segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Brasil, uma nação mal representada

Terminado o segundo turno da eleições em algumas cidades do Brasil, uma coisa ficou certa: a representação política nas prefeituras e nas câmaras municipais, repetindo o que ocorre no Senado, na Câmara Federal, nos governos estaduais e nas assembleias legislativas, não corresponde ao corte da população em gênero, cor, raça e religião.

Segundo os números do Censo do IBGE, éramos 203,080 milhões de brasileiros em 2022, com predominância das mulheres (104,548 milhões, ou 51,48%) sobre os 98,532 milhões de homens (ou 48,52%). Mas a representação das mulheres nas prefeituras e nas câmaras municipais sequer chegou a cumprir a cota mínima de 30% das candidaturas (em eleições recentes, a inscrição de mulheres serviu apenas como representação de “laranjas” para garantir o gordo fundo partidário). Na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, segunda cidade do país, onde as mulheres são maioria, foram eleitas apenas 12 mulheres, uma a mais que na atual legislatura.

Quando se examina o corte dos candidatos autodeclarados por cor e raça, verifica-se um descompasso ainda maior entre a representação e as respectivas populações. Os pardos eram maioria na população, somando 92,083 milhões (45,34%), superando os 88,252 milhões de brancos (43,45%). Os pretos somavam 20,665 milhões (10,17%), mas a imensa maioria dos eleitos é constituída de homens brancos. E a representação dos 1,694 milhão que se declararam indígenas ou dos 1,330 milhão de quilombolas (na autodeclaração, índios se declaram pardos e os quilombolas, pretos ou pardos) ficou mais ainda a desejar. Dá para se entender por que os direitos dos índios e das demais categorias, com representações inferiores à sua posição na sociedade, são tão mal defendidos no Congresso, nas assembleias e câmaras municipais. O que acaba exigindo a interferência do Supremo Tribunal Federal.

·        O Centrão se move

Enquanto os extremos se digladiam nas grandes cidades, com o PL agrupando a ultradireita, e o PT e o Psol liderando as forças da esquerda, os partidos do centro (que atuam, parodiando os estados-pêndulos dos Estados Unidos, que mudam de posição a cada eleição, pró democratas ou pró republicanos, definindo o presidente no Colégio Eleitoral de cada estado) aliam-se ora a um governo de radical de direita. O objetivo é mamar nas tetas do Orçamento. Foi assim com Bolsonaro, que delegou espaço a Arthur Lira (PP-AL) no Orçamento Secreto.

E se repete com Lula, mais à esquerda. Embora seja fundador do PT, Lula, há muito, transcende as limitações ideológicas-partidárias da legenda, sendo um mito, sobretudo no Nordeste e entre os descendentes de nordestinos – o que explica sua baixa penetração (e do PT) no Sul do país.

Pois até agora, nas eleições municipais, o partido mais fortalecido foi o PSD, de Gilberto Kassab. Pragmático, Kassab tem representantes na presidência do Senado e do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), três assentos no Ministério de Lula e a função de coordenador de relações institucionais (políticas) do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Ou seja, não bastasse grandes prefeituras como a do Rio de Janeiro e outras por conquistar nesse 2º turno, meu pragmático xará já está preparado para descer do muro à direita ou à esquerda na eleição de 2026, se Lula for confirmado para a reeleição.

Mas o triunvirato que domina o Orçamento Secreto no Congresso e faz chantagem com qualquer governo – formado pelos representantes do União Brasil, o PP (Partido Progressista só no nome, pois vive defendendo bandeiras do atraso) e o Republicanos, o partido da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo - está fazendo reuniões para formar uma superfederação partidária no Congresso. Na prática, pode criar uma musculatura capaz de influir nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado e continuar sugando o Orçamento da União com emendas para beneficiar seus currais eleitorais, sem transparência e com artifícios como as emendas PIX, em boa hora suspensas pelo ministro Flávio Dino, do STF, mas sem poder impedir o efeito na eleição de prefeitos nos currais eleitorais dos estados.

Por isso, a representação partidária não corresponde ao recorte da população e eterniza as dinastias políticas. A estrutura partidária que levou à criação do Centrão na Constituinte de 1986, por iniciativa do falecido deputado Roberto Cardoso Alves (PTB-SP), que cunhou o lema “é dando que se recebe”, está mais forte e atuante com esse novo Centrão.

O presidente Lula vai ter de abrir mais espaço para esses partidos de centro, se quiser aprovar medidas até o fim do mandato. Sempre com o risco de que estas forças se unam para chantagear o Executivo e o Judiciário com ameaças de “impeachment”. Um toma lá-dá cá tipo MMA.

