sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Liderança indígena denuncia governo por privilegiar o agronegócio; Lula presente se enfureceu

Em pleno evento oficial, a liderança Yakui Tupinambá fez críticas ao Congresso, ao Judiciário e ao governo de Luiz Inácio durante um evento no dia 12 de setembro, no Rio de Janeiro. Luiz Inácio, que estava presente, se enfureceu e atacou a liderança.

O evento era uma entrega de um Manto Tupinambá que estava em museu na Dinamarca e foi devolvido ao Brasil. A liderança indígena Yakui Tupinambá pediu permissão para “quebrar o protocolo” durante o discurso e abriu as críticas. “Temos hoje o pior Congresso da história da República”, começou. “Um Judiciário egocêntrico e parcial”. “E um governo, que sabemos o motivo senhor presidente, enfraquecido, acorrentado, que faz alianças e conchavos para se manter no poder”.

Takui atacou ainda a falta de uma política de entrega de terras. Segundo ela, seu povo, que vive em território delimitado, aguarda desde 2009 a demarcação das terras por parte da presidência da república e do ministério da Justiça.

O monopólio de imprensa também foi alvo de suas justas críticas. “[Temos] ainda uma quantidade considerável de veículos de imprensa que faz o papel sujo para o sistema dominante”, diz. “Vivemos em uma democracia distorcida”.

Luiz Inácio não falou nada durante o discurso. Quando assumiu o púlpito, fez questão de atacar diretamente Takui e seu discurso.

“Eu queria apenas que a companheira que falou aqui, mudasse o seu discurso”, começou. Aos berros e gesticulando, prosseguiu: “Aqui não tem subserviência para ficar no poder! Eu não preciso disso. O que tem é inteligência política, para saber que eu tenho um partido com 70 deputados, em 513, eu tenho nove senadores, em 81!”. “E pra aprovar as coisas eu sou obrigado a conversar com quem não gosta de mim”, arrematou, como a dar aulas sobre política.

A reação de Luiz Inácio gerou críticas nas redes sociais. “Lula tem que abaixar muito a bola. Admitiu ao vivo que tá fazendo um governo de conciliação… Não tem combate, não tem crítica, não tem nada. É um governo de direita porque se entregou a conciliação com a direita”, disse um internauta no perfil geopoliticahoje, que compartilhou o vídeo de Luiz Inácio. “Para mim Lula não entendeu e ainda confirmou o que a indígena falou”, disse outro.

A revolta de Takui ocorre em um momento crítico para os povos indígenas brasileiros. O Congresso Nacional, de fato, moveu ataques sem precedentes contra os povos do campo; no caso dos indígenas, o marco temporal, apelidado de “PL do genocídio indígena”.

O Supremo Tribunal Federal (STF), que inicialmente declarou a tese como inconstitucional, agora concilia com latifundiários para aprovar uma versão “meio a meio”, que não deixará de tirar direitos dos povos indígenas e paralisar o processo já quase inexistente de demarcação de terras. Antes do discurso de Takui, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) rompeu com a Câmara de Conciliação do STF para o marco temporal com acusações similares às de Takui.

No terreno mais imediato, em diferentes Terras Indígenas (TIs), as várias etnias têm sido alvo de bandos paramilitares organizados pelo latifúndio ou mesmo pelas tropas federais enviadas por Luiz Inácio. É o caso dos Guarani-Kaiowá, no MS, ou dos Avá-Guarani, no Oeste paranaense.

E Luiz Inácio tem sido negligente em reverter qualquer um desses pontos. O presidente ainda fomentou projetos que vão violar direitos indígenas, como a ferrovia Ferrogrão, incorporada ao Projeto de Aceleração e Crescimento (PAC) e que vai atravessar diversas TI’s. Luiz Inácio também não se pronunciou sobre a tentativa de massacre indígena no MS ou sobre a atuação da Força Nacional no PR.

O desmascaramento do papel latifundista do governo tem crescido entre os movimentos de luta pela terra. Ainda em 2023, a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) convocou “lideranças camponesas que não dobraram os joelhos, as lideranças de posseiros, os povos indígenas, as organizações quilombolas, as populações atingidas por barragens, por mineração e por cultivos de eucalipto, as massas proletárias e demais trabalhadores da cidade, que cada vez mais lutam em defesa de seus direitos pisoteados, a cerrar fileiras com nosso bravo campesinato, com o caminho da Revolução Agrária“.

