terça-feira, 29 de outubro de 2024

Reuters aponta onda de direita no Brasil após eleições municipais

Candidatos de partidos de centro e da direita sagraram-se vencedores na maioria das cidades que tiveram segundo turno das eleições municipais neste domingo, consolidando tendência que já havia sido estabelecida na primeira rodada da votação.

A disputa mostrou força de nomes de direita que não necessariamente são vinculados a Jair Bolsonaro (PL) e de candidatos que firmaram alianças mais amplas, revelando uma preferência do eleitorado por fugir da polarização.

Partido que ao mesmo tempo faz parte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da administração estadual de São Paulo do governador Tarcísio de Freitas, o PSD encerrou a eleição municipal como o principal ganhador, com 887 prefeituras.

Em segundo lugar ficou o MDB -- outro partido que está no governo federal, mas que faz oposição a Lula em outros Estados, como São Paulo -- com 853 prefeituras, seguido pelo PP, em terceiro, com 746 prefeituras.

O quarto lugar foi o União Brasil, com 583 prefeituras, e depois o PL do ex-presidente Bolsonaro, com 516 municípios. O PT de Lula ficou com o nono maior número de prefeituras, com 252 vitórias.

Das 26 capitais brasileiras, o PSD e o MDB venceram em cinco cada. União Brasil e PL conquistaram cada um quatro capitais, enquanto PP e Podemos ficaram com duas cada.

O PT venceu somente na capital do Ceará, em uma disputa muito apertada vencida por Evandro Leitão contra o bolsonarista André Fernandes (PL) -- 50,38% a 49,62%.

O resultado também indicou a força da máquina na disputa. Dos 20 prefeitos de capital candidatos à reeleição, somente quatro não venceram.

A disputa mais importante deste domingo terminou com a reeleição do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que teve como principal padrinho político o governador Tarcísio -- que é apontado como um dos importantes nomes para a sucessão presidencial em 2026.

A eleição na maior cidade do país representou um revés para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ter apoiado o candidato do PSOL à prefeitura, o deputado federal Guilherme Boulos.

O presidente, de maneira geral, não chegou a entrar de cabeça nas corridas municipais, mas São Paulo foi a cidade onde mais investiu nessa eleição. Lula participaria de um ato de campanha com Boulos na véspera da votação, mas uma queda no banheiro sofrida no fim de semana passado impediu o presidente de viajar.

Bolsonaro, por sua vez, chegou a ir pessoalmente a Goiânia para acompanhar a votação do correligionário Fred Rodrigues (PL), que perdeu a disputa final para o ex-deputado Sandro Mabel (União).

O ex-presidente também foi derrotado em Belo Horizonte, onde o prefeito Fuad Noman (PSD) foi reeleito ao cargo derrotando o bolsonarista Bruno Engler (PL). Noman obteve 53,73% dos votos válidos contra 46,27% de Engler.

Ainda que esteja inelegível até 2030, Bolsonaro trabalhou na corrida municipal para tentar ampliar sua influência política.

Em outra capital importante do país, Sebastião Melo (MDB) se reelegeu prefeito vencendo a deputada federal Maria do Rosário (PT). Melo, que foi alvo de críticas pela gestão das enchentes enfrentadas pela cidade no primeiro semestre, teve 61,53% dos votos válidos, ante 38,47% de Rosário.

<><> Gleisi cobra de partidos da base apoio à reeleição de Lula

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), disse esperar que as vitórias dos partidos aliados que o governo federal tem contabilizado como suas sejam convertidas em apoio para o presidente Lula em 2026,.A declaração de Gleisi embute a expectativa de que a vitória de partidos com assento no governo reforce a base governista, destaca reportagem do jornal Folha de S.Paulo.

A presidente do PT lembrou que o PT só lançou candidatos em 13 capitais em prol de uma política de alianças.

"Espero que a vitória dos partidos que compõem a base, que está sendo computada como vitória do governo, possa se traduzir em apoio em 2026, para além do que já havia em 2022", disse Gleisi.

Gleisi destacou o crescimento do partido em comparação a quatro anos atrás e lembrou ainda que, em nome da governabilidade, o partido optou por apoiar candidaturas de aliados em 88 municípios com mais de 100 mil eleitores.

