiosos de prestígio nacional, professores de História passaram a seus pupilos a tal visão crítica em que nosso passado só tinha coisas ruins, propondo-lhes um futuro (socialista) que seria tudo de bom.

Claro que a figura do empresário nas aulas saía bem chamuscada. Despertar o espírito empreendedor dos alunos estava fora de questão. Cuba, Nicarágua e Venezuela eram países heroicos em luta contra o maldito capitalismo. Felizmente, as redes sociais e a reação conservadora trouxeram ao grande público a realidade dos fatos nesses países. Pobreza e fome.

Aos poucos, a reação conservadora foi-se firmando. Escola sem política foi um movimento que, fundamentalmente, queria livrar as crianças da doutrinação gramsciana. Aquela coisa cretina de lhes fazer a cabeça sem que elas notassem que estavam indo nessa direção. A má-fé é evidente. Cristo quando andou nestas paradas terrenas jamais escondeu a que veio. Sempre disse a seus apóstolos qual era sua missão salvadora sem enganar ninguém. Obviamente, os milagres que ele fazia sem buscar maior divulgação eram a confirmação de sua divindade. Tudo às claras.

Essa contraposição entre Gramsci e Cristo deixa claro os propósitos de cada um. Um pregava o amor ao próximo em geral, o outro pregava o amor ao mais próximo, aquele do grupelho partidário sempre pronto e enfiar a mão no dinheiro público com a desculpa de que o usava para o bem do povo, vale dizer, o povo obediente ao partido salvador da pátria. Quem não se lembra das manifestações do PT turbinados a sanduíches de mortadela e refrigerante e um troco para atrair o manifestante, lá no fundo, não muito convicto. A militância do PT havia ido para o brejo. As últimas eleições estão com jeito de pá de cal.

Aquele palavrório lulista sem maiores compromissos, em especial com números inventados por ele, o grande cacique, foi perdendo toda credibilidade. O segundo 7 de setembro esvaziado em Brasília não poderia ser mais eloquente da ilegitimidade de Lula para a maioria da população brasileira. Em especial pelo fato de ter sido ressuscitado politicamente pelo STF, nas palavras do ministro aposentado Marco Aurélio Mello. Não poderia ter sido sequer candidato. Aqui está a raiz da ilegitimidade de Lula pouco mencionada e sua brutal rejeição a ponto de fugir de contatos públicos a não ser do domesticado.

Não obstante, o discurso da grande mídia e do andar de cima, comprometido até as orelhas com o status quo desigual, nos diz que está lutando pela democracia. Exatamente aquela que não permite ao eleitor brasileiro controlar seu representante entre as eleições. Sem voto distrital puro, ou equivalente, e a possibilidade de revogação de mandatos (recall) pelos eleitores quando seu representante não estivesse à altura. Aquela democracia que deixaria um europeu ou um americano rindo entre os dentes.

Mas o drama brasileiro vai além em termos de representatividade. Distorções introduzidas no sistema eleitoral brasileiro pelos militares para dar maior peso político ao Nordeste jamais foram removidas após a dita redemocratização com a saída dos militares. Exemplo: enquanto um deputado federal por São Paulo, em média, precisa mais de 100 mil votos para se eleger, um de Roraima pode chegar ao congresso com 15 mil.

Nos EUA, onde vigora o critério de um homem um voto, pouco importando o estado em que esteja localizado, levou, no passado, a estado que não tinha sequer um representante na Câmara Federal. Acabava sendo representado pelo deputado federal do estado vizinho.

O mais grave é que estamos diante de uma situação política que internalizou as distorções deixadas pelos militares. As regiões mais dinâmicas do país estão sub-representadas politicamente, e assim incapazes de, democraticamente, propor reformas e políticas capazes de beneficiar o País como um todo. Mais ainda: levar a sério o combate à desigualdade.

 

¨      "A direita não vai aderir ao PT se o PT se tornar mais direitista", diz Rui Costa Pimenta

Em entrevista à TV 247 na última sexta-feira, o presidente do Partido da Causa Operária (PCO), Rui Costa Pimenta, fez críticas ao Partido dos Trabalhadores (PT), alertando para as consequências de uma possível guinada à centro-direita na busca por apoio eleitoral. Segundo Pimenta, a estratégia seria "suicida" e não traria o apoio da direita ao PT: "A direita não vai aderir ao PT se o PT se tornar mais direitista", afirmou ele. Para o líder do PCO, o Partido dos Trabalhadores enfrenta uma crise de identidade política e perde espaço popular para o bolsonarismo.

Pimenta abordou questões internacionais, expressando ceticismo sobre o cenário eleitoral nos Estados Unidos: “Vejo Trump como favorito, mas há uma grande chance de que ele não leve", afirmou, mencionando que, em uma eventual vitória de Kamala Harris, quem "governará será a máquina, o chamado estado profundo". Em relação à política externa brasileira, ele criticou o que vê como submissão do país aos interesses norte-americanos, comentando que “o Brasil já está controlado pelo sistema financeiro internacional – e por isso não vive sob sanções". Ele defendeu que o Brasil deveria integrar-se à iniciativa da Nova Rota da Seda, liderada pela China, mas apontou que "o motivo provável [da resistência brasileira] também é a pressão do imperialismo".

Ao tratar da política ambiental, Rui Pimenta criticou a postura de Lula em relação à Margem Equatorial. Ele sugeriu que o presidente deveria "encontrar uma maneira de passar por cima dessa resolução do Ibama sobre a Margem Equatorial", especialmente em um contexto de emissões poluentes americanas: "Enquanto os Estados Unidos não reduzirem em 70% sua emissão de carbono, o Brasil não deve fazer nada". Sobre a atuação de organizações internacionais, ele se posicionou de forma crítica em relação ao Greenpeace, que considera "mais uma onda imperialista, que deveria sofrer restrições no Brasil".

