sábado, 28 de setembro de 2024

Praia artificial, árvores e chope: o “plano” da direita contra o calor extremo em Cuiabá

Desde o início de agosto, a cidade de Cuiabá (MT) bateu seis vezes o seu recorde de temperatura máxima em todo o ano de 2024, chegando ao ápice na última quinta (19), com 43° em toda a cidade – em alguns pontos, os termômetros mostravam temperaturas superiores. Pesquisadores apontam que a perspectiva futura é de temperaturas médias iguais ou superiores a essa, com o surgimento na capital mato-grossense de novas “ilhas de calor” – regiões até dez graus mais quentes que outras, com o centro histórico local como maior exemplo deste fenômeno em curso.

Para os dois favoritos nas pesquisas de intenção de voto ao cargo de prefeito nas eleições deste ano, no entanto, a resposta para o calor extremo que assola Cuiabá é simples: plantar mais árvores. À Agência Pública, nenhum dos dois candidatos favoritos de acordo com as pesquisas – um do campo da direita, outro da extrema direita – mencionou preocupação com a cidade ser uma das 15 capitais brasileiras sem plano de enfrentamento às mudanças climáticas.

<><> Por que isso importa?

•        A Agência Pública está percorrendo a BR-163, entre os estados do Mato Grosso e Pará, e o município de Cuiabá é um dos locais dessa rota onde nossa equipe investiga como o tema das mudanças climáticas e meio ambiente vem sendo discutido nas eleições municipais.

•        A região é extremamente marcada por calor extremo, com cidades que registram grande adesão ao bolsonarismo.

Líder nas pesquisas até aqui, o presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Eduardo Botelho (União), defende o plantio de árvores na capital, mas planeja capitalizar com o calor extenuante na cidade.

Botelho propõe “aproveitar do mote que ‘Cuiabá é a cidade mais quente do Brasil’ com ruas e festivais temáticos com sorveterias, sucos e choperias para atrair parques aquáticos para a cidade e a construção de uma praia artificial com orlas para entretenimento”.

Candidato do governador Mauro Mendes (União) na disputa, Eduardo Botelho sequer menciona o termo “mudanças climáticas” em seu plano de governo. Por outro lado, ele propõe a construção de seis novas avenidas na capital, inclusive sobre parte das áreas verdes restantes em Cuiabá, com trajetos que beneficiarão moradores de condomínios de alto padrão nos limites da cidade.

Indagado pela Pública sobre a contradição entre conservar o meio ambiente e construir avenidas sobre áreas verdes, Botelho disse apenas que quer “plantar 1 milhão de árvores”. “Vamos trabalhar num sistema diferente, não é entregando a muda, mas entregando [árvores] com 1 metro de altura, com aplicativo para cuidar disso”, afirmou, sem dar mais detalhes.

À reportagem, o candidato afirmou que, além de plantar mais árvores, pretende “cuidar das nossas nascentes, dos nossos corpos hídricos, dos nossos rios”, novamente sem entrar em detalhes.

Seu plano de governo sugere “ações de revitalização das matas ciliares” do rio Cuiabá, mas não menciona planos para o rio Coxipó – responsável por fornecer grande parte da água consumida todos os dias pelas mais de 650 mil pessoas que vivem na cidade. A Pública passou por trechos do rio com nítidos sinais de assoreamento, com capivaras e peixes nadando em esgoto lançado nas águas sem qualquer tratamento.

O candidato do governador na disputa em Cuiabá angariou o apoio de clãs influentes na política estadual, como os Campos, por meio do senador Jayme Campos (União) e seu irmão, deputado estadual Júlio Campos (União), e os Riva, via deputada estadual Janaína Riva (MDB). Tanto o senador quanto a deputada estiveram no evento de campanha de Botelho ao qual a Pública compareceu, no último dia 18 de setembro.

Realizado no salão de festas da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), o evento contou com a presença de políticos próximos à gestão Mauro Mendes, com uma série de falas em prol de Eduardo Botelho e ênfase no apoio do governador à campanha, além de uma oração coletiva pela vitória do candidato ainda no primeiro turno.

•        “Se não plantar, aí é que não cresce mesmo”

Segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, o deputado federal Abilio Brunini (PL) também defendeu a arborização como antídoto para o calor que assola Cuiabá.

Questionado pela Pública sobre a viabilidade de sua proposta, levando-se em conta o tempo necessário para o crescimento das árvores até serem capazes de amenizar o calor extremo, Brunini afirmou: Se não plantar, aí é que não cresce mesmo”.

Candidato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na disputa pela prefeitura, Brunini admitiu, porém, que seu plano depende de acordos políticos a longo prazo, com “uma política de arborização com continuidade não apenas de um prefeito, mas de várias gestões”.

