Satélites de Elon Musk estão 'bloqueando'
nossa visão do Universo, aponta estudo
As ondas de rádio da
crescente rede de satélites Starlink, do bilionário Elon Musk, estão bloqueando
a capacidade dos cientistas de observar o Universo, de acordo com astrônomos na
Holanda.
A nova geração de
satélites Starlink, que fornecem internet rápida ao redor do mundo, está
interferindo mais com radiotelescópios do que as versões anteriores, dizem os
cientistas.
Os milhares de
satélites em órbita estão "cegando" radiotelescópios e podem estar
atrapalhando pesquisas de astronomia, de acordo com o Instituto Holandês de
Radioastronomia (Astron).
A Starlink é um braço
da SpaceX, a companhia de exploração espacial de Elon Musk, que também é dono
da rede social X.
A SpaceX não respondeu
a um pedido de comentário da BBC News.
Os satélites fornecem
internet de banda larga ao redor do mundo, geralmente para lugares remotos,
incluindo locais desafiadores para a instalação e manutenção de redes de
telecomunicação, como Ucrânia e Iêmen e também na Amazônia.
Em 2022, os testes
mostraram que a Starlink poderia fornecer velocidades de internet quatro vezes
mais rápidas do que a média, de acordo com o Departamento de Digital, Cultura,
Mídia e Esporte.
Mas os astrônomos
dizem que isso tem um custo.
"Cada vez que
mais destes satélites são lançados com estes níveis de emissão vemos cada vez
menos do céu", disse a professora Jessica Dempsey, diretora do Astron à
BBC News.
"Estamos tentando
observar coisas como os jatos que são emitidos por buracos negros no centro das
galáxias. Também observamos algumas das primeiras galáxias, a milhões e milhões
de anos-luz de distância, bem como exoplanetas", disse ela, destacando as
áreas que a radiação do satélite está afetando.
A interferência
causada por satélites de segunda geração equivale a 32 vezes a interferência
gerada pelos satélites de primeira geração, segundo o Astron.
30 agosto 2024
• Radiação em excesso
A quantidade de
radiação emitida excede os regulamentos definidos pelo órgão que regula esta
indústria, a União Internacional de Telecomunicações, acrescenta Dempsey.
Uma estimativa sugere
que há 6.402 satélites Starlink atualmente em órbita a cerca de 550 km acima da
Terra, o que a torna a empresa a maior do setor.
Sua principal
concorrente, a OneWeb, tem menos de mil.
Mas esta é uma área de
negócios em franco crescimento. A Amazon está desenvolvendo sua própria rede e
espera lançar pelo menos 3 mil satélites nos próximos anos.
Até 2030, o número de
satélites em órbita deve ultrapassar 100 mil.
O estudo foi feito
usando o radiotelescópio LOFAR na Holanda em um único dia em julho no início
deste ano.
Muitos objetos no
espaço, incluindo galáxias e planetas distantes, emitem luz no espectro
eletromagnético.
Essa radiação viaja
como ondas, e radiotelescópios podem captar essas ondas, permitindo obter uma
imagem de coisas que não podemos ver com nossos olhos.
Mas essas ondas estão
sofrendo interferência de satélites.
Os cientistas
encontraram radiação eletromagnética não intencional de quase todos os
satélites de segunda geração Starlink observados.
Era cerca de 10
milhões de vezes mais brilhante do que as fontes mais fracas de luz
identificadas, eles dizem.
As descobertas foram
publicadas no periódico científico Astronomy and Astrophysics.
O autor principal do
estudo, Cees Bassa, diz que este efeito é comparável ao do "o brilho da
Lua cheia sobre estrelas mais fracas visíveis a olho nu".
"Como a SpaceX
está lançando cerca de 40 satélites Starlink de segunda geração toda semana,
esse problema está se tornando cada vez pior", acrescenta Bassa.
Robert Massey,
vice-diretor executivo da Sociedade Real de Astronomia no Reino Unido, diz que
"está claro que, se você algo está comprometendo um grande observatório
assim, precisamos fazer algo a respeito rapidamente".
Questionado sobre o
valor da pesquisa de astronomia, Massey afirma ser "errado dizer que você
pode simplesmente descartar alguma forma de ciência".
"As aplicações
práticas [destes estudos científicos] podem levar décadas ou até mais tempo,
mas podem ser fundamentais."