O presidente do PCO também comentou a direção que o PT tem tomado em relação ao identitarismo. Para ele, a insistência do partido nessa linha tem contribuído para sucessivas derrotas eleitorais da esquerda, o que se manifestou, segundo ele, no fracasso da candidatura de Guilherme Boulos, que “não gerou entusiasmo da base de esquerda". Rui Costa Pimenta foi direto: "O PT parece ter cera no ouvido e não consegue ouvir o grito contra o identitarismo", destacando que iniciativas como a recente participação da drag queen Rita Von Hunty na EBC são "um prato cheio para a direita".

Segundo ele, o bolsonarismo permanece forte e mantém apoio popular, superando o PT nas ruas, apesar da popularidade de Lula. Ele ponderou sobre a situação para as próximas eleições: "Bolsonaro hoje é o maior cabo eleitoral brasileiro. Por que ele vai entregar o bastão?", questionou, concluindo que a esperança do PT estaria em um embate direto entre Lula e Bolsonaro em 2026.

Rui Costa Pimenta, portanto, adverte o PT sobre os riscos de uma estratégia de adaptação à direita, enfatizando a necessidade de uma postura firme contra as pressões externas e as alianças questionáveis para retomar o apoio popular.

 

¨      Bolsonaro luta por sobrevivência política enquanto direita se fragmenta. Por Esmael Morais

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está travando uma batalha estratégica para manter-se relevante no cenário político brasileiro. Inelegível até 2030 devido a decisões do Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro movimenta-se nos bastidores em busca de uma anistia que lhe permita disputar as eleições presidenciais de 2026.

Na semana passada, Bolsonaro esteve no Congresso Nacional articulando não apenas a anistia para si, mas também para os presos nos eventos de 8 de janeiro. Sua presença ativa indica uma tentativa clara de retomar o controle da narrativa política e evitar que novos líderes da direita ocupem o espaço que antes era seu.

“Estou vivo e o candidato sou eu”, declarou Bolsonaro à revista Veja.

“Falam em vários nomes. Tarcísio, Caiado, Zema…O Tarcísio é um baita gestor. Mas eu só falo depois de enterrado. Estou vivo. Com todo o respeito, chance só tenho eu, o resto não tem nome nacional. O candidato sou eu”, reagiu o ex-presidente.

Pelo sim pelo não, figuras como Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, e Ronaldo Caiado (União Brasil), governador de Goiás, ganham destaque como possíveis candidatos da direita para 2026.

Caiado, após a vitória de seu candidato em Goiânia contra um nome apoiado por Bolsonaro, afirmou que “ninguém aguenta mais” a polarização extrema, sinalizando uma busca por alternativas dentro do próprio campo conservador.

O presidente Lula (PT), por sua vez, parece preferir enfrentar Bolsonaro novamente nas urnas. A avaliação nos corredores do Palácio do Planalto é que um adversário já conhecido e desgastado poderia facilitar a conquista de um quarto mandato. No entanto, a emergência de novos nomes na direita, menos polarizadores e com potencial de atrair o eleitorado moderado, preocupa o PT.

governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), também surge como uma figura de destaque. Após consolidar uma frente ampla em Curitiba, inclusive com os partidos da Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV), ele é cogitado tanto como candidato à Presidência quanto como possível vice na chapa de Lula. Sua postura pragmática e alianças estratégicas o colocam como um jogador importante no tabuleiro político.

As eleições municipais recentes reforçaram a fragmentação da direita e a necessidade de reavaliação de estratégias. Partidos de centro como PSD, MDB e União Brasil saíram fortalecidos, enquanto o PT, isoladamente, mostrou fragilidade, conquistando poucas prefeituras de destaque. Esse cenário aumenta a pressão sobre Lula para ampliar sua base de apoio e ajustar a articulação política de seu governo.

No entanto, porém, todavia, foi graças à centroesquerda, do Oiapoque ao Chuí, candidaturas mais moderadas foram vencedoras nas capitais e cidades que tiveram segundo turno. A unidade foi fundamental para derrotar os extremistas, a exemplo de Cristina Graeml (PMB), em Curitiba, Fred Rodrigues (PL), em Goiânia, e Bruno Engler (PL), em Belo Horizonte.

Dentro da própria direita, Bolsonaro enfrenta críticas de antigos aliados. O pastor Silas Malafaia expressou decepção com o ex-presidente, questionando sua liderança. Ronaldo Caiado chamou Bolsonaro de “extremamente deselegante” e “desrespeitoso”, evidenciando o racha interno.

A busca por uma terceira via também ressurge. Governadores como Caiado, Tarcísio e Ratinho Junior posicionam-se como alternativas à polarização entre Lula e Bolsonaro. Eles defendem uma política menos ideológica e mais focada em resultados concretos para a população.

Enquanto isso, o governo Lula enfrenta o desafio de entregar melhorias econômicas palpáveis. A população espera por crescimento, geração de empregos e aumento do poder de compra. A capacidade do governo em atender a essas demandas será decisiva para o cenário eleitoral de 2026.

Em resumo, Bolsonaro luta para manter-se respirando politicamente em meio a um campo conservador cada vez mais fragmentado, embora o ex-presidente repita “o candidato sou eu”. A direita busca novos líderes, o centro ganha força e Lula precisa repensar suas alianças. Os próximos movimentos serão decisivos para definir quem estará na proa em 2026.

 

Fonte: Brasil 247/O Dia

 

"Brasil quer ser o 'xerife' da América Latina ao vetar a Venezuela no BRICS”, critica Breno Altman

O veto do Brasil à entrada da Venezuela no BRICS levantou sérias controvérsias e fragilizou as relações com o governo venezuelano de Nicolás Maduro, tradicional aliado latino-americano, segundo apontou o analista político Breno Altman no programa 20 Minutos Análise, do Opera Mundi. Altman defende que a decisão do governo Lula, tomada durante a recente cúpula do BRICS em Kazan, Rússia, representa uma "quebra de confiança" e marca uma postura inédita de interferência na política interna de um país vizinho.

"Ao vetar a Venezuela, o Brasil adota uma postura de 'xerife' da América Latina, papel que historicamente sempre repudiamos e criticamos nos Estados Unidos," argumenta Altman. Para ele, a exclusão da Venezuela é um movimento que compromete o espírito do BRICS e fere a tradição anti-imperialista que sempre foi cara ao PT e aos governos de esquerda na região.

