segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Emissões das queimadas transformaram o hemisfério Sul no maior vilão da crise climática, diz ativista ambiental

Desde o começo deste ano, os eventos climáticos extremos têm se intensificado no país. Passamos pela maior tragédia ambiental da história, com enchentes sem precedentes no Rio Grande Sul. Agora, o país enfrenta sua maior seca em 44 anos, com 16 estados e Distrito Federal sem chuvas há meses. Para além dos fenômenos climatológicos, há ainda a devastação decorrente das queimadas.

O Brasil está, literalmente, pegando fogo. Em janeiro, a Amazônia já tinha ultrapassado os números anteriores e, em julho, virou “barril de pólvora”. Em março, junto com a floresta tropical, o Cerrado também ardia em chamas. Em junho a temporada de incêndios começou a liquidar o Pantanal, com destruição recorde. Em agosto, continuamos queimando e a fumaça se espalhou pela América do Sul, transportada pelos rios voadores. Não obstante, ao que indicam investigações preliminares, incêndios criminosos realizaram o “dia do fogo” em São Paulo, colando o estado nos holofotes.

“O último [grande incêndio em São Paulo], em especial, foi detectado um ‘enxame’ de [focos] fogo simultâneo, mais de 3 mil. Somente o homem é capaz de organizar algo assim, de forma muito bem articulada e com interesse em algo específico”, assevera Bruno Brezenski, ativista ambiental. Suas análises, baseadas nas ciências de dados e em imagens de satélite em tempo real, dão em imagens a dimensão do problema.

Brezenski, que se define como “polímato”, uma pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma única área, ainda fala dos impactos das fumaças que se alastraram pelo continente. “Essa emissão maciça de gases altera regionalmente as condições físicas e químicas da atmosfera, elevando extremos [climáticos] de forma imediata”, destaca. E alerta para as consequências dessas emissões no Planeta. “Nossos gases vão direto para a Antártida e ela está acumulando rapidamente esses gases, elevando sua temperatura. Nesse ponto, o maior vilão é, sem dúvida, o hemisfério Sul, especialmente Brasil e África”, esclarece.

Na entrevista a seguir, concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por mensagens através do X [antigo Twitter], Bruno Brezenski ainda defende a importância da ciência. “A ciência é sempre apedrejada na história humana, não é algo incomum. Raramente governos seguem princípios científicos”, pontua. “O problema é quando assuntos que dizem respeito à sobrevivência, não só de um povo, mas como de toda a estrutura viva do planeta, são desrespeitados por governantes”, adverte o entrevistado.

Bruno Brezenski é polímato, ativista ambiental e faz uso da metaciência para elaborar dados sobre as queimadas e a fumaça, divulgando o material em suas redes sociais, em uma linguagem acessível a toda a população.

<><> Confira a entrevista.

•        Bruno, você poderia falar um pouco sobre o trabalho de ativismo ambiental, especialmente suas produções audiovisuais para redes sociais a partir de dados científicos?

Bruno Brezenski – Meu trabalho ambiental sempre foi pessoal, não publicava, não tinha interesse em rede social. Resolvi publicar alguns e tive um alcance rápido imediatamente. Aí vi que outras pessoas também se interessavam, pelo menos no X (antigo Twitter).

•        Como trabalhar essas informações nos ajuda a compreender as questões ambientais contemporâneas de fundo?

Bruno Brezenski – Notei que são publicadas poucas imagens de satélites em tempo real sobre a situação imediata de crises, o que serviu como denúncia também. Muito do que se pública sobre o clima, está regado de informação técnica difícil de compreender. Gosto de imagens fáceis e didáticas, explico para crianças e elas entendem, então todos entenderão.

•        Nesta semana (27-08-2024) o continente Sul-Americano se tornou o maior emissor de CO2 do mundo em função das queimadas. O que isso significa em termos locais e globais?

Bruno Brezenski – Em termos locais é catastrófico, essa emissão maciça de gases altera regionalmente as condições físicas e químicas da atmosfera, elevando extremos [climáticos] de forma imediata. Estamos sentindo isso todos os anos e culpamos sistemas clássicos, como El Niño, o que não é culpa deles.

Globalmente, eu considero pior do que as emissões industriais do Norte, apesar destas serem VEZES maior que a do hemisfério Sul. Aqui se queima quem captura carbono [florestas]. E, as emissões, apesar de não serem contínuas, quando estão no auge, são até visíveis a olho nu.

Outro ponto é que os sistemas climáticos do hemisfério Sul são separados do hemisfério Norte. Nossos gases vão direto para a Antártida e ela está acumulando rapidamente esses gases, elevando sua temperatura. Nesse ponto, o maior vilão é, sem dúvida, o hemisfério Sul, especialmente Brasil e África.

•        Por que podemos caracterizar os vários incêndios em curso como “queimadas terroristas”? Que evidências apontam nesse sentido?

Bruno Brezenski – Não existe fogo natural na região amazônica, nem em momentos de seca extrema. O solo é muito úmido e as árvores são muito carregadas de água para enfrentar esses períodos.

Já no Sudeste, o padrão observado pelos sensores, são de ação humana coordenadas de forma criminosa. Fogo espontâneo não se inicia ao mesmo tempo em áreas amplas como no Estado de São Paulo.

O último [grande incêndio em São Paulo], em especial, foi detectado um “enxame” de [focos de] fogo simultâneo, mais de 3 mil. Somente o homem é capaz de organizar algo assim, de forma muito bem articulada e com interesse em algo específico.

•        O que os dados relacionados às queimadas são capazes de indicar sobre a relação e o interesse do Agro com estes incêndios?

Bruno Brezenski – O padrão observado ultimamente está ligado a interesses políticos e financeiros, como vemos no rápido anúncio de financiamento para o agro vinda do governador de São Paulo [Tarcísio de Freitas], sem ao menos esperar uma investigação policial.

No Norte, o agro precisa derrubar as áreas florestais para ganhar espaço para as plantações e pasto. São informações confirmadas por agentes públicos, como a ministra Marina Silva.

•        Por que, ao invés de apressadamente apontar culpados, é importante investigar o que levou a esse imenso conjunto de incêndios em diversas regiões brasileiras?

Bruno Brezenski – Como não sou especialista, tenho uma liberdade maior em apontar “culpados”. Como o agro, já que esse padrão se repete há anos, com processos judiciais públicos e denúncias de agentes públicos, como a ministra Marina Silva.

Também gosto de esperar a polícia, e sempre tento ajudar com imagens que, talvez só eu esteja vendo, para que facilite as investigações. Não sou uma pessoa que goste de justiça feita “nas coxas”. Precisa ter investigação e responsabilizar quem de fato comete esse tipo de crime anualmente.

•        Como a produção excessiva de fumaça gera um desequilíbrio biológico e quais as consequências disso nos ecossistemas?

Bruno Brezenski – Esse é um assunto muito confuso ainda para as pessoas no geral, desequilíbrio climático ou mudanças climáticas, na verdade pode ser resumido como “DESEQUILÍBRIO BIOLÓGICO”.

Nosso planeta é regido por sistemas climáticos, tanto por forças externas como o sol, como pelo próprio planeta, porém quem mantém o equilíbrio funcional e vital é a BIOMASSA.

Essa fumaça, por exemplo, pode exterminar insetos em áreas importantes, levando a vegetação ao colapso. Com isso elevamos ainda mais o desequilíbrio biológico regional e global.

A vida se adapta e cria novos mecanismos de sobrevivência. Para isso, é necessário tempo, o que não ocorre nesses eventos criados pelo homem.

•        Você se coloca e trabalha como um defensor da ciência, não só do meio ambiente. Neste sentido, qual o impacto de governos negacionistas em relação à origem e às consequências das queimadas?

Bruno Brezenski – A ciência é sempre apedrejada na história humana, não é algo incomum. Raramente governos seguem princípios científicos. O problema é quando assuntos que dizem respeito à sobrevivência, não só de um povo, mas como de toda a estrutura viva do planeta, são desrespeitados por governantes.

Isso pode intensificar danos a vida e a saúde não só de humanos, mas de todo o bioma de um país. Vimos isso durante o governo de Jair Bolsonaro.

A ciência pode não acertar sempre, mas raramente está errada. Estudo vários campos de ciência para entender um “todo” sou polímato.

Governos tem como “mantra” dinheiro, Produto Interno Bruto – PIB, juros. Por isso, aqui no Brasil, tendem a minimizar os danos causados por queimadas, já que o agro é o maior motor de geração de dividendos para o país.

•        O atual governo federal não é negacionista científico. Mas as orientações no site do ministério da saúde indicavam o uso de “máscaras cirúrgicas”. Já o Ministério do Meio Ambiente, cujo orçamento é bastante restrito, parece estar se movendo pouco. Como o senhor avalia as ações do executivo federal no enfrentamento às questões ambientais?

Bruno Brezenski – As ações do governo federal parecem engessadas, erros acontecem como no caso de prescrever não só máscaras descartáveis como bandanas, ineficazes para partículas suspensas. Nesses eventos, gases não são o maior problema. Para a saúde humana, as partículas são muito mais perigosas. A recomendação foi desastrosa, atrasada e ineficaz.

Já o Ministério do Meio Ambiente, tem o maior nome do mundo no seu comando, Marina Silva. Porém, ela é humana e não consegue nada sozinha. Falta apoio político e interesse coletivo de toda nação, que tem muitas demandas, não vou culpar o povo.

Acho que falta o Congresso nessa equação, na qual ele mais atrapalha do que ajuda. Não há políticos nesse meio capaz de enfrentar negacionistas que já tomaram boa parte da pauta da Câmara.

E também o Itamaraty falha em não solicitar ajuda internacional de nações ricas. Elas são responsáveis indiretas, mas não são chamadas a ajudar por uma “pseudossoberania” que não existe na questão climática.

•        Deseja acrescentar algo?

Bruno Brezenski – Gostaria de ver mais especialistas climáticos pararem de utilizar termos técnicos e usar o exemplo de um profeta muito bem-sucedido em converter a humanidade para suas ideias complexas usando de um linguajar simples, regado de parábolas e acessível a todos. A ciência hoje é fechada e artigos científicos são pagos para ter acesso. Assim, negacionismo vence e passa a boiada mesmo.

 

Fonte: Entrevista com Bruno Brezenski, para IHU e Baleia Comunicação

 

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