 

•        Não, presidente Lula, não queremos a BR-319. Por Txai Suruí

A Amazônia se tornou o maior emissor de gases de efeito estufa no mundo. Isso se deu devido às queimadas e à seca extrema que afetam a região e cobriram com fumaça 60% do país. O dado é do projeto Copernicus, da União Europeia. Só neste ano, até o dia 9 de setembro, foram 82 mil focos de incêndio na Amazônia, o dobro em relação ao mesmo período do ano passado.

A região sofre com uma grande estiagem, que se intensifica a cada estação, tornando secos os rios e deixando comunidades ribeirinhas e indígenas isoladas, sem acesso a água e comida. O climatologista Carlos Nobre, numa entrevista, disse estar apavorado e que não se previu a rapidez com que a crise do clima impactaria os dias atuais.

No entanto, mesmo diante dessa crítica realidade, o presidente Lula anunciou a retomada da pavimentação de um trecho da rodovia BR-319, o Lote C, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Recebeu críticas de ambientalistas e indígenas. A BR-319 ficou intransitável e, por ser economicamente inviável, suas obras foram abandonadas em 1988. Houve uma retomada com projetos de manutenção no governo Dilma, que trouxeram o aumento do desmatamento na região.

Em 2020, o Dnit anunciou a pavimentação do Lote C, em ação classificada pelo Ministério Público Federal como de “má-fé” e “afronta ao Judiciário” pelo descumprimento de decisão transitada em julgado que estabelece consulta prévia, livre, informada e de boa-fé aos povos indígenas impactados e a realização de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima).

Os documentos anexados à portaria emitida pelo Dnit não apresentam os estudos ambientais e a consulta aos povos indígenas. A BR-319 impacta mais de 18 mil indígenas de 63 terras indígenas (TI), além de outras cinco comunidades e uma população de isolados. A rota da rodovia afetará um dos blocos mais preservados da Amazônia brasileira.

Além disso, a pavimentação permitiria e fomentaria a migração de desmatadores do “arco do desmatamento” para outras regiões. No total, estima-se que cerca de metade da floresta amazônica brasileira seria impactada, não apenas a borda da BR-319.

O ministro dos Transportes, Renan Filho, e parlamentares da região argumentam que a rodovia pode promover a integração e diminuir o isolamento dos estados de Amazonas e Roraima. Reutilizam o discurso de integração, como quando da colonização da Amazônia. Os povos indígenas que sofreram massacres e genocídio sabem muito bem o que a integração significa para seus povos e territórios.

Ao contrário do que afirmam seus defensores, a BR-319 não traz benefício algum aos povos da região, que já sofrem com seus impactos e vêm tendo violados seus direitos de consulta, previstos no artigo 169 da Organização Internacional do Trabalho.

É um absurdo que se use a situação de emergência vivida pelos povos da região para beneficiar o agronegócio. Isso apenas trará mais impactos para suas vidas, agravando a emergência climática. Não se pode combater a crise do clima desrespeitando direitos indígenas e incentivando projetos que só beneficiam os destruidores da floresta.

 

•        Sob riscos graves, povos tradicionais nos mostram o caminho. Por frei Gilvander Moreira

De 9 a 13 de setembro de 2024 participamos do histórico VII Colóquio Internacional Povos e Comunidades Tradicionais – Primavera dos Povos Rumo à COP-30: Ancestralidade, Justiça Climática e Direitos Territoriais! Com este Tema, o VII Colóquio aconteceu nos três primeiros dias na Unimontes, em Montes Claros, norte de MG, e nos dois últimos dias, na exuberante Comunidade Quilombola da Lapinha, que, no município de Matias Cardoso, luta pela demarcação do seu Território Tradicional, nas barrancas do rio São Francisco no norte de Minas Gerais, já quase na divisa com a Bahia.

Viajando de Belo Horizonte para Montes Claros, atravessamos parte da maior monocultura de eucalipto do mundo, que começa em Sete Lagoas, passa pelo município de Curvelo com mais de 80% do seu território tomado por eucalipto e se estende pelo Vale do Jequitinhonha por mais de 500 Km. Lamentavelmente, em Minas Gerais, após a devastação do Cerrado nas carvoarias para alimentar a fome das caldeiras das siderúrgicas, no cerrado, mãe das águas, foi implantado, a partir das décadas de 1970/80, mais de 50% da monocultura de eucalipto do Brasil. “Eucalipto, pau certo que entorta a vida do povo”, título de uma das muitas Cartilhas produzida da Comissão Pastoral da Terra em Minas Gerais (CPT/MG). Monocultura de Eucalipto, vampiros das águas que desertifica os territórios, expropria os camponeses e os expulsa para as periferias das cidades.

