Os prós e contras do horário de verão, que
pode voltar sob Lula
O horário de verão
voltou ao debate, diante das notícias de que o governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) estuda a volta da prática, em meio à seca recorde que assola o país
e à proximidade dos meses mais quentes do ano.
A medida, que adianta
os relógios em uma hora, era adotada anualmente em partes do Brasil para
diminuir o consumo de energia pelo melhor aproveitamento da luz natural, mas
foi extinta em 2019, durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL).
À época, o governo
argumentou que a economia de energia produzida era pouco significativa e não
justificava a mudança.
Em declarações
recentes, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tem defendido a
volta do horário de verão, argumentando que a medida cumpre dois objetivos
importantes na gestão do sistema elétrico: garantir a segurança energética e a
modicidade tarifária – isto é, que a conta de luz tenha preço justo.
"Todos os dados
de pesquisas anteriores são positivos, fomenta a economia em diversos setores
do Brasil, como turismo, bares, restaurantes e muitos outros segmentos. Ele
também é importante para diminuir o despacho de termelétricas no
Segundo o ministro, a
medida precisa ser estudada, porque impacta a vida das pessoas. E também
depende de uma decisão política do governo.
A Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) e o Operador Nacional do Sistema (ONS) devem
apresentar nos próximos dias um estudo sobre o horário de verão nas atuais
circunstâncias. A decisão final caberá a Lula.
• História do horário de verão no Brasil
O horário de verão foi
instituído pela primeira vez no Brasil em 1931, durante o governo de Getúlio
Vargas.
"A prática dessa
medida, já universal, traz grandes benefícios ao público, em consequência da
natural economia de luz artificial", dizia o texto do decreto assinado por
Vargas, datado de 1º de outubro daquele ano.
A medida foi repetida
em anos seguintes, sem regularidade. A partir de 1985 — ano que foi marcado por
uma seca histórica, que resultou em blecautes e racionamento de água —, o
horário diferenciado passou a ser adotado anualmente, com duração e abrangência
territorial definidas por decretos presidenciais.
Em 2008, um decreto
tornou o horário de verão permanente, vigorando do terceiro domingo de outubro
até o terceiro domingo de fevereiro do ano seguinte.
Até que, em abril de
2019, o então presidente Jair Bolsonaro também por decreto extinguiu a prática.
"O horário de
pico hoje é às 15 horas e [o horário de verão] não economizava mais energia. Na
saúde, mesmo sendo só uma hora, mexia com o relógio biológico das
pessoas", argumentou Bolsonaro, à época.
Mas quais são as
vantagens e as desvantagens da mudança de horário? Listamos alguns dos
argumentos citados pelos lados contra e a favor da medida.
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Argumentos a favor
• Economia de energia
Com o adiantamento dos
relógios em uma hora, as regiões que adotam o horário de verão ganham uma hora
a mais de luminosidade no fim da tarde, adiando o acionamento de lâmpadas e
eletrodomésticos na volta do trabalho para casa.
Historicamente, a
economia com a medida era de cerca de 4% a 5% da demanda no horário de pico.
Ao extinguir o horário
de verão em 2019, porém, o governo Bolsonaro argumentava, com base em dados do
ONS, que o pico de demanda no verão mudou ao longo dos anos, do fim da tarde,
para o meio dela, devido ao acionamento dos aparelhos de ar condicionado nas
empresas.
Nesse cenário, a
economia esperada com o horário de verão seria da ordem de 0,5% a 0,7%, mas
especialistas do setor elétrico argumentam que qualquer economia é bem-vinda
diante da grave seca atual e da perspectiva de rápida redução do nível dos
reservatórios hidrelétricos.
"A economia de
energia é sempre pouca, mas como há pouca água, qualquer economia é
importante", diz Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel.
Nivalde de Castro,
professor do Instituto de Economia e coordenador do Grupo de Estudos do Setor
Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa
ainda que o setor elétrico brasileiro mudou desde 2019, com maior participação
das fontes eólica e solar na matriz energética.