Durante a reunião em Kazan, o chanceler brasileiro Mauro Vieira havia garantido à vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, que não haveria veto, o que tornou o posicionamento brasileiro uma surpresa desconcertante. Altman destacou que, embora o governo brasileiro tenha alegado "quebra de confiança" pelo fato de Maduro não apresentar as atas desagregadas das eleições venezuelanas de julho, essa justificativa não se sustentaria, já que o pacto de Barbados, firmado entre o governo e a oposição da Venezuela, não incluiu a submissão da soberania eleitoral venezuelana ao julgamento de outros países.

Segundo Altman, a decisão também aponta para uma possível pressão dos Estados Unidos sobre o Brasil, especialmente diante da aproximação de Lula com a China e das recentes negociações sobre a Nova Rota da Seda. Altman observa que os Estados Unidos expressaram abertamente desconforto com a ideia de um pacto Brasil-China, o que pode ter influenciado a decisão de Brasília. Para o analista, essa posição pendular do Brasil pode resultar em um enfraquecimento de sua política externa, colocando em risco a liderança brasileira na região.

Em resposta ao veto, o presidente russo Vladimir Putin mencionou a "divergência" com o Brasil e apelou para que os dois países restabeleçam relações amistosas. Altman critica a atitude do Brasil como "imperdoável" e questiona os rumos da política externa do governo atual, ao considerar que o veto à Venezuela não contribui para os objetivos estratégicos de integração latino-americana e multipolaridade, sendo uma "traição à luta anti-imperialista."

Para o analista, ao colocar os interesses internos e externos dos Estados Unidos à frente da integração e solidariedade latino-americanas, o Brasil "quebra a confiança de aliados históricos" e deixa de lado um país que "esteve ao lado do PT durante os momentos mais difíceis", incluindo o golpe de 2016 e a prisão de Lula.

<><> Venezuela intensifica ataques a Lula e ao Itamaraty

A agência de notícias estatal da Venezuela divulgou, neste domingo (3), uma charge insinuando um suposto envolvimento obscuro do Ministério das Relações Exteriores do Brasil com a embaixada dos Estados Unidos no país. O ataque surge em meio à intensificação da crise entre o governo brasileiro e o regime de Nicolás Maduro e está acompanhada de ataques ao Itamaraty.

Segundo o Metrópoles, o artista Vicman, responsável pela charge, utilizou o termo "Itamaraty pitiyankee", uma expressão jocosa que faz referência aos americanos e que tem origem na maneira como os britânicos costumavam se referir aos colonos dos Estados Unidos. A provocação coincide com o descontentamento da Venezuela após a divulgação da lista de convidados para o bloco BRICS, onde o país não foi incluído.

Nas charges, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é retratado dentro de um cavalo de Tróia, uma alegoria que sugere manipulação, insinuando que Lula se disfarça de aliado da Venezuela enquanto, na verdade, atende a interesses estadunidenses. Vicman descreve a situação com a frase “nada que surpreenda”.

Ainda de acordo com a reportagem, em outra ilustração, Lula emerge de um armário, vestido com um terno estampado nas cores da bandeira dos EUA, com Vicman comentando: “Que nojento esse velho é, mas pelo menos ele saiu do armário”. Em uma terceira charge, o presidente observa Maduro e o presidente russo Vladimir Putin, ambos se cumprimentando, enquanto usa um chapéu simbólico dos Estados Unidos.

A quarta e última charge apresenta Lula ao lado dos presidentes da Argentina, Javier Milei, e do Chile,  Gabriel Boric, todos retratados como cachorros de estimação de uma figura envolta na bandeira americana, com Vicman se referindo a eles como "a ninhada pitiyankee". Apesar de suas diferenças ideológicas, Milei e Boric são críticos do regime de Maduro.

A escalada na crise diplomática entre os dois países se intensificou após Maduro convocar o embaixador Manuel Vadell a retornar a Caracas, após o Brasil vetar a entrada da Venezuela no BRICS. No mesmo dia, o governo venezuelano emitiu um comunicado que condenava as recentes posturas do Brasil e criticava o ex-chanceler Celso Amorim, que, segundo o texto, “comporta-se mais como um mensageiro do imperialismo norte-americano”.

Amorim, considerado um dos principais assessores do presidente Lula em política externa, declarou em uma reunião da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados que a Venezuela não atende aos critérios necessários para a inclusão no bloco.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil respondeu às críticas venezuelanas, afirmando ter recebido com “surpresa” o tom “ofensivo” das declarações. O governo brasileiro ressaltou que a opção por “ataques pessoais e escaladas retóricas” não reflete a maneira respeitosa como o Brasil se relaciona com a Venezuela e seu povo.

 

¨      Brasil à procura de um novo posto na política mundial. Por Alexandre Busch

Por estes dias, a diplomacia brasileira terá muito o que fazer: no prazo de um mês, transcorrem diversos encontros importantes, nos quais o país terá que definir sua posição futura na política mundial.

Os eventos são de alto gabarito, a começar pela recente cúpula do Brics+ na Rússia, a primeira desde a ampliação da aliança internacional. O fórum da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), no Peru (de 10 a 16 de novembro), é importante para a integração do Brasil na América do Sul e no mercado asiático. O país ainda é o anfitrião da cúpula do G20 no Rio de Janeiro (em 18 e 19 de novembro); e, imediatamente após, o chefe de Estado da ChinaXi Jinping, estará de visita, por ocasião do 50º aniversário das relações sino-brasileiras.

Parte-se do princípio que nessas ocasiões o Brasil procurará demonstrar uma posição neutra do ponto de vista geopolítico, comparável ao papel de um país não alinhado a um bloco. Perante o agravamento dos confrontos mundiais, a empreitada será difícil, e decepcionará muitos que esperam do governo de Luiz Inácio Lula da Silva um posicionamento político claro no âmbito internacional.