Especialistas criticam o avanço de condomínios de alto padrão sobre as áreas remanescentes de Cerrado em Cuiabá, com impactos negativos sobre a vegetação local. Soma-se a isso a verticalização da capital, com edifícios cada vez mais altos em regiões vulneráveis ao aquecimento, com a formação de ilhas de calor dentro da cidade, e a ocupação irregular de áreas próximas aos rios Coxipó e Cuiabá.

Indagado sobre sua posição diante da urbanização descontrolada da capital, com a multiplicação de condomínios de alto padrão em áreas que deveriam ser conservadas e ampliadas, Brunini disse que “o condomínio fechado, o condomínio vertical ou até os conjuntos habitacionais não são os grandes vilões”.

“Não plantar árvores, isso sim é o grande vilão do aquecimento na cidade”, afirmou Brunini, alegando que “temos diversas cidades com inúmeros condomínios fechados, mas com políticas públicas diferentes da nossa”.

Já existe um plano elaborado pela atual gestão, de Emanuel Pinheiro (MDB), de arborização para Cuiabá, mas ele não foi colocado em prática. Além disso, a Assembleia de Mato Grosso aprovou uma política estadual de arborização urbana, por sua vez barrada pelo governador Mauro Mendes em abril passado. A proposta foi resgatada no último dia 17 de setembro, quando foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação do estado.

O candidato bolsonarista disse à Pública que tem “conversado com o pessoal do agro”, para que o setor tome a dianteira em projetos de replantio de árvores na capital, mas deu a entender que não conseguiu firmar compromissos. “É muito mais fácil botar isso em prática com as escolas municipais, com os centros comunitários, com a própria prefeitura”, alegou.

Ao longo da entrevista, Brunini atacou, genericamente, a poda de árvores na cidade – “não podemos permitir essa atrocidade” – e defendeu a irrigação em parques municipais para combater a seca, com uso de recursos do rio Cuiabá. Mas o rio tem sofrido com o assoreamento e o lançamento de esgoto não tratado, especialmente na capital.

•        Ambientalista, esquerda esbarra no antipetismo

O candidato da esquerda na disputa é o único a usar o termo “emergência climática” para se referir ao calor extremo em Cuiabá. Nome do presidente Lula (PT) na corrida pela prefeitura, o deputado estadual Lúdio Cabral (PT) defendeu o plantio de árvores e a recuperação de matas ciliares nos rios Coxipó e Cuiabá e no ribeirão do Lipa, como forma de combate às mudanças climáticas.

“Vamos recuperar áreas de preservação permanente nos rios Cuiabá e Coxipó, no ribeirão do Lipa e nos 29 córregos urbanos da cidade, porque há regiões com casas exatamente à margem dos córregos. Vamos mapear essas áreas de risco e criar um programa habitacional para as famílias que vivem nessas áreas, porque a seca e o calor de hoje, muito em breve, podem virar cheias repentinas e enchentes”, disse Cabral à Pública.

“Tem havido uma forte especulação imobiliária, com loteamentos fechados e parcelamento ilegal de imóveis urbanos na zona rural. Se não enfrentarmos isso, daqui a pouco não teremos água em Cuiabá. Se não recuperarmos a mata ciliar, não conseguiremos captar água. É uma ameaça à cidade”, afirmou.

Mas o candidato de Lula na corrida pela prefeitura tem tido dificuldades para emplacar seu discurso junto ao eleitorado. Seu principal desafio é superar o antipetismo na capital: em 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro teve 61,5% dos votos válidos em Cuiabá.

Nas últimas pesquisas, Cabral ainda aparece, dentro da margem de erro, muito próximo ao segundo colocado nas intenções de voto, o bolsonarista Abilio Brunini. A equipe do petista evitou o tom vermelho na estética da campanha, além de veicular inserções na propaganda eleitoral gratuita com pessoas ditas “bolsonaristas” declarando seu apoio a Cabral.

Ainda de acordo com as pesquisas, estima-se que metade do eleitorado ainda não decidiu em quem votará no próximo dia 6 de outubro. Trata-se de algo em torno de 222 mil eleitores, com base nas estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Essa parte significativa da população cuiabana será o diferencial na eleição – seja para definir uma disputa em segundo turno, seja para encerrar o pleito ainda no primeiro.

 

•        A cortina de fumaça da Política Ambiental do Brasil. Por Marco Antonio Chagas

A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), criada em 1981, estabeleceu os instrumentos da política ambiental, com destaque para os padrões de qualidade ambiental. Estes padrões são limites toleráveis das condições do meio ambiente, sendo que ultrapassados colocam em risco a saúde da população.