 

¨      Governo federal prepara ampla reforma administrativa

O governo federal pretende fazer uma ampla reforma administrativa, com a construção de uma nova legislação que venha substituir o Decreto-Lei nº 200/1967. O decreto foi instituído durante a ditadura cívico-militar (1964-1985) e que ainda hoje "dispõe sobre a organização da administração federal."

O propósito, segundo o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), é tornar a legislação compatível com a Constituição Federal.

Para isso, o MGI e a Advocacia Geral da União (AGU) criaram uma comissão formada por mais de uma dezena de especialistas, entre juristas, servidores públicos, pesquisadores e acadêmicos.

O grupo tem até abril de 2025, doze meses após a instalação da comissão, para elaborar a proposta de revisão do decreto-lei.

Além da encomenda na alteração do decreto, já com 57 anos, o MGI editou em agosto uma portaria fixando diretrizes das carreiras do serviço público (Portaria MGI nº 5.127). A norma estabelece princípios e orientações gerais que os órgãos públicos deverão seguir para apresentar as suas propostas de reestruturação de cargos, carreiras e planos.

"Ela é o primeiro instrumento normativo desde a Lei 8.112 de 1990", enfatiza José Celso Cardoso Jr., secretário de Gestão de Pessoas do MGI, em referência ao Estatuto do Servidor.

Em entrevista à Agência Brasil, Cardoso Jr. confirma que "o governo federal já está fazendo uma reforma administrativa na prática." Segundo ele, a reforma está "em ação" desde 2023 e ocorre "por meio de uma série de medidas de natureza infraconstitucional e incremental que já vem sendo adotadas, para melhorar a estrutura e as formas de funcionamento da administração pública."

Para o secretário, iniciativas somadas como o concurso público nacional unificado e a realização do dimensionamento da força de trabalho, para quantificar e definir os perfis mais adequados de servidores, e as novas normas para aperfeiçoamento da política nacional de desenvolvimento de pessoas "configuram uma reforma administrativa já em andamento."

<><> PEC 32

A realização da reforma administrativa foi anunciada pela equipe de transição do atual governo em dezembro de 2022. Na avaliação de especialistas, a reforma em andamento é mais abrangente do que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 32, apresentada em setembro de 2020 ao Congresso Nacional, e chegou a ser aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados, mas que não foi levada à votação no Plenário por falta de apoio.

"Politicamente, era uma coisa que não fazia sentido ali", opina o cientista político Leonardo Barreto que acompanha o dia a dia do Parlamento há mais de duas décadas.

A professora e pesquisadora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Michelle Fernandez, assinala que a PEC 32 "nasceu obsoleta" e "tem um objetivo estritamente fiscal, de diminuição de gastos. Portanto, não olha para a atuação do Estado. A existência do servidor público é para atender a sociedade e colocar de pé políticas públicas."

"A PEC 32 trata dos funcionários públicos. Olha para uma pequena fatia do funcionamento do Estado", opina Sheila Tolentino, pós-doutora em Ciência Política, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e integrante da comissão de especialistas que discute a legislação para substituir o Decreto-Lei nº 200. Segundo ela, o país precisa fazer a reforma administrativa "olhando para o serviço que é entregue à população."

Representantes dos servidores públicos ouvidos pela Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados no final do ano passado alertaram aos parlamentares que a PEC 32 poderia afetar a impessoalidade das contratações na administração pública, terceirizar carreiras permanentes em áreas como saúde, educação e assistência social, e dificultar as investigações de casos de corrupção que hoje são apurados por servidores com estabilidade.

<><> Contas públicas

Entidades empresarias, como a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), defendem que a PEC 32 poderia gerar economia e impactar na diminuição da dívida pública.

Para o sociólogo Félix Garcia Lopes Jr., pesquisador do Ipea, visões fiscalistas de setores empresariais partem de premissas erradas, como, por exemplo, a de que ocorre aumento de gasto público com servidores. 

"A trajetória ao longo do tempo mostra que nunca tivemos crescimento excessivo do número de servidores ou inchaço da máquina pública. Isso está documentado", diz o pesquisador, citando dados do Atlas do Estado Brasileiro (Ipea), estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e análise recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Os dados nesses estudos mostram que há no Brasil cerca de 11 milhões de servidores públicos, menos de 13% do número de trabalhadores do país. Proporção menor do que dos países mais desenvolvidos que formam a OCDE (20,8%).