Assim, ao tomar o partido da Rússia, Venezuela e dos palestinos, ele perdeu simpatias nos Estados Unidos e na União Europeia. O "plano de paz" para a Ucrânia apresentado conjuntamente por Brasília e Pequim, que acima de tudo leva em consideração os interesses russos, reforçou as dúvidas do Ocidente democrático.

Ao mesmo tempo, porém, o Brasil tem resistido às tentativas da China de abraçá-lo. Esta pressiona pela assinatura de um acordo para a Nova Rota da Seda, a fim de facilitar o acesso de investidores chineses; enquanto Brasília deseja acesso à tecnologia e compromissos de investimento confiáveis – que até agora Pequim nem ofereceu, nem quer garantir.

Além disso, o país está negociando com a potência asiática a partir de uma posição de força: apesar de ser a maior parceira comercial do Brasil, justamente devido a sua confrontação com os EUA, a China depende de importar alimentos e petróleo brasileiro.

Até que ponto o Brasil conseguirá se manter "neutro" no futuro, não é algo que se decida só em Brasília, mas também junto com os desdobramentos políticos, por exemplo das eleições presidenciais americanas ou do decorrer da crise econômica chinesa.

<><> Governo Lula quer ser realmente neutro?

A neutralidade brasileira poderá se tornar importante se o cabo-de-guerra entre novas e antigas potências se acirrar: o país quer e deve continuar realizando negócios e mantendo o diálogo com todo o mundo. E, apesar de, nos últimos dez anos, ter perdido relevância na economia mundial, ele ganhará peso como exportador.

Enquanto produtora e fornecedora global de alimentos, matérias-primas industriais, e energia convencional e sustentável, a economia brasileira deve recuperar importância – certamente como exportadora, possivelmente também como locação para empresas estrangeiras à busca de sítios neutros para seus investimentos em todo o mundo.

Entretanto existe o risco de que o governo Lula não deseje realmente permanecer neutro. Quem viu a ex-presidente Dilma Rousseff brincando animadamente com Vladimir Putin na cúpula russa do Brics+, pode se perguntar se, no fim das contas, Brasília não se sente muito melhor na ala "anti-imperialista" do que no Ocidente democrático.

Precisamente devido a esse posicionamento antiocidental, Dilma está no seu elemento, como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como Banco do Brics. Isso ficou confirmado quando, recentemente, ela recebeu a mais alta distinção da China. Tais gestos da ex-mandatária não transpiram neutralidade.

Nas próximas semanas, o governo brasileiro e sua diplomacia têm que mostrar de que lado estão, politicamente. Perante tal quadro, torna-se ainda mais importante uma conclusão do acordo de livre-comércio Mercosul-União Europeia, pois ambos os lados sairiam ganhando: com a criação da maior comunidade econômica do mundo, elevariam sensivelmente seu peso geopolítico.

Isso é no interesse tanto da América do Sul quanto da Europa, já que nos últimos tempos essas duas regiões perderam significado geopolítico. Juntas poderão ter mais força.

 

¨      O veto do Brasil à Venezuela (e ao Brics+): irracionalidade e atavismo políticos. Por Roberto Numeriano

O Brasil ainda não é uma nação, se aplicarmos o devido rigor conceitual, nos  termos da Teoria Geral do Estado, ao significado do vocábulo. É apenas um país, noção semanticamente mais aberta, fluída e, por isso mesmo, melhor aplicável à condição  brasileira. Historicamente, considero ter existido no país um projeto de nação durante o  Império, sob D. Pedro II, e durante a era Vargas, mediante as quais houve uma concepção,  esboçaram-se projetos e, até certos limites, foram realizadas agendas reformistas /  revolucionárias profundas. 

A referida asserção é sustentável já a partir do caráter político-ideológico  dominante da sua elite, profundamente reacionário à identidade social e antropológica da  formação brasileira. Se houver algum atavismo (quase, por assim dizer, uma marca  filogenética), para explicar o comportamento dessa elite, creio ser possível identificá-lo  em a) sua submissão a poderes políticos externos objetivamente adversários dos  interesses geopolíticos e geoeconômicos nacionais; b) seu racismo em face da massiva  miscigenação entre os três grandes vetores étnico-raciais; c) sua síndrome do que  denomino de “vergonha das origens”, relativamente à colonização portuguesa  (supostamente negativa se comparada ao que seria à exploração (expropriação) “ideal”,  pois calvinista e anglo-saxã); d) seu arraigado preconceito à cultura e religiosidade  populares, sobretudo se expressão de fontes negras, índias e brancas, menos ou mais  sincréticas no imaginário e prática sociais; e e) sua repulsa / nojo às classes assalariadas,  “horda” de preguiçosos, estúpidos e bastardos sociais que representariam a razão do  “atraso” brasileiro ancestral. 

Peço desculpas pelo intróito talvez longo, mas, como cientista que tenta explicar fenômenos focando na racionalidade do ator político, considero que a decisão do  presidente Luiz Inácio em vetar a integração da Venezuela e da Nicarágua ao Brics+,  durante a cúpula de Kazan, só pode ser analisada nos termos daquela conjunção de fatores atávicos personificados na elite brasileira. De fato, algumas delas (senão todas), explicariam, no caso, a profunda irracionalidade dos vetos, os quais são, a rigor, um veto  ao Brics+ como bloco e, subliminarmente, um veto à Rússia, à China e ao Irã. 

Se não é possível, imediatamente, discernir os efeitos mais importantes da decisão  (a referência àquelas três potências energéticas / petrolíferas e bélicas não é casual),  podemos especular suas causas, pois também por meio da Ciência Política (assim como  pela Psicologia) é possível deduzir as “razões da loucura” dos dirigentes de Estado.  Sempre como suposição, vou considerar quatro causas incidentes nos vetos, a saber: a)  um "conselho” / acordo advindos, provavelmente, da Casa Branca**; b) uma  “demonstração de força” na escalada das tensões entre os dois Estados; c) um ato de  vaidade política onipotente e arrogante; e d) um sinal ao eleitorado reacionário e à elite  integrante da frente de governança que o Executivo se dispõe a aplicar e prova, na prática,  sua adesão às agendas não apenas econômicas, mas também político-ideológicas da  direita / extrema-direita. 