Essas fontes, que
geram mais durante o dia, podem ser melhor aproveitadas com a adoção do horário
de verão, diz o especialista, reduzindo a necessidade de acionamento das
térmicas, que produzem energia mais cara e poluente.
"Essas duas
fontes [eólica e solar] operam de maneira muito característica: venta muito de
manhã e faz muito sol à tarde. Por conta disso, o sentido do horário de verão
mudou radicalmente, porque hoje ele se faz necessário para que se aproveite ao
máximo essas fontes", diz Castro.
"Se antes a
mudança de horário era para diminuir o consumo no pico do fim da tarde, hoje
ele serviria para usar ao máximo a energia eólica e solar, preservando a água
dos reservatórios. A explicação técnica é essa."
Edvaldo Santana observa
ainda que o atual nível dos reservatórios hidrelétricos – acima de 50% em todas
as regiões do país – ainda é confortável.
O problema, diz o
ex-diretor da Aneel, é que eles estão esvaziando cerca de 8 pontos percentuais
ao mês. Assim, até o início da temporada de chuvas na região Sudeste e
Centro-Oeste do Brasil, onde está a maior parte dos reservatórios de
hidrelétricas do país (cerca de 70% do total), esses reservatórios podem chegar
a 30% ou abaixo disso, um nível já considerado perigoso.
"É por isso que
todo esforço está sendo feito para não deixar os reservatórios, que estão numa
situação ainda boa, se esvaziarem", diz Santana.
Além da possível volta
do horário de verão, a Aneel acionou em setembro, pela primeira vez desde 2021,
a bandeira vermelha nas contas de energia, uma forma de indicar aos
consumidores através do preço que o consumo deve ser reduzido.
O ONS também poderá
fazer, já neste ano, leilões para contratar reduções temporárias de consumo de
energia por parte de grandes indústrias. Neste modelo, o governo busca
incentivar grandes consumidores industriais a reduzir temporariamente seu
consumo nos horários de pico, em troca de uma remuneração.
• Mais vendas no varejo e nos bares
Uma segunda vantagem
do horário de verão é o estímulo às vendas do comércio e dos bares, resultado
da hora a mais de luminosidade.
"O tempo de luz
natural a mais no começo da noite faz com que as ruas fiquem mais atrativas,
trazendo vigor para o comércio. O movimento nos bares e restaurantes também
cresce", diz Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares
e Restaurantes (Abrasel).
"Por isso,
estimamos um aumento de até 15% no faturamento com a mudança dos relógios, de
forma que temos mais recursos circulando na economia, mais geração de empregos
e a sociedade como um todo sai ganhando”, argumenta.
A Abrasel enviou na
segunda-feira (16/9) uma carta ao ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira, com argumentos favoráveis à volta do horário de verão.
Entre os argumentos, a
Abrasel citou pesquisa realizada pela associação em parceria com o site Reclame
Aqui, que apontou que 54,9% das pessoas que responderam são favoráveis ao
retorno do horário de verão no Brasil em 2024.
Para 16,9% a mudança é
indiferente. Outros 28% se disseram contrários.
A pesquisa ouviu 3 mil
pessoas e tem margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
• Segurança nas ruas
Um terceiro argumento
em favor do horário de verão é a segurança.
"A evidência
empírica sugere que uma hora a mais de luminosidade reduz homicídios, roubos e
acidentes de trânsito", disse Claudio Frischtak, sócio da consultoria
Inter.B e especialista em infraestrutura, que publicou em 2019 um artigo sobre
o tema em coautoria com Miguel Foguel e Renata Canini.
Estudo de 2016,
realizado por pesquisadores da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), por
exemplo, analisou dados de ocorrência de acidentes rodoviários entre 2007 e
2013. Segundo o estudo, nos Estados em que o horário de verão era adotado,
houve redução de 10% dos acidentes em rodovias federais.
"Os testes
revelaram que a realocação do horário de atuação da luminosidade durante o dia
contribui consideravelmente na redução de acidentes em rodovias federais",
concluíram os pesquisadores.
