terça-feira, 24 de setembro de 2024

Morcegos são os verdadeiros super-heróis do mundo animal

O Batman pode não ter nenhum superpoder, mas o animal no qual é inspirado certamente tem.

Existem mais de 1,4 mil espécies de morcegos em todo o mundo, exceto na Antártica e em algumas ilhas remotas. O que torna esses mamíferos voadores tão bem-sucedidos?

Ao longo de seus 50 milhões de anos de evolução, os morcegos desenvolveram soluções engenhosas para os desafios da vida. Entre essas soluções estão um sistema sonar interno para encontrar presas e asas ágeis, através das quais os morcegos mantêm o voo horizontal mais rápido do reino animal.

“Ainda há muito a ser estudado, mas é evidente que os morcegos realmente têm superpoderes”, afirma Rodrigo Medellín, ecologista do Instituto de Ecologia da Universidade Nacional Autônoma do México e Explorador da National Geographic.

“Os morcegos estão nos ensinando a como ter uma vida melhor”, por exemplo, servindo como modelos de vida saudável e longevidade.

•        Superpoder 1: ecolocalização

Apesar do mito popular, os morcegos não são cegos. Mas muitos deles não confiam na visão como seu sentido primário; em vez disso, usam a ecolocalização para se locomover e encontrar alimento na completa escuridão.

A ecolocalização é uma maneira de identificar a posição de corpos e objetos no ambiente emitindo sons de alta frequência e escutando os ecos que produzem. A partir desses ecos, os morcegos conseguem calcular a distância, o tamanho e a forma desses objetos, como de um mosquito apetitoso. Esse sonar natural é tão sofisticado que alguns morcegos podem detectar um objeto com a densidade igual a de um cabelo humano ou reconhecer diferenças em atrasos de menos de um microssegundo nos ecos.

“A ecolocalização é uma maneira flexível e versátil de compreender o mundo”, observa Medellín.

Pesquisas recentes também sugerem que os morcegos tenham menor dependência da ecolocalização do que se supunha anteriormente.

O Explorador da National Geographic e biólogo da Universidade de Colorado, Aaron Corcoran, descobriu que os morcegos voam por longos períodos de tempo em silêncio, provavelmente para evitar serem interceptados por outros morcegos. Quando não estão utilizando a ecolocalização, os morcegos podem recorrer à visão e à memória espacial para se localizarem.

•        Superpoder 2: voo veloz

Os morcegos são os únicos mamíferos que usam seus músculos para voar por meio do chamado voo de autopropulsão. Isso torna suas técnicas de voo únicas no reino animal.

As asas do morcego são como mãos humanas modificadas, com “dedos” alongados interligados por uma membrana flexível de pele. As asas flexíveis, repletas de vasos sanguíneos, nervos e tendões, são sustentadas por músculos especiais que tornam os morcegos eficientes e ágeis voadores. Ao contrário das asas de aves ou dos insetos, as asas dos morcegos podem se dobrar de várias maneiras durante o voo, assim como uma mão humana pode se fechar de formas diferentes.

Algumas pessoas podem se surpreender ao saber que “o voo de autopropulsão mais rápido da Terra é do humilde morceguinho-das-casas”, diz Medellín. Em 2016, pesquisadores no sudoeste do Texas registraram um morceguinhos-das-casas atingindo velocidades de até aproximadamente 160 quilômetros por hora, facilmente tornando esse morcego de apenas 10 gramas o mamífero mais rápido da Terra.

Essa marca supera a do falcão-peregrino, que pode atingir velocidades de cerca de 320 quilômetros por hora durante o voo de mergulho, apesar de em voos horizontais atingir velocidades de apenas 64 a 96 quilômetros por hora.

“O falcão-peregrino é um trapaceiro”, brinca Medellín. “Ele usa a gravidade para acelerar.”

