MARÇAL X BOLSONARO: O 7 de setembro e as
tensões políticas e eleitorais de Bolsonaro e da extrema direita
As manifestações na
paulista no último sábado evidenciam as tensões internas e a dinâmica eleitoral
da extrema direita, em especial na eleição municipal de São Paulo. Também
representam a manutenção da estratégia bolsonarista de mobilização de sua base
social, agitada pelo pedido de impeachment do Ministro do STF Alexandre de
Moraes, e pela defesa da liberdade de expressão – que envolveria o retorno do X
de Musk, sem que este cumprisse as determinações do judiciário. Além disso, a
manifestação pautou também a anistia dos
envolvidos na tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023.
Durante todo o seu
governo, Bolsonaro utilizou o 7 de setembro como a principal data de
mobilização de sua base social. O caráter já militarizado dos desfiles e a
defesa do patriotismo construíram sempre um clima ufanista e autoproclamatório,
que se alinha com uma versão da história que retira o protagonismo das lutas
sociais e esquece dos povos excluídos da independência.
A mobilização é uma
chave decisiva para Bolsonaro, que o permitiu radicalizar sua base social nos
momentos mais adversos, construir um sentimento de pertencimento, fortalecer
suas narrativas delirantes e, sobretudo, dar demonstrações de forças importantes
em momentos de relativa fragilidade.
Após o fim de seu
governo, essa estratégia não se encerrou, pelo contrário, desde a derrota
eleitoral manteve, mesmo que nas sombras, o chamado à mobilização e a
manutenção da sua base social mais orgânica. Inclusive, é deste processo que
resulta os acampamentos em frente aos quartéis, os bloqueios de caminhões, as
tentativas de atentados a bomba em Brasília e o fatídico 8 de janeiro de 2023.
A sua última
mobilização, ocorrida em fevereiro deste ano, no contexto da possibilidade de
prisão de Bolsonaro, chegou a ser a maior ocorrida na Av. Paulista durante todo
período (teve um caráter nacional, contando com caravanas do interior e de
outros Estados). O tema do suposto autoritarismo do Min. do STF, Alexandre de
Moraes tem sido a principal tônica das manifestações deste ano. A pauta da
anistia para os presos do 8 de janeiro e a liberdade da atividade da extrema
direita são o combustível principal da massificação das manifestações.
Desta vez, tivemos o protagonismo de Silas Malafaia
também na convocação, assegurando o peso da adesão evangélica nas mobilizações.
As tentativas de disputa da base evangélica pelo governo Lula segue ainda sem
grandes resultados. A pauta neoconservadora produzida pela extrema direita tem
aderência com as defesas da família patriarcal e da sexualidade sem diversidade
que os fundamentalismos religiosos tem apregoado (a dificuldade da disputa é,
portanto, de identidade política).
O desfile oficial
militar, por sua vez, fica restrito ao âmbito do executivo pela própria
natureza da comemoração. Razão pela qual Lula buscou diversificar seu 7 de
setembro com outros atores, mas também utilizá-lo como síntese de seu processo
de “paz armada” com as forças armadas, liderada pelo Ministro Múcio. Esse fato
torna evidente o quanto o componente da militarização ganha dimensão diferente
quando a extrema diretora é governo, pois a relação com as Forças Armadas e a
forma como estas intervém na política ganha uma dimensão de centralidade única.
Ressalta-se que até o
presente momento apenas as manifestações com a presença de Bolsonaro têm
conseguido se massificar. Embora inelegível e com alguma perda de parcela da
sua base social pela opção de não radicalização feita em alguns momentos, o
ex-presidente ainda se constitui na principal liderança da extrema direita e,
sobretudo, mantém na dependência de sua figura a capacidade de mobilização.
Essa mobilização permanente, aliás, é o que tem conseguido segurar a correlação
de forças e uma relativa imunidade para a família Bolsonaro.
Desde fevereiro até o
final de março deste ano, se agitou que ele poderia ser preso e indiciado pelo
envolvimento no 8 de janeiro. E, embora tenha sido dado prosseguimento a vários
inquéritos relacionados diretamente a Bolsonaro, ele ainda não está sendo
processado pelo 8 de janeiro e sua prisão parece mais distante. A sua grande
manifestação de fevereiro teve a vitória de, ao menos, ganhar tempo em relação
a essa possibilidade de prisão. Para ele, é fundamental manter essa dinâmica de
forças, para utilizar essa moeda de troca pela sua liberdade.