A qualidade do ar e da água deve ser monitorada e informada à população, principalmente diante de situações de poluição ambiental, como acontece com a fumaça das queimadas e despejo de poluentes e contaminantes nos cursos d’água. O monitoramento ambiental é essencial para prevenir doenças e permitir que o poder público tome as providências cabíveis para evitar ou mitigar os impactos ambientais das atividades humanas.

A rede de monitoramento da qualidade do ar e da água é restrita a estados da região Sudeste e inexiste nos estados da Amazônia. Os estados da Amazônia não monitoram a qualidade do ar e da água, mesmo em casos de reincidência de impactos ambientais, como acontece com as queimadas e com a poluição química dos cursos d’água. Esta situação se agrava pelos efeitos das mudanças climáticas, que têm alterado o ciclo hidrológico e a sazonalidade do clima na região, potencializando os efeitos sobre o meio ambiente.

O monitoramento da qualidade do ar e da água é questão de saúde pública e não é admissível que, passados mais de 40 anos da PNMA, o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) não consiga colocar em prática um dos mais importantes instrumentos da política ambiental. Esta condição é inerente ao retrocesso da política ambiental no Brasil, que não pode ser depositada somente na conta do governo Bolsonaro e de sua boiada.

A PNMA e seus instrumentos não funcionam como um sistema nacional integrado. Os biomas estão queimando em todo o país e o governo Federal convoca os estados e municípios apenas para combater o fogo, negligenciando ações para o fortalecimento do SISNAMA ou mesmo a possível condição de calamidade climática pública pela dimensão dos impactos das queimadas ao meio ambiente e à saúde da população. A responsabilidade compartilhada é um dos princípios da política ambiental.

Na quase totalidade do território brasileiro, o ar que respiramos se encontra em condições de não conformidade, com fumaça e material particulado muito acima dos padrões de qualidade ambiental estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Na maioria das cidades, sobretudo na Amazônia, não existem redes de monitoramento que possam informar a população sobre os níveis de poluição do ar decorrente da fumaça das queimadas e os consequentes riscos à saúde.

O verão amazônico acontece de julho a dezembro e as projeções de cientistas indicam que a região apresenta alta vulnerabilidade as mudanças climáticas. As fumaças das queimadas se acentuarão e tornarão o clima da região amazônica incompatível com a sadia qualidade de vida humana, implicando no comprometimento da saúde mental e do trabalho, no agravamento das doenças respiratórias, oculares, entre outras. O monitoramento do ar é questão de saúde pública e não se faz necessária série histórica de monitoramento para se ter evidências da gravidade da situação.

A rede de monitoramento da água também é inexistente na Amazônia. Para citar um exemplo de um caso negligenciado pela política ambiental, o arquipélago do Bailique, localizado na região costeira do estado do Amapá, onde vivem cerca de 13 mil pessoas, passa por uma condição de tragédia ambiental anunciada pela percepção de seus moradores e denunciada pelo ex-governador do Amapá, João Alberto Capiberibe. “O Bailique está desaparecendo pelos impactos ambientais cumulativos e pelas mudanças climáticas. A erosão é intensa e o avanço do mar sobre a zona costeira estuarina tem provocado o aumento da salinidade da água, com previsão de extensão acelerada deste efeito para Macapá, onde está instalada a principal estação de captação de água que abastece a cidade”, alerta Capiberibe.

Por que a qualidade do ar das cidades da Amazônia impactadas com as queimadas não é monitorada e comunicada em tempo real a população? Por que a erosão e a salinidade do Bailique não são monitoradas ou não é dada a devida atenção à percepção ambiental dos moradores? Por que não se cumpre a PNMA? Algumas hipóteses são aqui anunciadas.

A primeira é que os Órgãos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente se tornaram cartórios de licenças ambientais negociadas politicamente e o monitoramento ambiental passou a “condicionante não cumpridos” das licenças emitidas. Uma segunda hipótese é que estes órgãos ambientais são inoperantes, sem servidores efetivos e sem dotação orçamentária adequada para o monitoramento ambiental, que requer equipamentos e pessoal altamente qualificado. Uma terceira hipótese está relacionada ao academicismo das evidências, que desqualifica as percepções dos saberes da população para validar somente aquilo que é publicável em artigos científicos.

O monitoramento da qualidade do ar e da água deve ser prioridade para as políticas ambientais dos estados e municípios em tempos de mudanças climáticas. Fortalecer o Sistema Nacional de Meio Ambiente é determinante para o selo “desenvolvimento sustentável” e acima de tudo para cumprir o que determina o artigo 225 da Constituição Federal: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.

 

Fonte: Por Caio de Freitas, da Agencia Pública/Outras Palavras

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário