Governo está há quase 2 anos sem monitorar
agrotóxicos na água
UM ANO E OITO MESES:
esse é o tempo que o governo federal está sem receber e sem publicar dados
sobre os níveis de agrotóxicos na água consumida pelos brasileiros. Dessa
forma, autoridades públicas, pesquisadores e cidadãos não dispõem de
ferramentas para monitorar a contaminação por pesticidas.
A portaria 888/2021 do
Ministério da Saúde obriga empresas públicas e privadas, responsáveis por redes
de distribuição de água, a realizar testes periódicos sobre a presença de
diversas substâncias potencialmente nocivas à saúde, como mercúrio, coliformes
fecais e agrotóxicos.
Os resultados das
análises precisam ser registrados pelas empresas no Sisagua (Sistema de
Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano). As
informações ficam, então, abertas para consulta pública.
No caso dos
agrotóxicos, os testes devem ser feitos a cada três meses. Entretanto, devido a
um problema técnico com o sistema, desde janeiro de 2023 os dados específicos
sobre pesticidas não vêm sendo repassados pelas distribuidoras de água ao
governo federal, nem disponibilizados ao público.
Um servidor do
Ministério da Saúde, ouvido sob a condição de anonimato, disse que as falhas
perduram pelo fato de o Sisagua não ser “prioridade” na pasta.
A correção dos
problemas seria uma responsabilidade compartilhada entre a Secretaria de
Informação e Saúde (Seidigi), comandada por Ana Estela Haddad, esposa do
ministro Fernando Haddad (Fazenda), e a Secretaria de Vigilância em Saúde e
Ambiente, chefiada por Ethel Maciel.
Contudo, reuniões para
tratar do Sisagua ou de “vigilância da água” aparecem apenas duas vezes na
agenda oficial de Maciel, e apenas uma na de Haddad, desde janeiro de 2023. O
levantamento consta da Agenda Transparente, ferramenta da Fiquem Sabendo, organização
especializada em transparência de dados públicos.
Em nota, o Ministério
da Saúde afirmou que o Sisagua está em “fase de atualização”, com conclusão
prevista ainda em 2024. Segundo o comunicado, o tema é “prioritário para a
pasta”.
“Vale ressaltar que o
monitoramento da qualidade da água distribuída nos municípios brasileiros é
responsabilidade das equipes de vigilância das três esferas de governo, além
dos responsáveis pelo tratamento e distribuição da água à população”, diz o texto.
• Em 2022 havia 28 municípios com
agrotóxicos na água acima do permitido
“Imagina se o governo
federal precisasse ir atrás de todas as amostras e relatórios?”, ilustra Ana
Cristina Rosa, doutora em saúde pública e meio ambiente e pesquisadora da
Fiocruz. “Com o Sisagua, o governo faz um rastreamento sobre quem está enviando
ou não os dados e fiscaliza as outras duas esferas [estaduais e municipais]”,
complementa.
O acesso público aos
resultados dos testes também permite a produção de investigações científicas e
jornalísticas. Com base nos dados do Sisagua referentes a 2022, por exemplo, a
Repórter Brasil mostrou que havia agrotóxicos na água de 210 cidades brasileiras.
Em 28 delas, as substâncias estavam acima do limite permitido pelo Ministério
da Saúde.
No entanto,
especialistas consultados pela reportagem afirmam que o consumo contínuo de
água com pesticidas, mesmo dentro dos limites tidos como seguros, pode gerar
efeitos graves, como câncer, além de problemas hormonais e neurológicos.
Outra preocupação é em
relação à interação de diferentes tipos de agrotóxicos, chamada de “efeito
coquetel”. A mistura de diferentes pesticidas pode gerar consequências ao
organismo humano ainda desconhecidas, dizem os pesquisadores.
• O que aconteceu com o Sisagua
Em 2021, a portaria
888 do Ministério da Saúde incluiu novas substâncias a serem monitoradas pelos
órgãos de controle. No caso dos agrotóxicos, passou de 27 para 40 o número de
pesticidas avaliados. São os casos do fipronil, tido como responsável por mortandade
em massa de abelhas, e o paraquate, banido em 2020 por associação com a doença
de Parkinson e o desenvolvimento de mutações genéticas.
A portaria também
revisou os limites considerados seguros. Além disso, aumentou a frequência de
testes a serem realizados pelas empresas distribuidoras. Para os agrotóxicos,
as análises — antes semestrais — agora precisam ser realizadas a cada três
meses.
As novas regras
exigiram uma atualização técnica do Sisagua. A manutenção prevista era
temporária, mas há quase dois anos o site mostra o mesmo aviso : “ATENÇÃO: a
nova versão do Sisagua adaptada à nova norma segue em desenvolvimento, em um
trabalho conjunto entre CGVAM [Coordenação Geral de Vigilância em Saúde
Ambiental] e DATASUS”.
Sem receber os dados
das empresas distribuidoras de água, o Ministério da Saúde não tem meios para
identificar se as normas contidas na portaria 888/2021 estão sendo seguidas,
como a ampliação dos testes.
Em agosto, a Repórter
Brasil questionou o Ministério da Saúde sobre as falhas do sistema. No fim do
mês, segundo apurou a reportagem, as empresas distribuidoras conseguiram
retomar o preenchimento dos dados sobre agrotóxicos no Sisagua.
A reportagem também
questionou a pasta se os números referentes ao período entre janeiro 2023 e
agosto de 2024 precisarão ser registrados retroativamente, ou se apenas os
dados sobre novos testes deverão ser inseridos, mas o ministério não respondeu
esse pontou até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto para
manifestação.
Fonte: Repórter Brasil
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