sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Laboratórios de análises clínicas tentam emplacar política nacional de diagnóstico laboratorial

Apesar de serem responsáveis por 95% dos exames diagnósticos do Sistema Único de Saúde (SUS) e por 70% das decisões médicas, os laboratórios privados de análises clínicas não são reconhecidos como parte da rede de Atenção Primária à Saúde (APS). Esta é a visão da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC), que elaborou um documento para a criação de uma Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial (PNDL), apresentado neste mês ao Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). A proposta – que você pode ver aqui – tem como objetivo estabelecer diretrizes para o diagnóstico laboratorial, abrangendo análises clínicas, toxicológicas e ambientais, de forma a ampliar o acesso, garantir maior qualidade e eficiência, e promover a integração dos serviços laboratoriais no SUS.

Para a presidente da SBAC, Maria Elizabeth Menezes, a política precisa estar na atenção primária, visto que ela é a porta de entrada do sistema e é o nível mais próximo da população. A APS foca em ações de prevenção, promoção da saúde e tratamento de condições agudas e crônicas em um contexto mais comunitário e abrangente. Para a presidente, atualmente existe uma capacidade ociosa desses laboratórios, que poderiam ser mais utilizados em benefício dos pacientes. Nesse sentido a PNDL propõe a aproximação dos pontos de coleta das matrizes laboratoriais e a aceleração do processo de obtenção de resultados pelos pacientes e médicos, a partir do aumento da interoperabilidade entre os sistemas.

Para a SBAC, a interoperabilidade proposta pela PNDL pode diminuir filas e custos operacionais. A integração dos sistemas diminui a repetição de exames, permite a busca ativa de pacientes, melhora a conduta clínica e traz economia para o sistema com a detecção precoce de doenças, o que reduziria os gastos de internações e hospitalizações.

A política também busca aumentar a educação em saúde da sociedade e a procura por exames, visto que os exames laboratoriais além de diagnosticar doenças também atuam na detecção precoce, na prevenção e no monitoramento de condições crônicas. Além disso, a PNDL destaca o papel dos laboratórios na vigilância epidemiológica, a partir do fornecimento de dados para detecção de surtos e monitoramento de tendências de saúde pública.

Segundo Menezes, os laboratórios, principalmente os de pequeno e médio porte, são invisíveis para o sistema, mas são eles que proporcionam informações importantes para o manejo clínico dos pacientes. “O papel do laboratório é infinitamente maior do que apenas entregar um resultado e por isso queremos quer fazer parte do sistema de saúde, da estrutura. Nós queremos ter um lugar no Ministério da Saúde, nos programas dos ciclos de vida, o reconhecimento do Estado muda significativamente a nossa atuação e o nosso fortalecimento”, afirma Menezes.

A iniciativa da SBAC tem o apoio do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar), Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Federação Brasileira de Laboratórios de Análises (Febralac). A Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) não está entre os formuladores. Procurada pela reportagem, a Abramed não quis se posicionar.

•        Regulação dos laboratórios

A criação da política começou em 2022, mas se consolidou ainda mais após a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 786/2023 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabelece requisitos técnicos e sanitários para o funcionamento de laboratórios clínicos e de serviços de análises clínicas. A resolução, publicada em agosto de 2023, permite a realização de testes rápidos em estabelecimentos farmacêuticos.

A decisão foi repudiada por entidades de análises clínicas que defendem a realização de exames apenas em ambientes laboratoriais com a presença de equipamentos avançados de medição, laudos assinados por profissionais especializados e sem a orientação de venda de medicamentos. Isso levou a Anvisa a publicar uma nota de esclarecimento para reforçar que os exames realizados em laboratórios clínicos permanecem como o “padrão ouro” para fins de diagnóstico e que os testes em farmácias tem apenas uma finalidade de triagem.

No entanto, o setor laboratorial viu a RDC como uma fragilização da área e por isso acelerou a criação da PNDL. Segundo o documento da política, ela surge a partir da necessidade de fortalecimento do setor como uma “resposta às vulnerabilidades que tais mudanças possam causar à sociedade”. Conforme a SBAC, o apoio do CFF foi crucial para consolidar a importância dos laboratórios no sistema de saúde.

“Mais do que uma questão de reconhecimento, essa iniciativa busca uma regulação mais adequada ao setor, garantindo aos laboratórios um ambiente mais seguro para investimento em inovação tecnológica, profissionais altamente capacitados, educação científica continuada e melhor gestão”, pontua Menezes.

A presidente destaca que outro ponto de preocupação da RDC é a falta de padronização das normas regulatórias para os laboratórios. Segundo ela, a resolução dá margem para diferentes interpretações que prejudicam o processo de vistoria e o funcionamento dos laboratórios. “A regulamentação da Anvisa é um bom instrumento, não os desqualificamos. Mas a falta de padronização da cobrança e com cada um interpretando a regulamentação de uma forma diferente fragiliza o sistema”, diz Menezes.

•        Diagnóstico laboratorial e inovação

O diagnóstico laboratorial está incluído na saúde quando se fala em Produtos para a Saúde e Dispositivos Médicos. Ele pode ser definido como a combinação de diagnósticos feitos com o auxílio de exames de imagem e exames laboratoriais. Segundo o presidente executivo da CBDL, Carlos Eduardo Gouvêa, atualmente estão registrados na Anvisa mais de 90 mil dispositivos médicos e muitos deles são de diagnóstico laboratorial, no entanto nem todas as pessoas têm acesso a eles.

Conforme Gouvêa, os grandes centros urbanos já possuem uma quantidade suficiente de laboratórios, no entanto o interior do país ainda sofre com grandes vazios de atenção à saúde. “Não tem explicação do porquê não temos uma política de diagnóstico até hoje. É algo tão importante e que sofre com uma falta de atenção e uma falta de preocupação. Precisamos ter o teste certo, para a pessoa certa, no ambiente certo e no momento certo para tratar melhor a população”, destaca o presidente.

Além disso, para a CBDL a estruturação de uma política de diagnóstico laboratorial e o reconhecimento do setor no SUS permite que a área colabore para o fomento do Complexo Econômico Industrial da Saúde. Os laboratórios utilizam diversas tecnologias, realizam pesquisas e estão alinhados com a inovação. Para Gouvêa, a interoperabilidade dos sistemas integrando o diagnóstico laboratorial com o prontuário do paciente permite um avanço em tecnologia da informação.

“Com a integração e o fortalecimento do setor podemos mitigar os riscos das dependências de produção externa. O acesso a mais informações permite a busca de novas soluções e o desenvolvimento de novos produtos. A política vem também para estruturar um pouco mais essa fomentação em tecnologia e a inserção de mais novidades dentro do Brasil”, explica o presidente.

•        Próximos passos

A PNDL já recebeu apoio da deputada Alice Portugal (PCdoB/BA), líder da frente parlamentar da Assistência Farmacêutica do Congresso Nacional, onde foi realizada uma mesa redonda para discutir os desafios e as perspectivas para a inclusão de ações de diagnóstico laboratorial como política de saúde. Segundo Menezes, o Ministério da Saúde também já demonstrou interesse na política e agora a SBAC busca estreitar os laços com o órgão e outras entidades. O documento também deve ser aperfeiçoado para que possa ser apresentado à ministra da saúde Nísia Trindade.

Segundo a SBAC, a política chamou atenção da OPAS, que em reunião com a entidade afirmou que os países em desenvolvimento têm que ter uma política de diagnóstico laboratorial. No encontro também foi explorado como a PNDL pode ser alinhada com as diretrizes internacionais para ter o potencial de ser disseminada para outros países da região das Américas.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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