segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Luís Nassif: ‘Pablo Marçal, ou como a esperteza engoliu o esperto’

Desde os anos 90, adotei uma metodologia de mercado para analisar popularidade de políticos e possibilidades eleitorais.

O mercado não trata cada ativo como bom ou mau, mas como barato ou caro. Quando supõe que o ativo está barato – isto é, valendo menos do que o mercado calcula – há uma tendência de valorizar o ativo. Saem matérias enaltecendo suas vantagens, ignorando suas vulnerabilidades, a recuperação inicial é trombeteada, levando a novas altas, até que… Até que o ativo fica caro. Aí, cada notícia contrária tem efeito devastador, até trazer o ativo para um valor mais baixo.

Tome-se o caso Pablo Marçal. Ele surge no clima modorrento da política atual, com uma esquerda na defensiva e um bolsonarismo que não consegue inovar nas barbaridades.

Para conseguir visibilidade, entra em um site de gamers e começa a trazer seu papo de pescador: como derrotou um tubarão, como tornou-se um corredor campeão com um dia de concentração, como percebeu a pane no helicóptero antes do piloto, e salvou a todos. Eram fatos engraçados e, em pouco tempo, espalharam-se pelas redes sociais.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Atrás deles, veio o marketing de Marçal que diz ter ficado milionário graças à mesma força de vontade que o fez dar um murro no focinho do tubarão. Mas, aí, ele tinha o que mostrar, mansões, carros importados, jatinhos, e uma enorme incógnita sobre seus negócios. Ainda haverá algum jornal para desvendar seus negócios em Angola. Seus cursinhos de auto-ajuda explodiram e ele resolveu repetir a mesma tática para se candidatar a prefeito de São Paulo.

De repente, para muitos analistas – inclusive críticos dele – tornou-se Marçal, o estrategista infalível. Qualquer ato seu, por mais besta que fosse, passou a ser analisado com respeito reverencial, porque pode conter uma nova tática, que ainda não foi entendida pelos mortais. Estou falando de críticos abraçando esse mito da infalibilidade de Marçal.

Não se dão conta da regrinha número 1 do mercado: o ativo barato e o ativo caro.

A cada dia que passa, Marçal fica mais caro.

Enquanto estava barato, propunha 2 milhões de empregos em regiões de periferia, inteligência artificial para prevenir o crime que ainda irá ocorrer (inspirado em filme de Steven Spielberg) e por aí vai. E os críticos deslumbrados não ousam rebater as loucuras, porque não conseguiram prever os desdobramentos das outras loucuras, que fizeram de Marçal um candidato competitivo.

Acontece que esses cometas – que aparecem de tempos em tempos – necessitam sempre criar fatos novos para se manter em ascensão e não serem considerados baratos. E as pirotecnias de Marçal atingiram o ápice muito cedo.

Voltemos ao Marçal pré-candidatura. Para manter o estoque de excentricidades, em determinado momento levou dezenas de seguidores para escalar uma montanha. Tiveram que ser salvos pelo Corpo de Bombeiros. Em outro momento, forçou um grupo de corredores a superar seus limites, levando à morte um de seus funcionários. É esse o estrategistas infalível?

E agora? Seu estilo extremamente agressivo tornou-se overdose. Não tinha sequer estratégia para enfrentar a sucessão de debates em TV, sem se desgastar. 

À medida que as pesquisas foram aparecendo, o gênio da estratégia mudava imediatamente seu estilo, tornava-se chorão. Depois, os dados mostravam que o público não gostava de chorão, e ele voltava a ser o agressor, agora na frente de um público muito mais amplo. Mostrou não ter nenhuma consistência: tem um estilo para cada ocasião e uma megalomania tal que passou a acreditar no personagem que construiu. O típico caso da esperteza que engoliu o esperto.

Seu debate com Malafaia foi constrangedor. Com seu estilo agressivo, Malafaia descascou o verbo. Marçal respondeu com insinuações pesadas. Malafaia voltou com mais indignação ainda. De repente, aparece um Marçal com a barba por fazer, chorando e pedindo desculpas. Malafaia, que é especialista em malandragem, logo tratou de mostrar didaticamente a malandragem do outro. E trouxe de volta o Marçal agressivo.

No embate, há duas hipóteses para o comportamento de Marçal: ou é um estrategista de curto prazo ou é bipolar.

Ora, se Marçal fosse o gênio que os críticos supõem que seja, entraria nessa fria? Se fosse o estrategista invencível, entraria na fase de ampliação do seu público sem uma estratégia sequer, valendo-se do mesmo discurso utilizados para seus crentes? 