Essas causas não se excluem, entre si. E arriscaria considerar, aqui, que elas  convergiram in totum para um ponto de virada, fatal e irreversível, na história da  “esquerda” petista e na história política de Luiz Inácio; virada a qual desnudou realeza e  reinado nos limites de um perjúrio ideológico que não é difícil vislumbrar na ascensão do  PT ao poder. Não é defensável, sob qualquer hipótese, o veto à Venezuela, à Nicarágua e  ao Brics+. Nas linhas a seguir, ao resenhar as referidas causas, vou tentar demonstrar a  dimensão radicalmente irracional da decisão, e como, per se, ela se conecta ao  comportamento histórico da elite do país. Elite contra a qual, diga-se de passagem, o  antigo operário Lula construiu, com pregações até radicais, sua carreira de profissional  da política.

Numa perspectiva puramente hipotética, não é exagero afirmar que o duplo veto  brasileiro se articula com os interesses estratégicos dos Estados Unidos na região:  bloqueia a ascensão política e econômica da Venezuela ao Brics+ e seu fortalecimento na  própria América do Sul e Central; golpeia o Presidente Nicolás Maduro, enfraquecendo 

o perante a oposição de direita / extrema-direita, no país e no exterior; e demonstraria  que, abaixo da Linha do Equador e dos Estados Unidos, a única subpotência regional é (e  só poderá ser) o Brasil. Ora, sob qualquer desses aspectos o veto seria irracional, dado  que enfraquece a confiabilidade do Brasil no interior do bloco, desmoraliza o PT como  partido progressista e o presidente Luiz Inácio como líder solidário e de “esquerda” no  contexto do Sul global e das agendas anti-imperialistas.

Se na guerra é sempre aconselhável deixar ao inimigo uma via de escape para suas  tropas baterem em retirada, cercar e massacrar politicamente o governo venezuelano – é  disso que se trata, ao fim e ao cabo, para além de teorias à “esquerda” que tentam salvar  as aparências –, é apostar na sua capitulação absoluta, sem mediações de armistício. A  elite bolivariana nunca se rendeu ou temeu aos Estados Unidos. Por que se renderia à elite  brasileira, em geral tosca, predatória, pró-imperialista e essencialmente reacionária /  fascista? Acuado, denunciando traição à luta anti-imperialista e os ataques à soberania do  país, o governo venezuelano saiu em contra-ataque. Já há um grande derrotado nessa  escalada que o governo brasileiro / Casa Branca decidiram bancar. E não é o Presidente  Nicolás Maduro. Nem o Departamento de Estado norte-americano. 

Outra consideração pertinente para tentar avaliar a irracionalidade do veto se  circunscreve à dimensão da persona do ator político. Maquiavel, fundamentalmente,  discorreu em suas análises sobre a dimensão da vaidade do “Príncipe”, para além das  razões de Estado, como variável poderosa a guiar (ou desviar) a decisão política. Daí ser  necessário contemplá-la, sem falsos pudores, no exame do veto amplo, geral e irrestrito  ao Brics+ e à Venezuela / Nicarágua. Na crítica do sábio florentino ao perigo da arrogância / onipotência do “Príncipe”  está implícito um conselho: se o homem de Estado cede à paixão / hybris da sua natureza  humana, ele tende a julgar / decidir como se estivesse acima do bem e do mal. Em  momentos assim (e a dedução, agora, é exclusivamente minha), seu pensamento será  sempre irracional, ainda que o resultado da decisão lhe seja benéfico. Não é necessário  qualquer exame mais profundo para perceber essa dimensão pessoal, terra a terra, como  um fator igualmente forte para submeter e humilhar politicamente a Maduro / Venezuela.  O ato enfraquece a potencial projeção de poder do Brics+ na região, manieta a Venezuela,  rebaixa a influência do Brasil como subpotência, levanta suspeitas sobre o real papel  político de Luiz Inácio no processo multipolar e fortalece os Estados Unidos em termos  geopolíticos, econômicos e ideológicos na sua cruzada para barrar o Brics+ no Atlântico  Sul. Diante disso tudo, só o fanatismo político mais radical e beócio poderá ver na decisão  do “Príncipe”, mito infalível e preclaro, um golpe de maestria política.

No limite, a decisão só se explicaria racionalmente em cotejo com o item (d).  Tratar-se-ia, a rigor, de um sinal / prova de que o Executivo está disposto a transigir sobre  qualquer agenda (à exceção, é claro, dos sacrossantos “princípios identitaristas”, únicas  cláusulas pétreas da gestão). Em outras palavras, derrotar o movimento bolivariano e “encoleirar” o Brics+ no espaço geopolítico e geoeconômico sul e centro-americano só é  racional no âmbito estreito das alianças para dentro do governo de “frente ampla”. Para a  elite ideológica hegemônica na direção do PT e na condução do Executivo, esse seria o  jogo possível e pragmático. A agenda econômica neoliberal de Haddad / Luiz Inácio  assim o demonstra, desde sempre. 

Nos dois anos que restam ao governo, não há outro caminho senão aprofundar o  ponto de virada, a despeito do choro e ranger de dentes dos iludidos com o programa da  chapa presidencial de 2022. Pelos sinais das urnas nas eleições de 2024, não haverá  presidência petista no dia 1º de janeiro de 2027. Mas haverá Nicolás Maduro no governo  da Venezuela, encaminhando-se ao Brics+ (se a Casa Branca não derrubá-lo via golpe de  Estado, enquanto a gestão Luiz Inácio pede a recontagem dos votos). Putin e Xi Jinping  não são amadores. Façam suas apostas. 

 

Fonte: Brasil 247/DW Brasil

 

A razão da Bahia ser tão grande e Sergipe tão pequeno: roubamos as terras na cara dura

Enquanto a Bahia é o quinto maior estado territorial do país, Sergipe segura a lanterninha no mesmo quesito: é o menor do Brasil. Para efeitos de comparação, basta dizer que cabem aproximadamente 25 estados de Sergipe dentro da Bahia. A diferença territorial entre os dois é absurda e, reparem só, está longe de ser um mero acaso.