O tom na Paulista no
último sábado (7), foi muito menos mediado do que o da manifestação de
fevereiro. O ataque direto a Alexandre de Moraes, a acusação de Lula ladrão, o
tema do autoritarismo judicial e do impeachment foi um mote claro nos
discursos. Em fevereiro, sob o receio de sair preso da manifestação, nenhum
discurso buscou atacar diretamente o judiciário, dentro de um certo escopo de
risco. A fala mais radicalizada, na época, foi a de Silas Malafaia.
Além do peso e do
caráter, nos interessa observar o quanto essa manifestação representa também a
dinâmica da extrema direita após a derrota eleitoral de Bolsonaro. Desde o
início de seu governo, vão se desenhando fissuras dentro da extrema direita. O
exemplo mais significativo foi a saída e disputa com o ex-juiz Sérgio Moro, que
chegou a ser Ministro da Justiça e Segurança Pública do ex-presidente. Foi um
caso icônico porque ele fez um pronunciamento público contra Bolsonaro, em meio
à pandemia, apontando que este estava tentando interferir em investigações pela
PF relacionadas aos seus filhos.
Após a eleição de
2022, a disputa interna se intensificou diante do vazio de seu silêncio
público, da demora para uma defesa intransigente do 8 de janeiro e da
militância envolvida (lembremos que Bolsonaro chegou a desautorizar o ato como
vandalismo), somado ao conjunto de denúncias de corrupção contra seu governo
com a participação de parcela do seu núcleo militar (que inclusive não atuou
para garantir o golpe), os recuos feitos em razão da necessidade de se defender
da possibilidade de prisão e, por fim, a perda de poder político decorrente da
decretação de sua inelegibilidade. Neste cenário, o sucessor de Bolsonaro para
concorrer às eleições de 2026 fica em aberto,e a adesão a sua imagem e apoio
ganharam também outros riscos.
Muito se falou numa
extrema direita sem Bolsonaro. Acredito que essa hipótese não se vislumbra no
curto prazo. Bolsonaro ainda é a principal liderança da direita, em especial
por ser o único com força real de mobilização social. No entanto, é verdade que
cresce cada vez mais uma extrema direita para além de Bolsonaro, mesmo que não
possa ainda construir antagonismo total com este. Há um tipo de afetação social
que, em razão também das derrotas de Bolsonaro, tem sido capitalizada por
aqueles que se mantêm mais filiados à lógica radicalizada da extrema direita.
Assim como se construíram lógicas autônomas e centros de poder político fora do
controle de Bolsonaro, em especial no congresso nacional, como é o caso de
Arthur Lira.
As eleições municipais
deste ano serão determinantes para essa disputa interna dentro da extrema
direita, com importantes implicações nas eleições de 2026. O peso do apoio de
Bolsonaro na eleição é um fator a se considerar para medir o que muda com a reversão
de votos dele sem a máquina governamental presidencial. Não há (ainda) dúvidas
de que ele é a principal liderança popular com capacidade de mobilização social
da extrema direita. Mas o tamanho do seu impacto eleitoral pode ser reduzido,
mantido ou ampliado de acordo com essas eleições. Nem sempre a mobilização
popular e a densidade eleitoral correspondem completamente. Esse será um
termômetro fundamental para os desdobramentos dessas disputas internas da
extrema direita para o próximo período.
Nesse sentido, o
principal pólo de disputa interna da extrema direita é a eleição de São Paulo.
O Monitor do Debate Político da USP apontou, entre os presentes na manifestação
de 7 de setembro, que o apoio de Pablo Marçal para a disputa à prefeitura é de
cerca de 75%, enquanto o de Ricardo Nunes de apenas 8%. O candidato oficial do
PL e de Bolsonaro é Nunes, mas quem tem atraído o bolsonarismo mais
radicalizado e orgânico é Marçal.
Durante a manifestação
de sábado, Nunes esteve ao lado de Bolsonaro e Tarcísio no carro de som.