Cientistas também
estão preocupados com a poluição luminosa dos satélites e temem que ela também
esteja interferindo nos telescópios ópticos.
Astrônomos dizem que
conversaram com a SpaceX sobre a radiação da primeira geração de satélites.
Mas o Astron diz agora
que a radiação emitida pela segunda geração foi considerada ainda mais potente.
"Constatar isso
foi um pouco chocante", diz Dempsey.
"Isso está
realmente ameaçando toda a astronomia terrestre em todos os comprimentos de
onda e de maneiras diferentes. Se continuar assim, sem algum tipo de mitigação,
se tornará uma ameaça existencial para a astronomia."
Os pesquisadores
enfatizam ser necessária uma maior regulamentação do ambiente espacial e de
como os satélites operam para evitar que o trabalho científico seja
comprometido.
Eles dizem ainda que,
como a maior fornecedora de satélites, a SpaceX poderia definir um padrão para
limitar estas formas de poluição.
Dempsey diz que ações
simples como uma proteção em torno da bateria do satélite poderiam fazer uma
grande diferença e reduzir a radiação emitida.
Alguma interferência
vem de eletrônicos defeituosos, então, endereçar isso poderia evitar que isso
acontecesse.
Mas, se nenhuma medida
for tomada, "muito em brevem as únicas constelações que veremos serão
feitas pelo homem", acrescenta Dempsey.
• Como Musk burlou a justiça brasileira e
fez o X voltar a funcionar no Brasil
O retorno da rede
social X (antigo Twitter) em cidades como São Paulo e Belo Horizonte desde as
primeiras horas desta quarta-feira (19/9) chamou a atenção de usuários e
autoridades brasileiras.
Isto porque o retorno
desafia uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de
Moraes, que desde o dia 31 de agosto suspendeu o funcionamento da rede social
do bilionário Elon Musk no Brasil.
A volta do X,
portanto, é o mais novo episódio do embate entre Musk, considerado o homem mais
rico do mundo, e Alexandre de Moraes.
O retorno do X, ainda
que parcial, lançou luz sobre uma pergunta: como a rede conseguiu burlar o
bloqueio imposto pela justiça brasileira e voltar a funcionar no Brasil?
Especialistas ouvidos
pela BBC News Brasil explicam que o retorno da rede só foi possível graças a
uma mudança técnica que teria "driblado" os bloqueios impostos pelos
provedores de telefonia e internet do Brasil.
Segundo eles, o X
passou a hospedar o seu conteúdo em uma rede conhecida como Cloudflare, uma das
mais abrangentes do mundo. Ao fazer isso, o bloqueio anteriormente feito pelas
operadoras brasileiras passou a não surtir mais efeito.
Os especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil se dividem quanto ao objetivo da mudança. Para um
deles, seria temerário afirmar que a mudança adotada pelo X teria como objetivo
principal dar um "drible" na determinação de Moraes.
Para outro, haveria
evidências de que a manobra feita pelo X teria como objetivo específico burlar
a ordem do STF.
De acordo com os
especialistas, porém, afirmam que a mudança feita pela rede criou uma
dificuldade a mais para o STF e para as operadoras bloquearem o acesso ao X.
Isto porque, segundo
eles, para bloquear o X, agora, seria preciso bloquear o acesso à nova rede em
que ele está hospedado. O problema é que isso poderia causar um
"apagão" em sites populares no Brasil.
• Bloqueios e 'caminhões' de placas
trocadas'
O diretor de
tecnologia da empresa Sage Networks, Thiago Ayub, explicou à BBC News Brasil
como se deu a mudança que permitiu o retorno do acesso ao X ao país.
Ele disse que,
anteriormente, o X hospedava os seus serviços em seus próprios provedores.
Agora, ele disse, o X
passou a utilizar uma rede terceirizada, a Cloudflare, uma das principais
empresas do setor de hospedagem de conteúdo e cibersegurança.
O especialista disse
que, quando o STF determinou o bloqueio do X no Brasil, as operadoras e
provedoras de internet do Brasil acataram a ordem negando o acesso aos
endereços IPs dos provedores do X no país.
Agora, no entanto, o
conteúdo encontra-se em outro endereço e fora, portanto, da lista de endereços
bloqueados anteriormente.
Ayub compara os
provedores a empresas de logísticas que, para fazer uma entrega, precisam usar
caminhões.
