De coach a político: a fortuna de Pablo Marçal
e as perguntas sem respostas
A carreira política de
Pablo Marçal como candidato à Prefeitura de São Paulo tomou o Brasil de
surpresa. Ele desponta como um inegável fenômeno nas redes sociais, mas o
crescimento veloz de sua fortuna e suas atividades empresariais, somadas às
ligações questionáveis de figuras do seu partido com o crime organizado,
demandam explicações. Restam, inclusive, dúvidas sobre o porquê de sua primeira
entrada na cena eleitoral ter coincidido com um prejuízo de R$ 2 milhões em sua
maior empresa.
Um dos principais
ativos declarados por Marçal à Justiça eleitoral é a “Aviation Participações
Ltda.”, com capital social registrado no montante de R$ 100 milhões. Embora o
nome da empresa faça alusão ao setor de aviação, suas atividades registradas
estão concentradas na administração, compra, venda e aluguel de imóveis
próprios. A empresa foi constituída em outubro de 2021 e tem como sócios Pablo
Marçal e Marcos Paulo de Oliveira.
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Prejuízo
Na retórica triunfal
de Marçal, tudo é sobre conquistas e vitórias, mas o balanço patrimonial mais
recente, registrado na Junta Comercial de São Paulo, conta uma história um
pouco diferente. O exercício de 2022, longe de refletir o brilho de um sucesso
empresarial incontestável, apresentou um resultado econômico negativo de R$
2.227.654,07, e tanto os ativos quanto os passivos somam modestos R$
9.654.136,87. Parece que, em vez de decolar, a “Aviation” está mais próxima de
um pouso forçado.
O prejuízo, por sinal,
foi reconhecido pelo próprio candidato: a ata da assembleia deliberativa do
último balanço registra que os sócios foram unânimes em identificar o resultado
negativo no ano em que, coincidentemente, Pablo Marçal embarcou pela primeira
vez na política, disputando inicialmente para presidente da república e, mais
tarde, para deputado federal.
A reunião aconteceu em
agosto de 2023, um ano antes de sua entrada na disputa pela prefeitura da
capital. O Congresso em Foco questionou a assessoria de comunicação sobre quais
fatores o candidato atribui ao prejuízo, e se, em sua avaliação, houve relação
com a disputa eleitoral de 2022. Ainda não houve resposta.
Pablo Marçal tem um
patrimônio declarado de R$ 193,5 milhões ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Muitas de suas empresas atuam em setores conhecidos por serem usados para
lavagem de dinheiro, levantando suspeitas sobre a origem de sua riqueza e suas
verdadeiras alianças.
• Explosão sem respostas
Ex-coach e
influenciador digital, ele construiu uma base sólida de seguidores, utilizando
sua plataforma para expandir seu alcance em números exponenciais e lançando mão
de técnicas inovadoras de marketing digital. A ascensão de Pablo Marçal não se
limita à política paulistana. Ele tem conseguido, aos poucos, dividir o
eleitorado conservador, colocando em risco a hegemonia de Jair Bolsonaro entre
os eleitores de direita. Em eventos como o 7 de setembro, Marçal apareceu para
dividir as atenções com Bolsonaro, e sua popularidade nas redes sociais só
cresce.
Essa fragmentação da
direita é preocupante para os bolsonaristas, que veem em Marçal um rival
inesperado à hegemonia do ex-presidente, capaz de mobilizar um público jovem e
insatisfeito com “as mesmas figuras políticas de sempre”. Ao contrário do
ex-Capitão que adveio da estrutura de poder após quase três décadas como
deputado, Marçal é, sim, um legítimo “outsider”.
• Desconforto na direita
Sua ascensão, embora
meteórica, não ocorre sem gerar desconforto. Jair Bolsonaro e outros líderes de
direita (como Silas Malafaia) estão cada vez mais inquietos com o espaço que
Marçal vem conquistando. Para um candidato que não depende de grandes partidos
nem de tempo de TV, sua capacidade de mobilização nas redes e sua entrada no
campo conservador mostram que ele não pode mais ser subestimado.
Contudo, a ascensão de
Marçal vem acompanhada de um questionamento central que ele ainda não
respondeu: como ele conseguiu acumular tamanha fortuna, declarada ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) em R$ 193,5 milhões, em um período de dez anos nas
condições que são apresentadas agora, para o público? Tal fortuna, claro, não é
compatível com a esmagadora maioria do empresariado, ainda que “coach” de
palestras motivacionais e vídeos no YouTube.
• Furto qualificado
Essa é uma das
questões que mais intrigam observadores e críticos. Marçal tem um passado
criminal relevante não ligado à política que merece destaque. Ele foi condenado
por sua participação em meados dos anos 2000 por integrar um esquema de fraudes
bancárias na internet, como parte da “Operação Pegasus” (Tribunal Regional
Federal da Primeira Região; Processo nº 182459420054013500 /
2005.35.00.018391-1/GO), realizada pela Polícia Federal. Marçal foi condenado a
quatro anos e cinco meses de reclusão por furto qualificado, após ser
identificado como o responsável por capturar listas de e-mails que,
posteriormente, eram infectadas com programas maliciosos.