Gleisi elogiou o empenho do candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, e da candidata do PT em Natal, Natália Bonavides. Ela ressaltou o bom desempenho dos candidatos petistas, ainda que derrotados.

Nesta segunda-feira (28), o comando do PT se reunirá para avaliação do resultado do partido.

 

¨      Deslocamento do eixo gravitacional da política brasileira, Por Aldo Fornazieri

Definidos todos os vencedores e perdedores, as eleições municipais de 2024 definiram algumas novas características e tendências da política brasileira. A mais notável característica é o fim da bipolarização entre bolsonarismo e lulismo (esquerda, petismo etc.). As eleições marcaram o fortalecimento da multipolarização e do pluripartidarismo, com uma clara inclinação para a centro-direita. 

Os candidatos bolsonaristas radicais, com exceção de Fortaleza, foram derrotados por candidatos de partidos de centro-direita (Belo Horizonte, Curitiba e Goiânia), com o apoio velado ou explícito da esquerda. E a centro-direita, em algumas cidades (São Paulo, Porto Alegre etc.), disputou com candidatos de esquerda. Há um limite eleitoral para o discurso extremado do armamentismo, do machismo e de preconceito, principalmente entre as mulheres.

A mais notável tendência consiste no processo de deslocamento do eixo gravitacional da política brasileira para a centro-direita. A derrota de Bolsonaro para Lula em 2022 havia enfraquecido o bolsonarismo. Esse enfraquecimento agora se amplia e Bolsonaro perde capacidade de atração de aliados porque a sua perspectiva de poder futuro minguou.

Com a vitória de 2022, Lula havia se tornado o novo eixo gravitacional da política brasileira. Mas nesses quase dois anos de governo sofrível e confuso, sem capacidade de conferir um sentido e um rumo estratégicos ao país, e com o resultado das eleições municipais, Lula ficou enfraquecido na perspectiva de poder futuro e enquanto centro de atração de aliados. Lula, ao contrário do PT e da esquerda, não saiu propriamente derrotado das eleições, mas saiu enfraquecido pelas derrotas de seus apoiadores mais fiéis e históricos. 

A centro-direita, contudo, tem dois grandes problemas: 1) não tem um líder que a unifique e nem tende a tê-lo; 2) Não há coesão nem entre os partidos e nem dentro dos partidos. Por exemplo: tanto no MDB, quanto no PSD, seus representantes do Nordeste e Norte tendem mais para o campo progressista, enquanto que no centro-sul, tendem mais para o campo conservador. A questão que se coloca é se o Tarcísio de Freitas poderia ser esse líder agregador. Ele saiu fortalecido com a vitória de Nunes, mas com a imagem arranhada ao cometer crime de abuso de poder contra a campanha de Boulos. Mostrou que não tem afeição com a democracia.

O PL, o quinto em número de prefeituras conquistadas, fará uma opção de extrema-direita em 2026. Assim, o PSD, o MDB, o PP e o União Brasil, os quatro primeiros colocados pela ordem, terão papeis importantes na definição do cenário das eleições presidenciais no campo de centro-direita. Gilberto Kassab, que já declarou que estará com Tarcísio em qualquer circunstância, será um dos grandes caciques nesse processo.

Mesmo com todo esse cenário, a questão central da sucessão presidencial de 2026 ainda se concentra em Lula. Mas Lula está numa encruzilhada. Em primeiro lugar, para garantir a governabilidade dos dois últimos anos terá que ceder ainda mais espaço nos ministérios aos partidos de centro-direita. Caso contrário terá grande dificuldade de aprovar qualquer coisa no Congresso. 

Em segundo lugar, o governo se mostra fraco, extraviado, sem capacidade de indicar um rumo estratégico. Mesmo que a economia continue num ritmo de crescimento até 2026, não há nenhuma garantia de que isto se traduza em dividendos políticos e eleitorais, exatamente por conta da fraqueza política do governo. 