Há uma relação direta de causa e efeito no gigantismo de um e no encolhimento do outro. Trocando em miúdos, a Bahia roubou terras do seu vizinho, modelando seu mapa, expandindo suas divisas e redesenhando seu próprio território, do Brasil Colônia até o começo do século 20.

O grande responsável por legitimar a usurpação cirúrgica final foi o médico baiano Braz Hermenegildo do Amaral, que se destacou mesmo na área da pesquisa histórica.

Amaral foi deputado federal por três legislaturas e ajudou a fundar duas importantes entidades da intelectualidade do estado: a Academia de Letras da Bahia (ALB), ocupando a cadeira de número 4, e o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB).

A convite do então governador JJ Seabra, que estreou no cargo em 1912, Braz do Amaral topou iniciar uma série de pesquisas para definir as novas divisas da Bahia – tanto ao norte, em áreas delimitadas com Sergipe, Alagoas e Pernambuco, quanto no extremo sul, na separação com o Espírito Santo.

Aqui cabe explicar um contexto importante da época. Com a proclamação da República, em 1889, o que antes eram províncias foram transformadas em estados, seguindo a lógica federalista adotada pelos Estados Unidos, que já despontava como uma nação próspera naquele período. Cada estado passou a ter sua própria bandeira, brasão de armas e Constituição estadual.

Ao se tornar governador, JJ Seabra, que hoje dá nome à Avenida da Baixa dos Sapateiros, iniciou uma ofensiva para tornar a Bahia um espaço de maior relevância no Brasil, tanto em extensão, quanto em importância política.

O governo do estado, então, passa a financiar longas viagens de Braz do Amaral ao Rio de Janeiro e também a Portugal. Nelas, ele encontrou inúmeros documentos para legitimar as novas fronteiras que a Bahia pleiteava – e que são apresentadas, anos depois, na Conferência de Limites Interestaduais, convocada pelo então presidente Epitácio Pessoa, em 1920.

Entre o material encontrado estavam 29 cartas escritas pelo português e professor de grego de Salvador Luís Santos Vilhena, cujo conteúdo guarda narrações sobre o cotidiano da cidade e detalhes da extensão territorial da Bahia.

Com esta carta de super trunfo na mão, Amaral arranca aproximadamente 17 mil quilômetros quadrados de Sergipe, que passou a, insistentemente, pedir o VAR para rever o impedimento da jogada.

No comando do Brasil após a Revolução de 1930, Getúlio Vargas chegou a se mostrar sensível à causa, mas desistiu do pleito para não desagradar o então interventor da Bahia, Juraci Magalhães. Na década de 1980, houve uma nova tentativa de reabrir a discussão, sufocada pelo lobby político.

•        Sergipe já foi mesmo da Bahia

De fato, na primeira divisão do Brasil Colônia, o território que hoje pertence a Sergipe foi mesmo área da capitania da Bahia de Todos os Santos, doada a Francisco Pereira Coutinho.

Em 1590, no período em que Espanha e Portugal foram regidos pelo mesmo monarca, Filipe II, foi estabelecida a província de Sergipe Del-Rey, com mais que o dobro do território que possui atualmente.

Ao longo dos anos, a província voltou a pertencer à Bahia, que também lhe tomou diversas terras, reduzindo seu tamanho original. Somente em 1820, enquanto vivia em solo brasileiro, que o rei Dom João VI assinou um decreto separando definitivamente as duas províncias.

Em 1855, a capital sergipana deixou de ser a histórica São Cristóvão e foi transferida para o povoado de Santo Antônio de Aracaju, planejada para ocupar a faixa litorânea do território.

Até os dias de hoje, os baianos insistem na infame piada de chamar Sergipe de quintal de casa, além de fazer chacota sobre a diminuta extensão do estado vizinho. Mas, ironicamente, é a Bahia quem deve explicações sobre o seu real tamanho.

 

•        O brasão da Bahia é feião. Tem que mudar!

Os belo-horizontinos já deram a letra. É possível alterar símbolos oficiais por meio de referendos populares. No último dia 6 de outubro, enquanto os brasileiros foram às urnas votar em seus candidatos a prefeito e vereador, os mineirinhos comeram pelas beiradas e propuseram uma consulta adicional: escolher se alteravam ou não a bandeira da cidade.

No fim, a proposta foi rejeitada por 84% do eleitorado. O resultado acachapante é o que menos importa aqui. Como um pouco de esforço e muita criatividade, a Bahia pode repetir o plebiscito, mas não para alterar sua própria flâmula – simples, bonita, harmônica e eficiente.

Nosso distintivo feio, mal-diagramado, canhestro, defeituoso, esquisito, problemático e mocorongo é outro: o brasão de armas do estado. Um vatapá de loucuras que parece ter surgido num trabalho apressado, com prazo curto de entrega e finalizado numa quarta-feira de cinzas, após um Carnaval de reprisados virotes.

De bate-pronto, o que se vê no brasão da Bahia é a imagem de um homem branco, musculoso, de barba e cabelos castanhos, trajando uma exótica sunguinha vermelha. Atrás dele há uma bigorna. Com a mão direita, ele aciona a alavanca que parece fazer girar a roldana de uma misteriosa máquina.

A outra mão ele estende até se entrelaçar com uma moça branca, descalça, de vestido verde e lenço vermelho na cabeça. Os dois se olham com cara de bunda. Não sorriem.

A senhorita ainda segura a bandeira da Bahia, enquanto um triângulo mágico, surgido do absoluto nada, sobrevoa até estacionar a meio mastro.

No meio, há um quadro com um desenho de um barquinho. Lá, nota-se a penumbra de um homem acenando com um lenço branco para uma enorme serra. Em cima desse quadro, uma enorme estrela brilha perto do rosto do casal.