O objetivo do esquema
era roubar dados bancários para transferências fraudulentas. Marçal, no
entanto, não cumpriu a pena: ela foi extinta pela prescrição, já que ele era
menor 21 anos na época do cometimento dos crimes. Isso significa que ele não
foi inocentado, mas sim que sua punibilidade foi extinta pelo tempo decorrido
entre a condenação e o julgamento final.
• De onde vem a fortuna?
Esse episódio,
minimizado por Marçal e seus apoiadores quando questionados, revela um lado
obscuro de sua história, que, combinado com seu rápido crescimento financeiro,
levanta ainda mais preocupações com a verificação sobre a lisura de suas
atividades empresariais. A pergunta que surge é como ele conseguiu, em apenas
uma década, passar de um “coach” a um multimilionário, com um patrimônio
declarado que impressiona até o mais otimista dos empresários.
A questão sobre sua
evolução patrimonial é um ponto de grande dúvida. Quando empresários sérios
olham para os números de Marçal, fica difícil acreditar que ele conseguiu
acumular R$ 193,5 milhões em dez anos. A conta simplesmente não fecha. Amealhar
uma fortuna de R$ 20 milhões, R$ 30 milhões nesse período seria algo crível.
Porém, não há como acumular R$ 193 sem chamar atenção do meio empresarial.
Relembrando que a
discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado das empresas
usualmente é maior, é de se presumir que, na realidade, seu patrimônio
empresarial possa valer muito mais, já que capital social, frequentemente
utilizado em registros formais, não reflete o valor real de uma empresa no
mercado. Com maior razão pelas histórias de sucesso que Marçal gosta de
alardear.
• Cortes e suspeitas
Esse rápido acúmulo de
riqueza, sem que haja clareza nos detalhes e aliado a outros fatos que margeiam
a biografia do candidato, levanta suspeitas. A conta da evolução do patrimônio
de Marçal é típica de fenômenos digitais que preferem apresentar versões de
fatos, “cortes”, em vez de uma análise profunda. Marçal é um mestre no uso de
“cortes”, que são cuidadosamente editados para entregar uma mensagem atraente,
porém superficial. Seu público compra essas versões sem questionar se elas têm
profundidade ou coerência com a realidade.
Na prática, o mundo
real impõe restrições e complexidades que o discurso das redes muitas vezes
ignora. Não é normal para alguém, em tão pouco tempo, acumular uma fortuna de
R$ 193,5 milhões comprando e vendendo terrenos e operando em setores que exigem
alto investimento inicial. Usualmente, a construção de uma fortuna genuína, que
se sustenta ao longo do tempo, está intrinsicamente ligada ao trabalho árduo, à
dedicação e ao esforço constante. Ganhar dinheiro dá muito trabalho. Mantê-lo,
idem. Não perder esse capital, também. Quem tem essas cifras costuma não ter
tempo a se dedicar a redes sociais.
• 20 setores
E isso é um ponto
importante. Para acumular uma fortuna tão grande em um período tão curto, seria
necessário ter lucros consistentes e bem acima da média de mercado, com
dedicação e foco. No entanto, Marçal ainda não explicou consistentemente de
onde vem a maior parte de seus recursos. Ele afirma atuar em mais de 20 setores
diferentes, o que levanta ainda mais dúvidas. É possível que, em apenas dez
anos, uma pessoa domine tantos setores e consiga um crescimento financeiro
dessa magnitude, dedicando-se tanto às atividades em redes sociais?
A grande pergunta que
precisa ser respondida para quem pretende assumir a maior capital brasileira e,
tal como um certo “gestor” que já prefeitou antes em São Paulo, precisa ser
respondida é: de onde vem a fortuna de Pablo Marçal? Como alguém que começou
com um trabalho de coach e influenciador digital pode, em uma década, acumular
tanto capital de modo nada usual, especialmente considerando o tempo e esforço
necessários para manter e expandir uma fortuna dessa magnitude? Essas questões
não podem ser ignoradas pelo eleitor (como estão!) e a falta de explicações
claras sobre seu crescimento patrimonial levanta suspeitas sobre a origem de
sua riqueza.
• PCC
A candidata Tabata
Amaral (PSB), entre outros adversários políticos, já levantou publicamente
essas questões. Em seus vídeos, Tabata tem questionado diretamente a origem dos
recursos de Marçal e as possíveis ligações obscuras em torno de sua fortuna. E,
ao que parece, ela não está sozinha. Empresários sérios também observam com
ceticismo a trajetória do candidato, questionando como ele conseguiu
multiplicar seu patrimônio de forma tão rápida e “heterodoxa”, e em setores
onde o lucro não é tão garantido quanto ele afirma.