Em terceiro lugar, incidirá sobre a possível candidatura Lula em 2026 o fator idade. Ele terá 81 anos, a mesma idade que o presidente Biden tem em 2024. Esta é uma variável sobre a qual não se terá muito controle para a definição do cenário de candidaturas para a sucessão presidencial. Na hipótese de Lula não ser candidato, o cenário tenderá a ser mais complexo, com a pulverização de várias candidaturas de centro e de direita. 

De modo geral, as eleições marcaram a força do instituto da reeleição associado ao orçamento secreto. Alguns governadores saíram politicamente fortalecidos: Ronaldo Caiado, Ratinho Júnior, Elder Barbalho e Tarcísio, este chamuscado pelo crime eleitoral que cometeu. 

Mesmo com a vitória em Fortaleza, o PT e as esquerdas reiteraram sua derrota. Não dá para comparar o resultado de 2024 com o resultado de 2020. Naquele ano, Lula recém tinha saído da prisão. Agora, o PT está no governo com Lula. 

As eleições aprofundaram o processo de mediocridade da política. Foram marcadas mais por ataques pessoais do que por discussão de saídas para as cidades e as dificuldades dos cidadãos. O tema do meio ambiente, que expressa a maior crise do nosso tempo e a maior ameaça que paira sobre o presente e o futuro, pouco foi abordado. As altas abstenções indicam a exaustão da sociedade com os partidos e com os políticos, que se insularam no poder e só aparecem nas periferias nas campanhas eleitorais. 

Os programas de governo, incluindo os dos candidatos de esquerda, foram pobres. Não inovaram. Não souberam articular os temas das transições ecológica, da transição digital e da transição socioeconômica numa perspectiva inovadora em termos de serviços públicos, de nova economia do bem comum, de oferta de plataformas de desenvolvimento local articuladoras de conexões, empreendedorismo, serviços e fortalecimento de soluções locais. 

A candidatura de Boulos foi a mais significativa do campo da esquerda. No primeiro turno foi uma campanha extraviada, confusa, ingênua. Não projetou liderança e nem marca. Não preparou o segundo turno. Boulos entrou no segundo turno praticamente derrotado. Houve uma melhora no desempenho dele nos debates. Mas já era tarde. Em 2020, Bruno Covas fez 59,68% de votos e Boulos 40,62%. Agora Nunes fez 59,35% e Boulos 40,65%. Naquele ano de pandemia, a abstenção foi de 30,81%. Neste ano foi de 31,4%. Tudo praticamente se repetiu. Isto indica que Boulos terá que rever seu perfil de liderança e sua prática política.

A campanha pessolista mostrou-se tributária de algumas propostas de Marçal, o que prova a tibieza do programa do candidato. Sem entrar no juízo moral, a participação de Boulos na live de Marçal mais serviu para lavar a imagem deste. Boulos justificou a participação com o argumento de que dialoga com todos. Mas se deve dialogar com fascistas? Parece um equívoco a tese de que se ameniza a imagem ao dialogar com um radical de direita que não tem escrúpulos, cuja principal método consiste na mentira sistemática. 

As esquerdas estão fora do tempo. Erram na forma e nos conteúdos e narrativas. Não dialogam com os anseios e com as aflições do povo, com novo tipo de relações sociais e de trabalho que vem se constituindo com a revolução digital. Propõem soluções velhas para cidades que agridem a vida dos cidadãos, que destroem as formas de vida coletivas. 

Não percebem que o enfrentamento do individualismo, da solidão, das incertezas e da desesperança requer novas formas de articulação da cidadania, da articulação de espaços e de proposição de novas modalidades de prestação de serviços públicos. Não conseguem sair das armadilhas retóricas impostas pela direita. E não conseguem superar as suas próprias armadilhas que se autoimpuseram por uma sucessão de discursos equivocados. 

Este vazio de inovações e de soluções, essa ausência de acolhimento e de cuidado, esse desprezo pelos afetos e pelos valores vêm aprisionando os políticos e os partidos de esquerda no seu próprio insulamento em face da sociedade. As esquerdas perderam as ruas e os territórios. Os sindicatos já não têm força. Os partidos e os políticos de esquerda precisam se submeter ao crivo da crítica pública através de um debate aberto, ouvindo e dialogando com a sociedade, para que possam se reinventar.

 

Fonte: Reuters/Brasil 247

 

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