Segundo ele, é como se
em vez de usar caminhões com placas vedadas pelo bloqueio do STF, o X estivesse
usando os "caminhões" da uma empresa diferente com placas que não
estavam na lista usada pelas operadoras até então.
Como as placas são
distintas, o bloqueio não funciona.
"Cada conexão de
internet possui um número de identificação chamado endereço IP. Ele é parecido
com uma placa de carro. Esse novo servidor, como usa outra estrutura, é como se
fosse um outro caminhão com outra placa e por isso não faziam parte da lista de
bloqueio inicial", disse.
• Risco de apagão?
Para Ayub, a medida
adotada pelo X criou um problema adicional ao STF, à Anatel e às operadoras e
provedoras de internet no Brasil.
Isto acontece porque,
segundo ele, para tirar o X do ar novamente, seria necessário, em princípio,
bloquear o acesso à rede Cloudflare. Isso, disse Ayub, poderia prejudicar uma
série de outros serviços.
"A situação é
bastante complicada. Bloquear os servidores da Cloudlflare seria, por tabela,
bloquear todos os clientes que utilizam os mesmos serviços. Várias empresas
importantes do exterior e do Brasil têm sites hospedados indiretamente pela
mesma infraestrutura. Isso poderia resultar num apagão de diversos sites
populares no Brasil", disse.
Ayub afirmou que as
operadoras e provedoras de internet do país ainda não se decidiram sobre o que
farão agora.
David Nemer disse
avaliar o dilema de forma parecida.
"As operadoras
podem bloquear a Cloudflare, mas vai bloquear a plataforma toda, afetando sites
e serviços que não têm nada a ver com o X", disse.
Segundo Nemer, a única
alternativa técnica para que o X fosse novamente bloqueado no Brasil seria a
própria Cloudflare fazer este bloqueio. O problema, segundo Nemer, é que a
empresa também não teria um representante no Brasil.
• Intencional ou não?
Para Ayub, ainda não
haveria evidências para atribuir a mudança à uma tentativa deliberada do X de
burlar a proibição imposta pelo STF.
"Seria ousado
deduzir que a intenção fosse burlar a decisão judicial, mas na prática, é isso
que acaba acontecendo. A gente só poderia cravar que a intenção tinha um dolo
se a empresa se manifestar. Mas o timing surpreende muito porque essa mudança acontece
após a proibição", disse.
O especialista em
antropologia da tecnologia e professor da Universidade da Virginia, David
Nemer, disse à BBC News Brasil que haveria indícios de que a manobra teve como
objetivo desrespeitar a ordem de Moraes.
Nemer disse que, ao
checar os endereços dos servidores usados pelo X ao redor do mundo, verificou
que apenas o acesso do Brasil estaria sendo feito por meio da Cloudflare.
Segundo ele, em todos
os outros países, o acesso estaria sendo feito por meio dos servidores próprios
do X.
"O Musk fez essa
alteração no Brasil. Somente no Brasil, a entrega do conteúdo do X está sendo
feita pelo servidor da Cloudflare", disse à BBC News Brasil.
• A disputa
A disputa legal entre
o STF e a rede de Musk culminou na suspensão da plataforma no Brasil no fim de
agosto.
A decisão foi tomada
após a empresa não atender a uma série de ordens judiciais, que incluíam a
nomeação de um representante legal no país e a remoção de perfis e conteúdos
específicos.
Enquanto o STF insiste
no cumprimento das determinações, Musk tem se recusado a obedecer, acusando o
Judiciário brasileiro de ameaçar a democracia.
O bilionário defende
que suas ações fazem parte de uma luta pela liberdade de expressão.
No entanto, o ministro
Alexandre de Moraes, responsável pela decisão, rebate afirmando que Musk
confunde liberdade de expressão com o direito de praticar agressões verbais.
Até o momento, o X
continua sem designar um representante legal para atuar no Brasil.
A BBC News Brasil
enviou perguntas ao X, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ao STF
sobre o retorno do funcionamento do X no país.
O X não respondeu.
O STF disse, por
e-mail, que não tem informações para dar sobre o caso.
Em nota, a Anatel não
respondeu às perguntas enviadas pela reportagem, mas disse que "mantém a
fiscalização a respeito da ordem de bloqueio" feita pelo STF e que o
"resultado desse acompanhamento é reportado diretamente" à Corte.
Fonte: BBC News
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