O que poderia ser uma
narrativa de “sucesso empreendedor” esconde aspectos complexos que envolvem
empresas em setores sensíveis, como aviação e imóveis, que coincidem com
atividades associadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
Outro destaque de seu
patrimônio é a “Marçal Loteamento Participações Ltda.”, outra empresa envolvida
no setor imobiliário, com um capital social declarado de R$ 100 mil. Sem
conhecer o negócio, não é possível opinar se um capital social desse montante transmite
segurança à atividade de loteamentos, ainda que essa atividade envolva
patrimônios vultosos. Mas é fato que, sem que possamos afirmar se há alguma
relação com facções criminosas ou se há algum crime, essas atividades de
loteamento são frequentemente utilizadas para disfarçar grandes somas de
dinheiro ilícito.
A polícia já
demonstrou que o PCC tem controle direto sobre negócios imobiliários em várias
regiões do Brasil, sendo um mecanismo eficiente para lavar dinheiro proveniente
do tráfico de drogas e outras atividades ilícitas.
• Conexões sombrias
Um dos nuances mais
intrigantes da trajetória de Marçal é a conexão com Florindo Miranda Ciorlin,
um piloto e empresário acusado de atuar na aquisição e ocultação de aeronaves
para traficantes. Florindo é acusado de ser uma peça-chave no transporte de grandes
quantidades de cocaína da Bolívia para o Brasil, operação ligada diretamente ao
PCC.
Em 2021, Marçal
concedeu a Florindo uma procuração para representá-lo junto a órgãos federais,
o que coloca Marçal em uma posição desconfortável. A relação entre eles,
especialmente quando se considera a associação de Florindo com atividades
ilícitas, pode levantar suspeitas sobre as operações da “Aviation
Participações” e o uso de empresas de fachada para disfarçar negócios ilícitos,
já que o nome sugere envolvimento com a atividade de aviação.
Essa conexão entre
Marçal e Florindo é particularmente preocupante, pois se encaixa no padrão já
conhecido de uso de empresas no setor de aviação e imóveis como canais para a
lavagem de dinheiro do tráfico de drogas. O PCC, como uma organização fortemente
estruturada, utiliza esses mesmos métodos para manter suas operações longe do
radar das autoridades, e a presença de figuras como Florindo no círculo
empresarial de Marçal reforça a necessidade de o eleitor conhecer mais as
“histórias de sucesso” vertiginoso do ex-coach.
• Partido enrolado
Além das atividades
empresariais de Marçal, seu partido, o PRTB, está imerso em controvérsias que
envolvem o PCC. Investigações recentes revelaram que figuras importantes do
partido estão ligadas diretamente a operações de tráfico de drogas. Um exemplo
é Tarcísio Escobar de Almeida, ex-presidente estadual do PRTB, acusado de
trocar carros de luxo por cocaína para a facção. Ele e Júlio César Pereira
(Gordão) foram implicados em esquemas que financiaram o tráfico de drogas com
bens de alto valor, utilizando esse mecanismo como uma forma de lavar dinheiro
para o PCC.
Ambas as figuras são
ligadas a Leonardo Avalanche, presidente nacional do PRTB e aliado próximo de
Marçal (que já deu declarações isentando seu líder partidário de ligações com a
facção criminosa).
• “Banco do crime”
Essas conexões são
alarmantes, uma vez que o próprio partido de Marçal está implicado em esquemas
que beneficiam o crime organizado. As investigações sugerem que o PCC criou uma
espécie de “banco do crime”, envolvendo dezenas de empresas de fachada para lavar
dinheiro e financiar candidaturas políticas, movimentando mais de R$ 8 bilhões.
O fato de Marçal se
associar a essas figuras e se suas empresas não serem conhecidas para um
empresário que declara quase R$ 200 milhões amealhados em uma década (enquanto
expande suas operações empresariais nos mesmos setores onde o PCC atua), é uma
coincidência que não pode ser ignorada.
Outro aspecto crucial
é o financiamento da campanha de Marçal. Candidato pelo PRTB, um partido de
pouca expressão, sem acesso significativo ao fundo partidário e com tempo
mínimo de propaganda eleitoral na TV, Marçal, ainda assim, conseguiu manter uma
campanha de alta visibilidade. Seu domínio sobre o cenário digital e sua forte
presença nas redes sociais levantam questões sobre a verdadeira origem dos
recursos que sustentam sua impressionante estrutura de campanha, para além de
seus milhões de seguidores.
• Mais perguntas que respostas
A ascensão de Pablo
Marçal no cenário político brasileiro levanta mais perguntas do que respostas.
Seu patrimônio declarado, as atividades empresariais e as conexões com figuras
ligadas ao crime organizado criam um cenário de suspeitas que precisam ser investigadas
com seriedade. O que parece ser uma história de sucesso nas redes sociais pode
esconder uma teia de interesses obscuros que envolvem facções criminosas e o
uso de empresas de fachada para lavagem de dinheiro.
Com a gravidade das
suspeitas que pairam sobre a candidatura Marçal, o eleitor e as autoridades
precisam exigir respostas claras e uma investigação rigorosa sobre a origem de
sua fortuna e suas conexões. Essa explicação não virá do candidato. Talvez porque
explicar o impossível seja realmente uma tarefa difícil, mesmo para um coach de
sucesso. O Brasil não pode permitir que facções criminosas utilizem a política
como fachada para expandir seu poder e influência.
Fonte: Congresso em
Foco
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