Na BR 135, Rodovia João Guimarães Rosa, da BR 040 até Montes Claros, em cerca de 300 Km, tivemos que pagar seis pedágios, cada um a R$9,60.  Total: R$57,60. Experimentamos amputação do direito de ir e vir, garantido na Constituição de 1988, pois com as rodovias privatizadas sob concessão, elas deixam de ser bens comuns, condições objetivas para garantir o direito de ir e vir de todas as pessoas, e passam a ser mercadorias para empresas angariarem lucro e acumulação de capital, o que restringe muito o direito de ir e vir do povo empobrecido, pois as passagens ficam mais caras… É injusto além das Rodovias federais, as estradas estaduais estarem sendo privatizadas, repassadas para concessão. O justo é estrada feita com dinheiro do povo pelo governo federal ou pelos governos estaduais continuar sendo bem comum que garante o direito de ir e vir de todo o povo. Para quem pertence à pequena burguesia pagar pedágio faz pequena diferença (Os enricados viajam de avião!), mas para o povo pobre viajar em estradas pedagiadas fica muito mais difícil. Não podemos achar normal e muito menos justo privatizar as estradas e pagar pedágio. Injustamente, o desgovernador Zema está empurrando goela abaixo do povo mineiro mais um projeto truculento, que é o Rodoanel na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Será mais uma autoestrada privatizada que será infraestrutura para a mineradora Vale S/A e outras mineradoras ampliarem mineração em BH e RMBH, o que é insuportável e insustentável socioambientalmente. 14,5 milhões de metros quadrados de terrenos já foi desapropriado por Zema e mais de 15 mil famílias serão desapropriadas para se construir este famigerado e megalomaníaco Rodominério na RMBH. Os Povos e Comunidades Tradicionais não foram Consultados, como exige a Convenção 169 da OIT. Exigimos que o poder judiciário acolha as Ações Civis Públicas da Federação Quilombola e do Ministério Público Federal que demonstram uma série de ilegalidades no projeto do “Rodoanel” na RMBH.

No VII Colóquio, foi maravilhoso ver a sabedoria de pessoas dos Povos e Comunidades Tradicionais, a coragem na luta por direitos a começar da luta pela demarcação de seus territórios. Que beleza ouvir mestres da sabedoria das lutas populares como Sr. Braulino Caetano dos Santos, a Cacica Anália do Povo Indígena Tuxá, o Oscarino Aguiar Cordeiro, de Serranópolis, no norte de MG e tantos outros/as. Verbalizam os saberes mais profundos da cultura dos povos originários e tradicionais e apontam o rumo da luta pelos territórios e por todos os direitos. Beleza também ver professores/as pesquisadores/as comprometidos/as com a causa dos Povos Tradicionais e produzindo conhecimento que contribui na luta pela emancipação e libertação da mãe terra e dos seus filhos e filhas.

Dias 12 e 13 de setembro de 2024, o VII Colóquio Internacional continuou na Comunidade Quilombola da Lapinha, em Matias Cardoso, nas barrancas do rio São Francisco, ao lado do Parque Estadual Lagoa do Cajueiro. Inesquecível a acolhida, a mística ancestral e a história de luta há mais de 20 anos do Quilombo da Lapinha. Foi inesquecível e energizante ver lá no Quilombo da Lapinha centenas de representantes de Comunidades Tradicionais – quilombolas, indígenas de vários povos, geraizeiros/as, catingueiros/as, groteiros/as, vazanteiros/as, pescadores/as, estudantes e professores de umas vinte universidades do Brasil e do mundo, professores da Inglaterra, da Alemanha, da Colômbia e Marta, que veio de Moçambique e passou uma energia ancestral ao encontrar muitos “parentes” que foram arrancados da mãe África e jogados nos Navios Negreiros e aqui escravizados.

