sábado, 21 de setembro de 2024

Satélites de Elon Musk estão 'bloqueando' nossa visão do Universo, aponta estudo

As ondas de rádio da crescente rede de satélites Starlink, do bilionário Elon Musk, estão bloqueando a capacidade dos cientistas de observar o Universo, de acordo com astrônomos na Holanda.

A nova geração de satélites Starlink, que fornecem internet rápida ao redor do mundo, está interferindo mais com radiotelescópios do que as versões anteriores, dizem os cientistas.

Os milhares de satélites em órbita estão "cegando" radiotelescópios e podem estar atrapalhando pesquisas de astronomia, de acordo com o Instituto Holandês de Radioastronomia (Astron).

A Starlink é um braço da SpaceX, a companhia de exploração espacial de Elon Musk, que também é dono da rede social X.

A SpaceX não respondeu a um pedido de comentário da BBC News.

Os satélites fornecem internet de banda larga ao redor do mundo, geralmente para lugares remotos, incluindo locais desafiadores para a instalação e manutenção de redes de telecomunicação, como Ucrânia e Iêmen e também na Amazônia.

Em 2022, os testes mostraram que a Starlink poderia fornecer velocidades de internet quatro vezes mais rápidas do que a média, de acordo com o Departamento de Digital, Cultura, Mídia e Esporte.

Mas os astrônomos dizem que isso tem um custo.

"Cada vez que mais destes satélites são lançados com estes níveis de emissão vemos cada vez menos do céu", disse a professora Jessica Dempsey, diretora do Astron à BBC News.

"Estamos tentando observar coisas como os jatos que são emitidos por buracos negros no centro das galáxias. Também observamos algumas das primeiras galáxias, a milhões e milhões de anos-luz de distância, bem como exoplanetas", disse ela, destacando as áreas que a radiação do satélite está afetando.

A interferência causada por satélites de segunda geração equivale a 32 vezes a interferência gerada pelos satélites de primeira geração, segundo o Astron.

30 agosto 2024

•        Radiação em excesso

A quantidade de radiação emitida excede os regulamentos definidos pelo órgão que regula esta indústria, a União Internacional de Telecomunicações, acrescenta Dempsey.

Uma estimativa sugere que há 6.402 satélites Starlink atualmente em órbita a cerca de 550 km acima da Terra, o que a torna a empresa a maior do setor.

Sua principal concorrente, a OneWeb, tem menos de mil.

Mas esta é uma área de negócios em franco crescimento. A Amazon está desenvolvendo sua própria rede e espera lançar pelo menos 3 mil satélites nos próximos anos.

Até 2030, o número de satélites em órbita deve ultrapassar 100 mil.

O estudo foi feito usando o radiotelescópio LOFAR na Holanda em um único dia em julho no início deste ano.

Muitos objetos no espaço, incluindo galáxias e planetas distantes, emitem luz no espectro eletromagnético.

Essa radiação viaja como ondas, e radiotelescópios podem captar essas ondas, permitindo obter uma imagem de coisas que não podemos ver com nossos olhos.

Mas essas ondas estão sofrendo interferência de satélites.

Os cientistas encontraram radiação eletromagnética não intencional de quase todos os satélites de segunda geração Starlink observados.

Era cerca de 10 milhões de vezes mais brilhante do que as fontes mais fracas de luz identificadas, eles dizem.

As descobertas foram publicadas no periódico científico Astronomy and Astrophysics.

O autor principal do estudo, Cees Bassa, diz que este efeito é comparável ao do "o brilho da Lua cheia sobre estrelas mais fracas visíveis a olho nu".

"Como a SpaceX está lançando cerca de 40 satélites Starlink de segunda geração toda semana, esse problema está se tornando cada vez pior", acrescenta Bassa.

Robert Massey, vice-diretor executivo da Sociedade Real de Astronomia no Reino Unido, diz que "está claro que, se você algo está comprometendo um grande observatório assim, precisamos fazer algo a respeito rapidamente".

Questionado sobre o valor da pesquisa de astronomia, Massey afirma ser "errado dizer que você pode simplesmente descartar alguma forma de ciência".

"As aplicações práticas [destes estudos científicos] podem levar décadas ou até mais tempo, mas podem ser fundamentais."