•        Superpoder 3: longevidade

Como regra geral na biologia, animais menores têm expectativa de vida mais curta do que animais maiores. Mas os morcegos são uma exceção às regras: eles são os mamíferos que possuem a maior longevidade em relação ao tamanho de seu corpo. O morcego reconhecido como o mais longevo foi um minúsculo morcego de Brandt, na Rússia, que pesava pouco mais de 28 gramas, mas viveu por pelo menos 41 anos.

Recentemente, os cientistas examinaram as células de morcegos em busca de compreender os segredos de suas vidas excepcionalmente longas. Eles se concentraram nos telômeros, estruturas protetoras encontradas nas extremidades dos cromossomos. Na maioria dos animais, os telômeros tendem a ficar mais curtos com a idade, um processo que pode estar associado à degradação celular relacionada à idade e à morte. Mas os telômeros do grupo de morcegos que possuem maior longevidade, um gênero chamado Myotis, parecem não diminuir com o passar dos anos.

Entender por que os morcegos têm tanta longevidade e como permanecem saudáveis até a velhice pode ajudar a estender a longevidade humana um dia.

•        Superpoder 4: resistência aos vírus

Além de viver mais, os morcegos permanecem saudáveis por toda a vida, com incidência muito baixa de câncer.

Além disso, os morcegos podem ser infectados com vírus mortais, como raiva e ebola, sem adoecer. Para descobrir como isso é possível, os cientistas estão estudando a genética dos morcegos; e os estudos já revelaram algumas evidências. Uma análise recente dos genomas de seis espécies de morcegos revelou um embate evolucionário de longa data entre morcegos e vírus. Por exemplo, os genes dos morcegos envolvidos na imunidade e na inflamação mudavam periodicamente ao longo do tempo, provavelmente em resposta à infecção por vírus, que desenvolveram maneiras mais eficazes de infectar os morcegos.

Os morcegos são o reservatório suspeito de diversos vírus que podem infectar humanos, como o vírus nipah, que em muitos casos é letal. Embora alguns especialistas suspeitem que o Sars-CoV-2, o novo coronavírus responsável pela pandemia de covid-19, tenha se originado em morcegos, outros questionam se esses animais são de fato os culpados diretos pela infecção de humanos.

Em todo caso, morcegos selvagens que portam coronavírus não representam uma ameaça para os humanos se não forem perturbados, defendem os conservacionistas. Além do mais, a pesquisa sobre o sistema imune excepcional dos morcegos pode revelar como as pessoas podem viver com vírus e não adoecer.

Superpoder 5: manutenção dos ecossistemas

Além de suas próprias habilidades, a presença dos morcegos auxilia na manutenção de muitos outros aspectos de seus ecossistemas.

Três em cada quatro espécies de morcegos comem insetos. Qualquer uma dessas espécies pode comer o equivalente ao seu peso corporal ou mais em insetos por noite. Muitos desses insetos são pragas que causam danos a importantes safras, como a de algodão. Os cientistas estimam que os morcegos que se alimentam de insetos podem ajudar na economia de cerca de US$ 23 bilhões por ano aos agricultores dos Estados Unidos, reduzindo os danos às plantações e limitando a necessidade de pesticidas.

Muitas espécies de morcegos beneficiam a saúde e a diversidade das plantas: pelo menos 549 espécies de plantas são polinizadas ou dispersas por morcegos. Incluindo muitas culturas populares de alimentos, como banana, manga, goiaba e cacau (o principal ingrediente do chocolate).

Também podemos agradecer aos morcegos por nossos coquetéis. A atividade polinizadora da espécie Leptonycteris yerbabuenae, que habita regiões da América Central ao sudoeste dos Estados Unidos, é fundamental para a polinização do agave-azul, ingrediente principal da tequila. Esses mesmos morcegos também polinizam o cacto saguaro, um símbolo conhecido do deserto de Sonora.