Foi revoltante saber dia 12 de setembro que o desgovernador de Minas Gerais, Romeu Zema, tinha assinado o decreto Nº 48.893. Em meio à seca histórica e às gigantescas nuvens de fumaça que cobrem os céus do Brasil e se chover, como uma chuva no Rio Grande do Sul, que veio com as águas tóxicas com cinzas das queimadas, em situação de calamidade pública não declarada pelos governos ainda, com o povo inalando fuligem invisível que se aloja nos alvéolos pulmonares e causa sérias doenças respiratórias, o governador de Minas Gerais, em mais um ato perverso de ataque aos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e da Natureza, publicou dia 11/09/2024 um DECRETO, que viola o direito dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Livre, Prévia,  Informada, Consentida e de Boa-fé, e favorece o avanço dos grandes projetos do capital que causam morte e devastação nos territórios tradicionais e  compromete as condições de vida de toda a sociedade e da biodiversidade. O Decreto em si já é uma aberração jurídica, uma vez que a Convenção 169 da OIT da ONU não precisa de regulamentação para ser plenamente aplicada. Um decreto semelhante a este editado pelo Governador do Pará já foi anulado. Desde 2003, quando entrou em vigor no Brasil a Convenção 169 da OIT, suas disposições são obrigatórias e nenhum órgão governamental pode descumpri-la ou limitar os direitos nela abarcados. Além disso, não houve nenhuma participação ou Consulta aos Povos e às Comunidades Tradicionais, violando o artigo 6° da mencionada Convenção. O teor deste decreto é o praticamente o mesmo da famigerada Resolução da SEDESE/SEMAD que foi revogada, após muita pressão dos Movimentos Sociais, Povos e Comunidades Tradicionais. Este Decreto eivado de ilegalidades e de inconstitucionalidades busca amordaçar e aniquilar os Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais protegidos pela Convenção 169 da OIT.

Exigimos a imediata revogação e anulação do Decreto Nº 48.893/2024, garantindo de forma plena o Direito das Comunidades e Povos Tradicionais à sua autodeterminação. Neste momento, em que a “terra geme em dores de parto” (Romanos 8,22), é urgente avançarmos nas lutas concretas nos Territórios, em defesa dos Povos e das Comunidades Tradicionais e de todos os seres vivos que formam a comunidade que nutre nossa mãe Terra. É absurdo dos absurdos um Decreto como este em tempos de Emergência Climática. As sirenes dos eventos extremos estão gritando de forma estridente. Revogação e Anulação do Decreto 48.893/24, JÁ! Apelamos a todas as autoridades compromisso com a derrubada deste brutal Decreto.

Senti e observei que as gigantescas nuvens de fumaça causadas pelos incêndios criminosos que assolam o Brasil e vários outros países estão mais densas em Belo Horizonte do que nas pequenas cidades e na zona rural, no Quilombo Lapinha, por exemplo, onde se tem preservação ambiental, o ar está menos poluído. A capital de São Paulo teve na última semana o pior ar do mundo, a cidade mais poluída. Ou seja, os povos das grandes cidades serão os primeiros a adoecer e a morrer na brutal “pandemia dos incêndios”, ainda não declarada oficialmente, mas já identificada pelo Supremo Tribunal Federal, sob a liderança do ministro Flávio Dino, que está exigindo dos governos federal e estaduais medidas urgentes para enfrentar e superar a “pandemia dos incêndios”.

Recordo-me da anedota do sapo que foi colocado na panela dentro de água fria. Atiçaram fogo debaixo da panela e aos poucos a água foi esquentando e o sapo, inicialmente curtindo a água morna, foi se esquentando devagar, mas quando pensou em tentar se salvar já era tarde demais. Morreu cozido pela água fervendo. Recordo também de três jovens que foram postos para dormir em um quarto onde tinha vários botijões de gás. À noite, após eles dormirem, iniciou-se um vazamento de gás e, eles dormindo, foram sufocados e amanheceram o dia mortos. Enfim, irmãos e irmãs, a humanidade vive hora gravíssima. Se não interrompermos os grandes projetos do capital – mineração depredatória, agronegócio com monoculturas com uso indiscriminado de agrotóxicos, trabalho escravo e tecnologia de ponta, devastação dos biomas Cerrado, Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica, Pampas e Caatinga – seremos mortos aos poucos, mas em velocidade que cresce em progressão geométrica.

Os Povos e Comunidades Tradicionais e os Povos Originários (Indígenas) estão nos mostrando o caminho a seguir para impedirmos a extinção da humanidade: preservação socioambiental, o que passa necessariamente pela demarcação de todos os Territórios dos Povos Indígenas, Quilombolas e outras centenas de Povos e Comunidades Tradicionais existentes no Brasil. A idolatria do mercado em uma sociedade capitalista, máquina brutal de moer vidas, está nos levando ao abismo. Feliz quem se converter ecologicamente e se tornar um/a aguerrido/a militante da preservação socioambiental e do resgate das florestas.

17/09/2024

 

Fonte: A Nova Democracia/IHU/Racismo Ambiental

 

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