Políticas anti-imigração na Europa:
xenofobia com nova roupagem ou direito soberano?
"Os refugiados
forçados a vagar de país em país representam a vanguarda de seus povos […]. O
respeito recíproco dos povos europeus se estraçalhou quando, e porque,
permitiu-se que os membros mais fracos fossem excluídos e perseguidos."
A afirmação, da
filósofa política Hannah Arendt, escrita em 1943, no ensaio "Nós, os
refugiados", segue atual 80 anos depois?
Ou as recentes medidas
tomadas por países da União Europeia (UE) para limitar a entrada de
determinados imigrantes são justas e um direito soberano?
Na Alemanha, por
exemplo, o governo iniciou o controle temporário nas fronteiras sob a alegação
de combater a migração irregular e proteger a população de ameaças como o
extremismo islâmico, após um imigrante muçulmano matar a facadas três pessoas e
ferir oito. O país também suspendeu o Tratado de Schengen, que garante a livre
circulação de pessoas.
No Reino Unido, houve
protestos por todo o país no mês passado, por causa das mortes de três meninas
atacadas a facadas por um adolescente, filho de imigrantes de Ruanda. Medidas
mais antigas já são tomadas na Hungria e na Itália.
Para debater esse
assunto, a Sputnik Brasil convidou para seu podcast Mundioka o doutor
(Universidade de Brasília, UnB) e mestre (Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, UFRGS) e doutor em relações internacionais Bruno Mendelski; e o professor
de relações internacionais do Ibmec São Paulo Carlo Cauti, nesta quarta-feira
(18).
Para Mendelski, que
também é pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do
Mundo Árabe (Nuprima), da UFRGS, as recentes medidas são discriminatórias e
representam o "enfraquecimento da democracia, da legitimidade da democracia".
Ele citou como exemplo
a política migratória inglesa de pagar Ruanda para receber migrantes
irregulares do Reino Unido.
"Esse projeto não
foi uma medida imposta unilateralmente pelo Partido Conservador, ela foi
aprovada no Parlamento. Ou seja, a maior parte do Parlamento aprovou uma medida
que era claramente discriminatória e racista. Enfim, que bom que foi agora revogada
pelos trabalhistas", opinou.
O pesquisador gaúcho
comentou que estudos de agências da UE apontam que até o ano 2100 o continente
vai perder 27 milhões de pessoas e que o déficit de trabalhadores já é sentido
nos dias de hoje.
"Há essa grande
contradição: há uma necessidade de mão de obra para manter a economia
funcionando, mas, por outro lado, há uma grande resistência em parte
significativa das sociedades e dos governos em aceitar os migrantes".
Carlo Cauti argumentou
que nem todos os migrantes têm o direito automático a pedir asilo na Europa.
"Existem os
migrantes econômicos, que mudam de um país para outro procurando um emprego
melhor; mas existem também refugiados, que fogem, por exemplo, de perseguições,
de torturas. Os refugiados têm direito de permanecer em solo europeu porque têm
direito ao asilo político, mas os imigrantes econômicos não", argumentou
ele. "Então essas pessoas, elas devem ser repatriadas, mas isso não é uma
forma discriminatória, isso é a aplicação das leis, inclusive
internacionais."
O professor defendeu
ainda que os países têm direito de limitar os ingressos de migrantes.
"Dependendo das
necessidades que têm e do fato de acreditarem que aquela pessoa possa ou não se
integrar com a sua comunidade nacional. Isso não se aplica aos refugiados,
porque eles, sim, têm direito automático de serem acolhidos por causa das perseguições
que sofrem […]. Mas os refugiados são uma pequena parcela do mundo migratório
internacional. A enorme maioria não tem esse direito."
Já para o pesquisador
do Rio Grande do Sul, essa definição tem dois pesos e duas medidas, em que
migrantes desejados e indesejados são classificados com viés racista e
preconceituoso.
"Se o imigrante é
branco, cristão e vem de um país de renda alta, ele recebe um tratamento
totalmente diferente da maior parte dos migrantes que hoje a Europa recebe, que
são justamente as pessoas do norte da África e do Oriente Médio [...] Há um preconceito
contra os migrantes, muito forte, mas contra um tipo específico de
migrantes."
O que o pesquisador da
UFRGS chamou de xenofobia, o professor do Ibmec classificou como
incompatibilidade de valores de muitas dessas culturas com a cultura europeia.
Ele destacou que em países como a Alemanha, em que cerca de 30% dos habitantes
vêm de outras nações, tem ocorrido esse choque de civilizações.
Esse choque se
intensifica principalmente porque as novas gerações de imigrantes
"continuam sendo cidadãos e culturalmente ligados aos países de origem e
rejeitam a cultura do país onde estão", criando um "separatismo
interno".
"Isso acaba
incompatibilizando essa necessidade dos países europeus de mão de obra que
existe com a necessidade de ter uma certa homogeneidade, um mínimo cultural
para manter uma estabilidade social."