Suas propostas de governo propõem saídas ilusoriamente falsas para problemas reais. Mas todo o tempo de TV foi utilizado para uma guerra verbal contra todos os demais candidatos, de baixíssimo nível, realçando sua personalidade de provocador desrespeitoso, identificando-se cada vez mais com as quadrilhas de adolescentes que azucrinam especialmente a periferia.

Agora, a cadeirada de Datena marca simbolicamente a reversão de Marçal. Ele ainda está no alto, mas já não cresce. Começou a ser percebido como muito caro. Até agora, escudou-se em todos os temas suscetíveis de manipulação – autoajuda, religião, empreendedorismo, anti-comunismo. Mesmo sua habilidade em fugir de todas as perguntas incômodas já está gasta. É só lembrar o questionamento feito por uma jornalista sobre sua afirmação de que faria um defunto ressuscitar. Sua resposta foi patética:

  • Eu acredito na fé, você não?

E agora, à medida que as pesquisas forem demonstrando sua queda, o que mais inventará? Todas as acusações contra ele ganham nova consistência. As acusações iniciais – de que foi condenado aos 18 anos – eram colocadas por jornalistas que não conheciam o inquérito. E permitiam a ele se escafeder com argumentação pseudo-jurídica sobre a coisa julgada. Agora, se sabe que ele escapou porque topou uma delação premiado contra o resto da quadrilha. Ou seja, não tem a ética das pessoas normais e não tem sequer a ética das quadrilhas.

Agora, suas manobras iniciais para fugir das perguntas não são mais novidade. A cada novo debate haverá apresentadores que aprenderam sobre seu estilo nos debates anteriores.

Será curioso quando o cometa se transmudar em fogo-fátuo.

 

¨      Ninguém sabe o tamanho da criatura que agora finge ser moderada. Por Moisés Mendes

Os assessores de Pablo Marçal não o alertaram de que a sua nova versão moderada deveria estrear, no debate do SBT, sem a atadura de gaze no punho. O curativo exagerado não ajuda a vendê-lo como uma figura em aparente arrependimento pelos excessos que cometeu até agora.

Qual é a nova versão do Marçal que vem aí, depois dos pedidos de moderação aos adversários, para que mantivessem o debate, acreditem, em alto nível?

Quem é o cara que deu uma das declarações mais surpreendentes da campanha, ao dizer que já apresentou, por tática planejada, a pior versão de si mesmo e que agora o eleitor verá alguém que tem postura de governante?

A primeira etapa da campanha foi a das crueldades contra os adversários, e agora teremos o Marçal gestor. Esse resolverá os problemas das cracolândias, dos casebres de lata e dos assaltos, sempre com suas ferramentas do empreendedorismo e da meritocracia da prosperidade.

Parece óbvio que o sujeito reavaliou a linha da campanha ao perceber que a rejeição saltou para 47%. Como ele mesmo se declara um autor de frases e atitudes idiotas dirigidas a idiotas, com mais três pontos (e qualquer idiota sabe disso), perde a eleição antes da votação.

Os mais crédulos, inclusive colegas jornalistas, repetem que Marçal é um estrategista e vai recalibrar o discurso em busca do equilíbrio, depois de ter cometido o erro de ser excessivamente Marçal.

Mas será que foi mesmo erro? Um coach veterano, com boa compreensão do temperamento do cocheado, poderia ter dito a Marçal que ele deveria evitar os danos de cadeiraços. Que começasse a andar para o centro, porque já contava com eleitores fiéis.

Mas Marçal queria continuar subindo a Serra da Mantiqueira, quando esperavam que recuasse, e aconteceu o previsto. A maior rejeição entre os candidatos, a insegurança para acertar o tom no debate e a exposição de uma farsa. Não há bombeiros para salvá-lo.

Até a cadeira de Datena notou no SBT que Marçal estava tentando construir uma personagem forjada, sem saber direito como montaria o teatro da moderação. Tanto que, quando se esqueceu de que era outra pessoa, voltou a atacar Nunes, Datena e Tabata.

Marçal disse ter examinado o caráter dos oponentes e se convencido de que é um ser superior, porque os outros não são viáveis moralmente, espiritualmente e fisicamente. Os outros, disse, são os palhaços, não ele.

Mas quem é de fato Pablo Marçal como força política e criatura à margem do comando bolsonarista, se sabemos apenas o que ele foi antes de virar candidato? O que irá sobrar de Marçal, se ficar pelo caminho e não chegar ao segundo turno?

Bolsonaro e os filhos sabem que sobrará pelo menos um incômodo na estrutura dirigente e nas bases do fascismo, mesmo que Tarcísio de Freitas e Nunes venham a ser os donos absolutos do Estado e da capital.

Marçal erguerá, mesmo derrotado, uma oposição nas entranhas da extrema direita, coisa que o bolsonarismo não teve até agora. Esse Marçal moderado dura até o dia da sua permanência na disputa.