"O impacto de
transição para o horário de verão afeta o comportamento de direção dos
motoristas em rodovias federais, principalmente ao entardecer."
• Exercícios físicos e uso do espaço
público
Por fim, um último
argumento daqueles que defendem o horário de verão é a possibilidade de fazer
exercícios físicos ao fim da tarde e melhor aproveitar o espaço público.
O argumento foi usado
até por Luciano Hang, dono das lojas Havan e apoiador de Bolsonaro, mas
defensor da volta do horário de verão.
"Com o dia mais
longo, as pessoas vivem melhor, vão às praias, praticam exercícios e têm mais
qualidade de vida", disse Hang em 2021, quando aderiu a um movimento de
empresários pela volta do horário de verão.
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Argumentos contrários
• Dificuldade de adaptação
O principal argumento
dos contrários à volta do horário de verão é que a adaptação é difícil e a
mudança mexe com o relógio biológico.
Um estudo de
pesquisadores brasileiros publicado em 2017 na revista Annals of Human Biology,
com mais de 12 mil participantes, mostrou que menos da metade (45,43%) diziam
não sentir nenhum desconforto com a mudança de horário.
E cerca de 25% diziam
permanecer desconfortáveis durante todo o período de mudança de horário.
A dificuldade de
adaptação tem razões biológicas: a alteração do horário mexe com a produção de
hormônios como a melatonina e o cortisol, responsáveis respectivamente por dar
sono e despertar o corpo.
A mudança também é
mais penosa para adolescentes, que têm dificuldade de acordar cedo para aulas
matinais, e para crianças pequenas, que têm necessidade de longas horas de sono
e costumam ser sensíveis a mudanças de luminosidade.
• Mudanças no ciclo agropecuário
Uma segunda
desvantagem do horário de verão, segundo os contrários à medida, é que ele
afeta o setor agropecuário.
O gado bovino, por
exemplo, é sensível à mudança de horário das fazendas, que pode inclusive
afetar a produtividade leiteira.
"Os bovinos são
animais de hábito, todos os dias eles se alimentam num mesmo horário, são
animais de rotina. Se os horários mudam repentinamente, isso causa um estresse
no animal. No caso da vaca de lactação, pode inclusive diminuir o leite",
disse José Carlos Ribeiro, da Boi Saúde, consultoria especializada em saúde
bovina, em entrevista à BBC News Brasil em 2021.
Mas há quem trabalhe
no campo e não se importe com a mudança.
"As empresas
trocam o horário, em vez de pegar às 7h, pega às 8h para a colheita da soja,
então não prejudica em nada, eu acho que é bom", disse Antônio Rodrigues
da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Assalariados Rurais de Sapezal (MT), também em entrevista naquele ano.
• Horários diferentes Brasil afora
Uma terceira
desvantagem é a maior dessincronia entre os horários Brasil afora.
O Brasil é um país tão
grande que tem quatro fusos horários: o de Brasília, que abrange a totalidade
das regiões Nordeste, Sudeste e Sul, além dos Estados do Pará, Amapá,
Tocantins, Goiás e o Distrito Federal; o de Fernando de Noronha (uma hora à
frente de Brasília); o do Amazonas, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul (uma hora atrás de Brasília); e o do Acre e oeste do Amazonas
(duas horas atrás de Brasília).
No horário de verão,
Norte e Nordeste não adotam a mudança, que não faz diferença nessas regiões
devido à proximidade delas com o Equador.
Assim, no horário
especial, Roraima, Rondônia e Amazonas passam a ter duas horas de diferença em
relação a Brasília e o Acre, três horas.
Isso dificulta, por
exemplo, a realização de eventos nacionais, a tal ponto que, em 2018, o horário
de verão foi mais curto, devido às eleições.
A pedido do então
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, o horário de
verão naquele ano começou somente em novembro, para evitar atrasos na apuração
dos votos e na divulgação dos resultados.
Fonte: BBC News Brasil
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