Cauti defendeu que a
única forma de coexistência pacífica de populações no mesmo território ocorre
quando há aceitação dos usos dos costumes, especialmente das leis do país para
onde se migra.
"Os países da
Europa são países secularizados, onde não existe uma interferência da religião
no Estado ou nas leis. E como compatibilizar isso, por exemplo, com a poligamia
ou com a discriminação feminina no caso de populações que vêm de alguns países
árabes, ou com a mutilação genital feminina, por exemplo, que 90% das mulheres
somalianas sofrem isso e na Europa claramente é proibido?", questiona.
Entretanto, para
Mendelski, a aparente incompatibilidade de culturas tem relação com a xenofobia
do europeu, que, segundo ele, é um sentimento de superioridade sobre
determinados povos, sobretudo os colonizados. Ele defendeu que a intolerância
em relação à cultura e à religião ocorre sobretudo contra os imigrantes.
O pesquisador gaúcho
comentou ainda que a agência de direitos humanos da UE divulgou um estudo sobre
a prevalência de discriminação em vários países do bloco: "Imigrantes que
vivem na Áustria retrataram que 67% deles se sentiram discriminados. Na Alemanha,
65%. Finlândia, 57%, enquanto em Portugal, 17%".
"Há uma antipatia
histórica e um sentimento de superioridade, um etnocentrismo que foi usado como
justificativa para o período colonial. […] infelizmente, pelo quadro da
situação, os conflitos, a instabilidade, a divisão do mundo, não sou muito, no curto
prazo, otimista de que os países, sobretudo da Europa, que precisam dessas
pessoas, possam ter políticas que minimamente cumpram com os direitos
humanos,"
Mendelski frisou que
as agências europeias reconhecem o problema do preconceito e da xenofobia com
dados e estudos, mas que as comprovações não saem do papel.
"Faltam grandes
lideranças europeias que realmente compreendam que essa questão da migração é
não apenas um dever moral, sobretudo em um continente que é o berço dos
direitos humanos, que é o berço do Iluminismo, como também uma questão
estratégica para o próprio desenvolvimento da Europa", argumentou ele.
Ele completou
afirmando que a prioridade de todo o Estado deve ser o bem-estar dos seres
humanos e da natureza.
"Então acho que a
gente tem que começar a olhar para a questão da migração como seres humanos,
para se colocar no lugar dessas pessoas que estão migrando, que poderiam ser
nós", concluiu ele.
¨ Migrantes são “imprescindíveis” em Portugal e “um bem para
todos”
Querendo fazer face às
cada vez mais “vozes hostis aos imigrantes” que se vão ouvindo “em Portugal e
noutros países”, a Comissão Nacional Justiça e Paz acaba de divulgar uma nota
em que sublinha “a imprescindibilidade de trabalhadores imigrantes em vários
setores da atividade económica em Portugal” e “o bem que migrações legais,
ordenadas e seguras podem trazer às sociedade de origem e destino dos
imigrantes”.
Ao mesmo tempo, o
organismo laical da Igreja Católica desmistifica ideias erradas que existem em
torno do fenómeno migratório: “Ao contrário do que muitas vezes se propala, o
incremento da imigração que Portugal conheceu nos últimos anos não se traduziu num
incremento da criminalidade. De um modo geral, o imigrante típico
caracteriza-se por uma especial capacidade de trabalho, poupança e dedicação à
família, o que contrasta em absoluto com uma maior tendência para a
delinquência”, pode ler-se na nota enviada ao 7MARGENS nesta terça-feira, 17 de
setembro.
E acrescenta: “Há quem
tema o choque que possa resultar do encontro com imigrantes de culturas
diferentes da nossa. Sendo certo que a maior parte dos imigrantes que chegam
até nós partilham a nossa língua e, nessa medida, nos são culturalmente
próximos, também o Papa tem sublinhado como o diálogo de culturas se
traduz num enriquecimento recíproco”.
Salvaguardando que
“não podemos limitar-nos, egoisticamente, a atender ao bem que os imigrantes
podem trazer ao nosso país, esquecendo o bem que as migrações podem representar
para eles próprios e para os seus países de origem”, a Comissão Nacional Justiça
e Paz defende que “há que encarar as migrações na perspetiva da justiça social,
à luz do princípio do destino universal dos bens”. E cita o Papa Francisco,
quando na encíclica Fratelli tutti afirma que “cada nação é
co-responsável pelo desenvolvimento de todas as pessoas, o que pode traduzir-se
de dois modos, que não se excluem mutuamente: no acolhimento de imigrantes e no
contributo para o desenvolvimento dos países de origem destes”.
E conclui: “Deverá
continuar a ser sempre para nós motivo de orgulho patriótico e de alegria que
os imigrantes queiram viver em Portugal por ser um país acolhedor onde se
sentem em casa. Deverá ser motivo de vergonha e de tristeza que aqui se sintam
hostilizados e vítimas de discriminação e injustiça”.