Marçal, por sua vez, não subiu. Embora estivesse confirmado anteriormente
(segundo ele à convite de Bolsonaro) no carro, alegou que o impediram de subir
e optou pela agitação na base da manifestação, tendo demonstração significativa
de apoio. A organização do ato aponta que Marçal não subiu porque chegou após o
horário dos discursos. Interessa pouco a averiguação deste detalhe, mas a
disputa de narrativa tem sido significativa entre a extrema direita que apoia
Nunes e a que apoia Marçal.
Marçal direcionou a
artilharia das suas redes sociais após manifestação exatamente em
descredibilizar o apoio popular da figura de Nunes, comparando a adesão a sua
candidatura que goza de maior apelo dos manifestantes (o que é verdadeiro,
conforme pesquisa do Monitor já mencionada). Mas sobretudo, joga com a ideia de
ser antissistema dentro do próprio bloco antissistêmico (é assim que a extrema
direita se reivindica)1 – o que
fortalece a narrativa de compor a base mais radical e “genuína” desta extrema
direita, tendo esse “personagem” um apelo imenso para essa base social.
Não à toa a sua
ascensão é meteórica na disputa às eleições de São Paulo. Sem direito a
aparição no programa de TV, sua estratégia se baseou no engajamento através das
redes sociais e da truculência dos debates e entrevistas de televisão. A
eleição vem mudando de rumo após a sua apresentação, pois é impossível
ignorá-lo e, ao mesmo tempo, essa impossibilidade transforma a eleição numa
pancadaria televisionada, tendo pouco espaço para propostas e debates sérios
sobre a cidade de São Paulo. Nesse sentido, a guerra cultural, ou seja, a
batalha das ideias e dos valores ganha ainda mais força.
Por tudo isso, São
Paulo se encontra numa encruzilhada. As eleições contam com duas candidaturas
da extrema direita com perfis distintos e apenas uma candidatura do campo
progressista com chances eleitorais, a de Guilherme Boulos (PSOL). Isso
significa que há risco de haver um segundo turno entre dois candidatos da
extrema direita – embora seja pouco provável que Boulos não vá para o segundo
turno, inclusive pela divisão da própria cidade, que deu maioria (apertada) a
Lula no segundo turno das eleições de 2022.
Nunes tem contra ele a
sua péssima administração da cidade. Cara, hiper congestionada, violenta e
barulhenta é a apresentação da São Paulo de Nunes, características que sempre
compuseram esse cenário, mas ganhou outra dimensão pós pandemia e sua gestão. Também
é um candidato insosso, que adere à extrema direita também por oportunismo
(embora sua gestão seja absolutamente alinhada aos interesses e pautas dessa
política). O apoio de Bolsonaro e Tarcísio podem não ser suficientes, ainda
mais considerando que, nas entrelinhas, Bolsonaro esteja liberando o voto no
Marçal.
Num primeiro momento,
a candidatura de Marçal se expressou como antagonista de Bolsonaro, com
rivalização direta com Carlos Bolsonaro e desautorização de Jair Bolsonaro. No
entanto, conforme a força de Marçal e seu protagonismo em defender o jogo sujo
de fake news e política performática da extrema direita foi se consolidando, a
estratégia mudou pelos dois lados.
Marçal mesmo quando
atacou Carlos, tentava uma aproximação com Jair. Sabia que podia correr por
fora, mas não totalmente contra Bolsonaro. Por isso, se apresentou como quem
seria o principal representante da forma de fazer política que Bolsonaro
inaugurou. Já Bolsonaro, não manteve a disposição de permitir o crescimento de
uma candidatura de seu campo, completamente avessa a sua influência – o que
poderia levar a questionar o quão determinante é seu apoio para a vitória
eleitoral.
Nas eleições de 2022
ficou evidente a importância de seu apoio. No entanto, desde 2023, conforme já
exposto, há uma maior diversificação das
lideranças de extrema direita, em especial desde quando se abriu a disputa para
a candidatura presidencial de 2024. Por isso, São Paulo é tão importante. E por
essa razão, Bolsonaro não deixará de promover algum apoio a Marçal, enquanto
este manter sua viabilidade eleitoral e, sobretudo, obtiver a adesão de sua
base mais orgânica (que vai para rua no 7 de setembro através do seu chamado
mas demonstra maior adesão à candidatura não oficial).
Fonte: Por Julia
Almeida V. da Silva, no Le Monde
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