Ao pé da gravura, palavras em latim emolduram a monstruosidade estética: 'per ardua surgo' ("venço apesar das dificuldades", em livre tradução).

São tantos elementos juntos e misturados que fica difícil compreender cada coisa separadamente. O pior é que o mal-apanhado distintivo tem uma explicação histórica e cada componente hediondo ali presente sinaliza para uma razão específica.

<><> É horrível e o povão ficou de fora

O brasão da Bahia está em uso desde a primeira Constituição da República, promulgada em 1891, ainda que tenha passado por algumas repaginações e agregado novos elementos desde então.

O homem barbudo representa a força do trabalho. O maquinário atrás dele significa a indústria – embora a Bahia ainda fosse um estado agrário e de recente mão de obra escrava no fim do século 19.

A enfezada senhorita simboliza a República, numa inspiração clara do quadro 'A Liberdade guiando o povo', do francês Eugène Delacroix, no qual uma mulher com os seios à mostra ergue uma bandeira da França em meio à uma revolução armada.

A pirâmide voadora é um símbolo da maçonaria, também presente na própria bandeira da Bahia. O homem dentro do barco é uma referência à chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral à praia de Porto Seguro, onde primeiro desembarcou para iniciar o processo de colonização do Brasil.

A estrela brilhante é a própria Bahia. Na bandeira nacional, claramente inspirada na bandeira dos Estados Unidos, cada estado é representado por uma estrela.

Mesmo conhecendo um pouco mais da origem dos elementos fica difícil criar uma empatia pela disforme figura. Até porque, ao dissecar cada traço, fica claro que não há qualquer representatividade do povo baiano entre os elementos inseridos. O brasão da Bahia não representa o povo baiano!

O estado possui 27 territórios de identidade, definidos recentemente a partir do espaço geográfico, modos de vida, cultura, instituições, e com uma população com grupos sociais relativamente distintos.

A questão é que nenhuma dessas representações aparece no brasão, que privilegia uma visão europeia, branca e colonizadora. A república brasileira, quando proclamada, fez questão de deixar o povo de lado – assistindo a tudo bestializado.

<><> Por que é importante mudar o brasão?

O fato do brasão de armas da Bahia ser bem feião já seria um ponto fundamental para ensejar uma mudança imediata. No entanto, há outro fator de maior importância.

Há 15 anos, as fardas dos colégios da rede estadual de ensino são padronizadas e carregam no peito o medonho escudo. Em outras palavras, o ensino público baiano passou a adotar justamente uma representação europeia, branca e colonizadora.

Em tempo de movimentos decoloniais, de questionamentos abertos ao ensino de uma história oficial que declina a participação popular nos eventos fundamentais de uma nação, é simbolicamente forte que um brasão anti-povo estampe justamente o uniforme de alunos de baixa renda.

Com esforço e criatividade dá para mudar isso. Propor soluções mais representativas, bonitas e populares. Muita gente vai tentar colocar gosto ruim, dizer que é desnecessário, balela e tudo mais.

Como ensina o próprio brasão feioso, 'per ardua surgo' – dá pra vencer, apesar das dificuldades.

 

•        Refinaria de Mataripe não é ativo de especulação

A Refinaria de Mataripe, antiga refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, vem sendo vítima de ataques de fake news, que se intensificaram nos últimos dias, na tentativa de valorização da empresa para além do que de fato vale hoje.

A manobra parte da Acelen - empresa que administra e opera a refinaria vendida em 2021, a preço de banana, para o fundo árabe Mubadala - e acontece no momento em que há uma discussão sobre a recompra da refinaria pela Petrobras e em que as partes estão prestes a apresentar o valuation, a avaliação desse ativo.

Com o objetivo claro de valorização da empresa, a Acelen vem gastando dinheiro em intensa campanha de publicidade em rádio, televisão, outdoor, sites, jornais e redes sociais para dourar a realidade, dizendo que desde que eles comparam a refinaria, no governo Bolsonaro, a unidade está recebendo investimentos e crescendo.

Isso não passa de uma grande mentira e os trabalhadores baianos sabem disso. A refinaria está operando hoje com apenas 70% da sua capacidade de processamento, o que faz com que a Bahia perca milhões de reais com arrecadação de ICMS e tenha dificuldade em arcar com as suas contas. A refinaria representa em torno de 27% da arrecadação do Estado.

Por conta da capacidade ociosa da refinaria, a Bahia tem necessidade de importar diesel e gás de cozinha (GLP). Se os preços desses insumos já são altos, eles ficam ainda mais elevados para o cidadão e para a indústria baiana. E mais do que isso. Há a preocupação de que essa refinaria pare de produzir, como aconteceu com a Refinaria do Amazonas (REAM), também privatizada no governo passado.

Até 2015, antes, portanto, do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, a refinaria Landulpho Alves, a segunda maior do país, operava com 97% da sua capacidade de produção. Ou seja, um fator de utilização de 97%, o que significa o processamento de 97% dos 320 mil barris de petróleo por dia que ela tem capacidade de refinar.

A partir daí, porém, a refinaria entrou em processo de sucateamento, e chegou a operar com apenas 53% da sua capacidade. Com a venda da unidade para o fundo árabe, a preço abaixo do mercado, o fator de utilização passou para algo em torno de 75%. Agora, voltou a despencar para algo, em média, de 65%, 70% de sua capacidade.

Quem não pode ser prejudicado nesse processo é o povo trabalhador e a indústria baiana. Ao longo do processo de privatização da Rlam já tivemos unidades de produção que foram paralisadas e a demissão de mais de 700 trabalhadores, próprios da Acelen e das empresas terceirizadas. E mais: a refinaria privatizada impôs ao consumidor baiano o segundo maior preço de combustíveis do país, atrás somente da também privada refinaria do Amazonas.

 

•        Megainvestimento de R$ 522 bilhões promete tornar o Nordeste uma das regiões mais importantes do mundo

O Nordeste brasileiro está prestes a se tornar um polo global no setor de hidrogênio verde. O estado do Rio Grande do Norte desponta com um megainvestimento que promete transformar a produção de combustível do futuro. Serão R$ 111 bilhões de investimentos destinados a projetos desse tesouro escondido que visam alavancar a economia local e fortalecer a matriz energética do país. Este avanço trará inovação e colocará o estado na liderança do setor de hidrogênio verde (H2V) no Brasil.