“Os morcegos são heróis anônimos da biodiversidade”, afirma Medellín. “Eles realizam funções essenciais para garantirmos alimento, roupas e bebidas. Está na hora de apreciarmos o que fazem.”

 

•        Morcegos-vampiros vivem só de sangue – agora sabemos como

O morcego-vampiro pode degustar a melhor safra de sangue A+ graças a uma pequena ajuda de seus amigos digestivos.

Em um novo estudo, pesquisadores analisaram o DNA e o micro bioma de três espécies de morcegos-vampiros, os únicos mamíferos que se alimentam de sangue (ou hematófagos) no mundo. O estudo revelou que as bactérias intestinais são a chave que permite que os morcegos sobrevivam do líquido vermelho vital.

“Aparentemente, essas criaturas intestinais evoluíram para ajudar os morcegos a viver de refeições de sangue”, diz a líder do estudo, Marie Lisandra Zepeda Mendoza, geneticista da Universidade de Copenhague. “O estudo "holístico", que examinou tanto a microbiota como o DNA do morcego, está entre os primeiros de seu tipo a investigar como morcegos-vampiros digerem sangue”, disse Mendoza por e-mail.

Caçando sob a cobertura da escuridão da noite dos trópicos americanos, esses morcegos correm, como cavalos, ao longo do solo, aproximando-se de suas presas sobre as quatro patas. Os dentes afiados penetram a veia da vítima, e o morcego bebe o sangue que escorre da presa com a língua.

Mas viver estritamente de sangue não é fácil. Os morcegos-vampiros precisam de nervos faciais especiais capazes de sentir o calor das veias das vítimas, bem como de dentes afiados para perfurar a pele com danos mínimos à vítima. Além disso, os morcegos precisam de uma enzima anticoagulante em sua saliva para evitar que o sangue da vítima coagule enquanto eles se alimentam. (Essa proteína, chamada Draculin, está agora sendo estudada como um possível tratamento para pacientes com AVC).

Além de tudo isso, sangue é aproximadamente 80% água, e dos poucos nutrientes que contém, 93% são proteínas – difícil para os rins metabolizarem. Por fim, a hematofagia expõe os morcegos a uma grande variedade de agentes patogênicos e os deixa perigosamente deficientes em nutrientes e vitaminas.

Sede de Sangue

Ciente desses contratempos do estilo de vida hematófago, Mendoza se perguntou se os micróbios intestinais dos morcegos fornecem esses nutrientes faltantes aos seus anfitriões em troca de um lugar seguro e acolhedor para viver.

Ao compreender o micro bioma intestinal de morcegos-vampiros, ela criou a hipótese que viria a ser a chave para entender essa dieta única. (Assista a um vídeo raro de morcegos-vampiros se alimentando de pinguins.)

Então, Mendoza e seus colegas compararam o DNA e os micróbios intestinais das três espécies de morcegos-vampiros com uma variedade de morcegos que se alimentam de insetos, frutas e carne. O morcego-vampiro tem várias adaptações que facilitam o consumo de sangue, de acordo com o estudo publicado na última semana na revista Nature Ecology and Evolution.

Em primeiro lugar, os micróbios intestinais do morcego-vampiro desempenham uma enorme variedade de funções diferentes daquelas que vivem em outros morcegos e fornecem uma ajuda essencial na digestão e metabolização das proteínas do sangue ingerido pelos vampiros.

Os morcegos-vampiros também têm um alto nível de resistência a um grupo de vírus transmitidos pelo sangue conhecidos como retrovírus endógenos, que inserem cópias do seu material genético no genoma do hospedeiro.

E o DNA dos morcegos-vampiros contém ajustes na função renal que permitem aos mamíferos lidar com sua dieta rica em proteínas.

Apesar desses benefícios integrados, os morcegos-vampiros, como os vampiros dos filmes, precisam de um suprimento constante de sangue: se um vampiro perder duas refeições noturnas seguidas, ele morre de fome.

 

Fonte: National Geographic Brasil

 

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