O que vem depois, se o sistema de Justiça não sacrificá-lo, é imprevisível. O bolsonarismo que cresceu pregando contra o sistema vai depender desse mesmo sistema para conter seu novo inimigo.

Só os meios oferecidos pela política não conseguirão detê-lo. Hoje, todos juntos, os filhos e as facções ao redor de Bolsonaro são pequenos diante de Pablo Marçal.

 

¨      A cadeirada tirou Marçal do páreo. Por Alex Solnik

Pablo Marçal entrou na campanha usando e abusando de sua autoconfiança, preparadíssimo para atacar todos os outros, que passou a desqualificar colocando apelidos pejorativos.

Nunes virou “Bananinha”; Boulos, “Aspirador de pó”; Datena, “Comedor de açúcar” e Tabata, “Chatabata”. A sua colega da direita não apelidou.

Induzido e iludido pelos números das pesquisas, que o colocavam ao lado dos dois favoritos, dobrou a aposta, além dos apelidos passou a acusá-los de crimes inexistentes (menos a sua colega de direita), forçando-os a se defender e não tem coisa mais complicada que se defender de algo que não existe.

Tentou forjar uma realidade paralela, na qual todos seus oponentes são as piores pessoas do mundo e ele é o único virtuoso, apesar de a realidade mostrar que ele era o único condenado e preso aos dezoito anos por integrar uma quadrilha que roubava clientes de bancos via internet e integrantes de seu partido são investigados por laços com o PCC.

Confiou que, ocupando seus adversários em se defender dele, não teriam tempo para atacá-lo. Ou julgou que era tão poderoso e mau, que ninguém ousaria atacá-lo, sua resposta seria ainda mais maligna. Apostou que seu comportamento extremamente agressivo geraria medo nos demais e ele, por ser o mais forte, os esmagaria, como geralmente acontece nas fábulas de La Fontaine, e eles passariam por covardes. E ninguém quer um covarde no comando de uma metrópole violenta e insegura.

A sua aposta na hostilidade, na vileza e no mau caratismo estava dando certo até o dia em que ele percebeu que sua única chance de desbancar o candidato oficial do bolsonarismo e chegar ao segundo turno era tirar do páreo o candidato que estava caindo pelas tabelas, mas ainda mantinha um eleitorado conservador significativo, o Datena, a quem passou a fustigar sem dó nem piedade, contando que ele ficaria acuado no canto do ringue, fugiria do embate, jogaria a toalha. Era, afinal, um “comedor de açúcar” e ele, o “ironman”.

Só que o imprevisível Datena respondeu com um argumento até então inédito em debates eleitorais: sentou-lhe uma cadeirada nas costas ao vivo e a cores.

E aí o Marçal, sempre tão assertivo, tão ego-centrado, pela primeira vez na campanha, hesitou. Vacilou. Pego de surpresa, não soube responder. A princípio quis continuar no debate, mas em seguida decidiu embarcar numa ambulância, a caminho da UTI, abandonou o script do homem indestrutível para o de vítima de uma “tentativa de homicídio”, copiando a historinha da bolinha de papel na cabeça que José Serra tentou transformar em atentado, numa campanha do passado.

E aí o Marçal que achou que se vitimizar seria o atalho mais rápido para o segundo turno levou uma tremenda invertida tanto do público interno, que já está com ele, quanto daquele que planejava arrancar do “Comedor de açúcar”.

Os eleitores e eleitoras normais e tradicionais perceberam rapidamente que era uma farsa, na qual só imbecis cairiam, e eles, além de não serem idiotas como ele supõe, não querem um farsante na cadeira de prefeito; e seus admiradores esperavam que ele reagisse à cadeirada com outra cadeirada, ou sem dar a menor importância, por ser superior ao agressor, ou porque o homem é intrinsecamente violento, como ele prega em seus cursos, e não fugisse numa ambulância, provavelmente com medo de tomar outra cadeirada, o covarde ficou sendo ele, e seus admiradores não querem um covarde na cadeira do prefeito.

Pode parecer insólito, e é, mas o fato é que todas as pesquisas depois da cadeirada mostraram Marçal estacionado em terceiro lugar, descolado dos dois primeiros, e Datena, que estava quase pedindo para sair e voltar logo à TV, de repente ganhou fôlego, praticamente carregado nos ombros pelo povo, e agora fica mesmo até o fim, segurando os votos tão decisivos para Marçal.

E Marçal, que no debate do SBT confessou que nessa campanha mostrou a sua “pior parte”, praticamente saiu do páreo, porque ninguém quer ver a sua apavorante “pior parte” na prefeitura.

Moral da história: nunca menospreze um “comedor de açúcar”, nem que você seja um “ironman”.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil 247

 

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