Esse cenário é o resultado de pelo menos seis projetos em andamento, que prometem gerar até 5 GW de energia, posicionando o Rio Grande do Norte como um player importante no mercado de H2V. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do RN (Sedec), o total de investimentos previstos pode ultrapassar US$ 20 bilhões, ou cerca de R$ 111 bilhões na cotação atual.

Esses projetos, baseados em fontes de energia renovável como eólica e solar, estão em diferentes estágios de desenvolvimento e licenciamento que pode transformar a economia da região e criar mais de 30 mil novos empregos nos próximos anos.

<><> Investimentos em hidrogênio verde no Nordeste podem chegar a US$ 90 bilhões ( aproximadamente R$ 522 bilhões de reais) e gerar 30 mil empregos

Entre os seis projetos, três já estão avançando para a fase de licenciamento ambiental. Além disso, o estado está focado na viabilização do Porto-Indústria, que será fundamental para o escoamento da produção de hidrogênio verde. Essa infraestrutura será crucial para garantir que o estado consiga atender à demanda crescente por energia limpa. O Nordeste é uma das regiões mais promissoras para a produção de H2V, graças às suas condições climáticas e geográficas, favoráveis à geração de energia renovável.

Os números são impressionantes. Apenas na região do Nordeste, os investimentos em hidrogênio verde podem chegar a US$ 90 bilhões. O Rio Grande do Norte, que já lidera a produção de energia eólica no Brasil, quer assumir também a liderança no setor de H2V. O estado conta com o projeto do Complexo Industrial Alto dos Ventos, em Macau, com investimento de US$ 2,5 bilhões, aproximadamente R$ 14,5 bilhões. Esse complexo, liderado pelas empresas Nordex e Acciona, terá uma capacidade de produção de 1 GW de hidrogênio verde em uma área de 10 hectares.

Outros estados do Nordeste, como Ceará, Piauí e Bahia, também estão mirando o hidrogênio verde como uma alternativa econômica sustentável. O estudo “Hidrogênio Sustentável: Perspectivas para o Desenvolvimento e Potencial para a Indústria Brasileira”, da CNI, destacou a importância da região para o avanço do combustível do futuro. O Ceará, por exemplo, lidera com 27 projetos voltados para o desenvolvimento do hidrogênio verde. Esse movimento coloca o Nordeste em uma posição estratégica no cenário global de energias renováveis.

No Rio Grande do Norte, os três projetos em fase de licenciamento estão localizados nas cidades de Areia Branca, Macau e Pedra Grande. Segundo Hugo Fonseca, secretário adjunto de Desenvolvimento Econômico, o foco é atrair investimentos que permitam explorar as áreas com maior potencial de produção de H2V. Contudo, os detalhes dos projetos permanecem confidenciais, pois estão em fase de acordos preliminares e memorandos de entendimento. Empresas como Neoenergia, Enterprize e Maturati Participações estão envolvidas nas negociações.

<><> Estado conta com um Marco Legal que define as diretrizes para a produção do combustível do futuro (H2V) no Brasil

As condições para o sucesso no Rio Grande do Norte são favoráveis. A abundância de recursos naturais, como água e energia renovável, facilita a implementação da cadeia de produção de hidrogênio verde. Além disso, o estado conta com um Marco Legal que define as diretrizes para a produção de H2V no Brasil. A Assembleia Legislativa do RN está desenvolvendo uma regulação local para o setor, com o objetivo de impulsionar ainda mais os investimentos no estado.

Outro destaque é o Centro de Excelência em Formação Profissional para Hidrogênio Verde, o primeiro do Brasil, inaugurado em fevereiro deste ano. Essa instituição visa qualificar profissionais para atuar em todas as etapas da cadeia produtiva de H2V, desde a geração de energia até a aplicação prática. A mão de obra qualificada será essencial para atender à crescente demanda do setor, fortalecendo a posição do estado como líder na produção de hidrogênio verde.

O desenvolvimento do Porto-Indústria Verde também avança, com localização já definida entre Caiçara do Norte e Galinhos. O projeto é fundamental para o escoamento e exportação do combustível do futuro produzido no estado. O governo do Rio Grande do Norte já solicitou a autorização ao Ministério dos Portos e Aeroportos para iniciar o processo de licenciamento ambiental, um passo crucial para a viabilização do porto.

<><> Construção do Porto-Indústria Verde contará com investimentos do BNDES

Com um investimento de R$ 5,6 bilhões, o Porto-Indústria Verde será desenvolvido em uma área de 13 mil hectares, seguindo o modelo de Parceria Público-Privada (PPP). A expectativa é que o porto se torne um centro estratégico para a exportação de hidrogênio verde e outros produtos sustentáveis. O processo de licenciamento ambiental do porto tem custo estimado de R$ 12 milhões, e parcerias com o BNDES e o Ministério dos Portos estão sendo negociadas para garantir o apoio financeiro necessário.

O Porto-Indústria Verde será um marco no desenvolvimento econômico e sustentável do estado, consolidando o Rio Grande do Norte como um dos principais produtores de hidrogênio verde no Brasil. O porto, além de escoar a produção de H2V, também será um ponto estratégico para a exportação de outros produtos derivados de fontes renováveis. Com as operações previstas para iniciar por volta de 2030, o estado tem uma oportunidade única de se destacar no mercado global de energia limpa.

<><> Hidrogênio Verde: O tesouro escondido do Nordeste que vai revolucionar a energia renovável no mundo

O Nordeste brasileiro está em uma posição privilegiada para se tornar líder mundial na produção de hidrogênio verde. Com investimentos bilionários, um ambiente favorável e apoio governamental, o Rio Grande do Norte desponta como protagonista da revolução energética.

 

Fonte: Por André Uzeda, no Correio/A Tarde/Revista Sociedade Militar