Seis de cada dez servidores brasileiros trabalham para as prefeituras (6,5 milhões de funcionários públicos). Três de cada dez servidores têm vínculo com os governos estaduais (3,4 milhões de funcionários).

O maior contingente de servidores municipais e estaduais é formado por professores, profissionais da saúde e o pessoal da segurança pública, três categorias que fazem atendimento direto à população.

O restante de servidores públicos, 1,2 milhão de pessoas, é ligado à União, desses 570 mil estão na ativa. No nível federal, o maior contingente é de professores universitários. Os maiores salários estão concentrados no Poder Judiciário e no Poder Legislativo. Nos últimos cinco anos, diminuiu o número de servidores federais civis.

<><> Visões concorrentes

Félix Garcia aponta para "um certo paradoxo" nas percepções coletivas da sociedade brasileira. Há visões concorrentes como a de que "o Estado pode estar muito grande, inchado, e que a burocracia é excessiva" e ao mesmo tempo que os cidadãos "querem mais serviços públicos, mais médicos, mais professores, querem mais políticas de bem-estar."

"Nesses episódios de crise, como vimos na pandemia, fica evidente quão central é a burocracia pública para atacar problemas coletivos", acrescenta Michelle Fernandez, do Instituto de Ciência Política da UnB. Ela lembra que as empresas privadas também demandam uma administração pública bem estruturada.

"A burocracia nasce associada à necessidade de racionalidade econômica do setor privado, porque ela permite previsibilidade."

De acordo com Sheila Tolentino, pesquisadora do Ipea, por trás das medidas em discussão no governo não está "uma simples redução de gasto".

"O corte, em si, não traz os ganhos necessários para o futuro. O que precisamos construir para o futuro? Capacidade. Isso é o que precisamos construir", resume.

Na próxima quinta-feira (24), em Brasília, a comissão de especialistas que discute a legislação para substituir o Decreto-Lei nº 200 se reúne para discutir inovação e controle na administração pública. O evento poderá ser acompanhado em tempo real.

¨      Ministro quer parte da taxação de grandes fortunas para a defesa civil

O ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, defende que parte dos recursos que podem ser angariados com a taxação de grandes fortunas seja utilizado para financiar ações de proteção e defesa civil, para a redução das desigualdades da parcela mais vulnerável da população afetadas por eventos climáticos extremos.

O tema está sendo debatido no G20, que assumiu o compromisso de trabalhar pela diminuição da desigualdade. O ministro coordena o Grupo de Trabalho de Redução do Risco de Desastres do G20, cujo próximo encontro será em Belém, no final de novembro, onde a proposta deverá ser novamente discutida.

"A gente tem defendido para o Brasil, e para o mundo, que as grandes fortunas sendo taxadas, parte desses recursos vão para diminuição das desigualdades, uma vez que os que estão em situação de maior risco são as pessoas que estão morando em áreas que precisam de maior apoio e políticas públicas", disse Waldez Góes ao programa Bom Dia, Ministro, do Canal Gov.

Ainda de acordo com o ministro, uma das ações que o governo está desenvolvendo é voltada para a redução de desigualdades e a oferta de microcrédito para a agricultura familiar nas regiões Norte e Centro-Oeste, operadas com recursos dos fundos constitucionais das duas regiões, o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) e o do Centro-Oeste (FCO).

Waldez Góes explicou que os fundos não ofereciam a modalidade de microcrédito para as famílias e que o governo vai operar essa política, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e a Caixa Econômica Federal. Para este ano, estão previstos R$ 300 milhões em repasses, sendo R$ 150 milhões do FCO e outros R$ 150 milhões do FNO.

O ministro lembrou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma alteração no microcrédito. "Até então, em uma propriedade apenas o agricultor retirava o crédito. Agora, o agricultor pode retirar o crédito, mas também a esposa e o filho podem retirar também o crédito. O certo é que as famílias juntas podem ter três créditos para financiar a sua produção", explicou. 

"Isso tem um efeito de produção, de geração e distribuição de renda, de inclusão social, de diminuição de desigualdade", completou.

O ministro disse ainda que está previsto para o começo de novembro o início dos testes do Sistema de Alerta Precoce para as regiões Sul e Sudeste e que as salas de situação montadas por ocasião das enchentes no Rio Grande do Sul, e da estiagem e queimadas na Região Amazônica e no Pantanal seguem em funcionamento.

 

Fonte: Por Gilberto Menezes Côrtes, no JB

 

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