Cientistas também estão preocupados com a poluição luminosa dos satélites e temem que ela também esteja interferindo nos telescópios ópticos.

Astrônomos dizem que conversaram com a SpaceX sobre a radiação da primeira geração de satélites.

Mas o Astron diz agora que a radiação emitida pela segunda geração foi considerada ainda mais potente.

"Constatar isso foi um pouco chocante", diz Dempsey.

"Isso está realmente ameaçando toda a astronomia terrestre em todos os comprimentos de onda e de maneiras diferentes. Se continuar assim, sem algum tipo de mitigação, se tornará uma ameaça existencial para a astronomia."

Os pesquisadores enfatizam ser necessária uma maior regulamentação do ambiente espacial e de como os satélites operam para evitar que o trabalho científico seja comprometido.

Eles dizem ainda que, como a maior fornecedora de satélites, a SpaceX poderia definir um padrão para limitar estas formas de poluição.

Dempsey diz que ações simples como uma proteção em torno da bateria do satélite poderiam fazer uma grande diferença e reduzir a radiação emitida.

Alguma interferência vem de eletrônicos defeituosos, então, endereçar isso poderia evitar que isso acontecesse.

Mas, se nenhuma medida for tomada, "muito em brevem as únicas constelações que veremos serão feitas pelo homem", acrescenta Dempsey.

 

•        Como Musk burlou a justiça brasileira e fez o X voltar a funcionar no Brasil

O retorno da rede social X (antigo Twitter) em cidades como São Paulo e Belo Horizonte desde as primeiras horas desta quarta-feira (19/9) chamou a atenção de usuários e autoridades brasileiras.

Isto porque o retorno desafia uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que desde o dia 31 de agosto suspendeu o funcionamento da rede social do bilionário Elon Musk no Brasil.

A volta do X, portanto, é o mais novo episódio do embate entre Musk, considerado o homem mais rico do mundo, e Alexandre de Moraes.

O retorno do X, ainda que parcial, lançou luz sobre uma pergunta: como a rede conseguiu burlar o bloqueio imposto pela justiça brasileira e voltar a funcionar no Brasil?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que o retorno da rede só foi possível graças a uma mudança técnica que teria "driblado" os bloqueios impostos pelos provedores de telefonia e internet do Brasil.

Segundo eles, o X passou a hospedar o seu conteúdo em uma rede conhecida como Cloudflare, uma das mais abrangentes do mundo. Ao fazer isso, o bloqueio anteriormente feito pelas operadoras brasileiras passou a não surtir mais efeito.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem quanto ao objetivo da mudança. Para um deles, seria temerário afirmar que a mudança adotada pelo X teria como objetivo principal dar um "drible" na determinação de Moraes.

Para outro, haveria evidências de que a manobra feita pelo X teria como objetivo específico burlar a ordem do STF.

De acordo com os especialistas, porém, afirmam que a mudança feita pela rede criou uma dificuldade a mais para o STF e para as operadoras bloquearem o acesso ao X.

Isto porque, segundo eles, para bloquear o X, agora, seria preciso bloquear o acesso à nova rede em que ele está hospedado. O problema é que isso poderia causar um "apagão" em sites populares no Brasil.

•        Bloqueios e 'caminhões' de placas trocadas'

O diretor de tecnologia da empresa Sage Networks, Thiago Ayub, explicou à BBC News Brasil como se deu a mudança que permitiu o retorno do acesso ao X ao país.

Ele disse que, anteriormente, o X hospedava os seus serviços em seus próprios provedores.

Agora, ele disse, o X passou a utilizar uma rede terceirizada, a Cloudflare, uma das principais empresas do setor de hospedagem de conteúdo e cibersegurança.

O especialista disse que, quando o STF determinou o bloqueio do X no Brasil, as operadoras e provedoras de internet do Brasil acataram a ordem negando o acesso aos endereços IPs dos provedores do X no país.

Agora, no entanto, o conteúdo encontra-se em outro endereço e fora, portanto, da lista de endereços bloqueados anteriormente.

Ayub compara os provedores a empresas de logísticas que, para fazer uma entrega, precisam usar caminhões.