¨ Alemanha, uma ameaça para a Europa? Por Flávio Aguiar
Será a Alemanha uma
ameaça para o restante da Europa? Calma: não estou falando de uma guerra,
embora graças ao conflito na Ucrânia muitos países do continente, inclusive a
Alemanha, estejam aumentando seus orçamentos militares. Estou falando de um
outro campo de batalha: a economia.
Na semana passada uma
parte de uma das principais pontes da cidade de Dresden, na província da
Saxônia, quebrou-se durante a madrugada e desabou no rio Elba. Equipes de
engenharia passaram o fim de semana trabalhando febrilmente para remover os
destroços, pois teme-se uma inundação com a cheia do rio, graças a intensas
chuvas e neve precoce em sua cabeceira e sobre alguns de seus afluentes.
Ouvi no rádio o
comentário de um economista dizendo que esta era uma metáfora perfeita para a
economia alemã. Esta vem desabando e a queda vem provocando um efeito cascata
no continente, devido ao fato de que muitos outros países dependem das
importações da e exportações para a Alemanha, cuja economia ainda é a mais
forte da Europa.
Depois de um longo
período de prosperidade no começo do século XXI, os problemas da economia alemã
começaram com a pandemia da COVID-19, que afetou seriamente o comércio, os
serviços e os transportes. De início pequenos e médios estabelecimentos
fecharam suas portas e em seguida a crise chegou às grandes lojas de
departamentos. Para complicar mais a situação, uma parte dos consumidores
acostumou-se a fazer compras pela internet. Os efeitos mais dramáticos da
pandemia passaram, mas o hábito de comprar à distância não. Até hoje grandes
lojas estão fechando filiais pelo país afora.
A situação se agravou
com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A Alemanha aderiu ao fornecimento de
armas, ao apoio financeiro ao governo de Kiev e às sanções econômicas contra a
Rússia. Os gasodutos Nord Stream 1 e 2, este último em construção, que traziam
o gás russo para a Alemanha foram sabotados em setembro de 2022, num episódio
até hoje não esclarecido.
Em consequência de
todo este processo o fornecimento do gás russo foi interrompido bruscamente,
atingindo seriamente a indústria alemã, que começou a encolher. Insumos
agrícolas que vinham da Ucrânia também foram prejudicados pela guerra. O custo
da energia subiu vertiginosamente, o dos alimentos também. A economia alemã se
retraiu e o país se encontra agora à beira do abismo de uma recessão
prolongada.
Segundo Franciska
Palma, analista da londrina Capital Economics, a queda na economia
alemã começou em 2018 e se agravou a partir de 2020 e depois de 2022, e não há
sinais de pronta recuperação.
Em 2023 a economia do
país caiu em 0,3%. A previsão para 2024 é de crescimento zero. Apesar dos
esforços do governo, a situação não deve melhorar em 2025. Para responder à
crise, Berlim deseja promover a biotecnologia, as tecnologias verdes, a
Inteligência Artificial e as indústrias da defesa, isto é, militares. Mas está
amarrado pelo princípio de que a dívida pública, ou déficit orçamentário não
pode ultrapassar os 0,35% do Produto Interno Bruto.
Houve uma queda de
braço interna à coalizão do governo, formada pelo SPD social-democrata, os
Verdes e o liberal FDP (Freie Demokratische Partei). Os Verdes e o SPD
queriam aumentar o percentual da dívida pública em relação ao PIB, mas o FDP
fechou questão e ganhou a parada: só permaneceria no governo se os 0,35% fossem
mantidos.
O resultado de tudo é
que a Alemanha entrou num processo acelerado de desindustrialização, arrastando
consigo o continente todo.
De julho de 2023 a
julho de 2024 a produção industrial alemã caiu em 5,45%, índice superado apenas
pela queda do setor na Hungria ( – 6,4%) e na Estônia ( – 5,8%). O recuo global
foi de 2,2% na Zona do Euro e de 1,7% na União Europeia.
Um sinal agudo da
crise apareceu na Volkswagen, empresa umbelical e culturalmente ligada à
identidade alemã. Acossada também pela queda nas importações chinesas e pela
concorrência deste país dentro da Europa, pela primeira vez em seus quase 90
anos de existência a empresa anunciou a disposição de fechar unidades de
produção para equilibrar as contas. Anunciou também a decisão de romper um
acordo trabalhista de 30 anos com o sindicato dos trabalhadores, que protege
salários e empregos.
Como o sindicato tem
uma forte representação no Conselho Diretor da empresa, a batalha promete ser
dura.
Como também a luta
pela recuperação e pelo equilíbrio na economia alemã e europeia promete ser
tenaz e longa.
Fonte: Sputnik Brasil/7Margens/A
Terra é Redonda
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