Segundo ele, é como se em vez de usar caminhões com placas vedadas pelo bloqueio do STF, o X estivesse usando os "caminhões" da uma empresa diferente com placas que não estavam na lista usada pelas operadoras até então.

Como as placas são distintas, o bloqueio não funciona.

"Cada conexão de internet possui um número de identificação chamado endereço IP. Ele é parecido com uma placa de carro. Esse novo servidor, como usa outra estrutura, é como se fosse um outro caminhão com outra placa e por isso não faziam parte da lista de bloqueio inicial", disse.

•        Risco de apagão?

Para Ayub, a medida adotada pelo X criou um problema adicional ao STF, à Anatel e às operadoras e provedoras de internet no Brasil.

Isto acontece porque, segundo ele, para tirar o X do ar novamente, seria necessário, em princípio, bloquear o acesso à rede Cloudflare. Isso, disse Ayub, poderia prejudicar uma série de outros serviços.

"A situação é bastante complicada. Bloquear os servidores da Cloudlflare seria, por tabela, bloquear todos os clientes que utilizam os mesmos serviços. Várias empresas importantes do exterior e do Brasil têm sites hospedados indiretamente pela mesma infraestrutura. Isso poderia resultar num apagão de diversos sites populares no Brasil", disse.

Ayub afirmou que as operadoras e provedoras de internet do país ainda não se decidiram sobre o que farão agora.

David Nemer disse avaliar o dilema de forma parecida.

"As operadoras podem bloquear a Cloudflare, mas vai bloquear a plataforma toda, afetando sites e serviços que não têm nada a ver com o X", disse.

Segundo Nemer, a única alternativa técnica para que o X fosse novamente bloqueado no Brasil seria a própria Cloudflare fazer este bloqueio. O problema, segundo Nemer, é que a empresa também não teria um representante no Brasil.

•        Intencional ou não?

Para Ayub, ainda não haveria evidências para atribuir a mudança à uma tentativa deliberada do X de burlar a proibição imposta pelo STF.

"Seria ousado deduzir que a intenção fosse burlar a decisão judicial, mas na prática, é isso que acaba acontecendo. A gente só poderia cravar que a intenção tinha um dolo se a empresa se manifestar. Mas o timing surpreende muito porque essa mudança acontece após a proibição", disse.

O especialista em antropologia da tecnologia e professor da Universidade da Virginia, David Nemer, disse à BBC News Brasil que haveria indícios de que a manobra teve como objetivo desrespeitar a ordem de Moraes.

Nemer disse que, ao checar os endereços dos servidores usados pelo X ao redor do mundo, verificou que apenas o acesso do Brasil estaria sendo feito por meio da Cloudflare.

Segundo ele, em todos os outros países, o acesso estaria sendo feito por meio dos servidores próprios do X.

"O Musk fez essa alteração no Brasil. Somente no Brasil, a entrega do conteúdo do X está sendo feita pelo servidor da Cloudflare", disse à BBC News Brasil.

•        A disputa

A disputa legal entre o STF e a rede de Musk culminou na suspensão da plataforma no Brasil no fim de agosto.

A decisão foi tomada após a empresa não atender a uma série de ordens judiciais, que incluíam a nomeação de um representante legal no país e a remoção de perfis e conteúdos específicos.

Enquanto o STF insiste no cumprimento das determinações, Musk tem se recusado a obedecer, acusando o Judiciário brasileiro de ameaçar a democracia.

O bilionário defende que suas ações fazem parte de uma luta pela liberdade de expressão.

No entanto, o ministro Alexandre de Moraes, responsável pela decisão, rebate afirmando que Musk confunde liberdade de expressão com o direito de praticar agressões verbais.

Até o momento, o X continua sem designar um representante legal para atuar no Brasil.

A BBC News Brasil enviou perguntas ao X, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ao STF sobre o retorno do funcionamento do X no país.

O X não respondeu.

O STF disse, por e-mail, que não tem informações para dar sobre o caso.

Em nota, a Anatel não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem, mas disse que "mantém a fiscalização a respeito da ordem de bloqueio" feita pelo STF e que o "resultado desse acompanhamento é reportado diretamente" à Corte.

 

Fonte: BBC News 

 

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