David Deccache: ‘Por que o BPC está
ameaçado’
Um ataque gravíssimo
está em curso contra o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Com a aprovação
do Projeto de Lei 1847/2024, cerca de 600 mil idosos e pessoas com deficiência
(mais de 11% dos beneficiários) podem ser excluídos do programa. Serão vítimas
de uma manobra para continuar oferecendo subsídios fiscais a 17 setores do
grande capital, jogando a conta sobre os ombros dos mais vulneráveis.
O BPC, que assegura
uma renda mínima para idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema
pobreza, tem sido alvo de contínuos ataques desde o governo Bolsonaro. Em 2019,
Paulo Guedes tentou reduzir o benefício para R$ 400 e aumentar a idade mínima
para 70 anos, mas a proposta foi barrada pela resistência popular.
Infelizmente, a ofensiva contra os direitos dos mais pobres não parou por aí.
A ofensiva contra o
BPC não é um ataque isolado, mas parte de uma agenda mais ampla de austeridade
e neoliberalismo que busca desmantelar os mecanismos de proteção social,
transferindo recursos públicos para o grande capital. Essa agenda vê os mais
pobres não como cidadãos dignos de direitos, mas como um custo a ser reduzido.
Enquanto os lucros de poucos são preservados, os direitos de muitos são
sistematicamente corroídos.
Mesmo sob o governo
Lula, que assumiu com promessas de justiça social, o BPC voltou a ser alvo,
agora sob o Novo Arcabouço Fiscal. Essa trava fiscal impôs um teto para os
gastos, estabelecendo limites rígidos para o crescimento das despesas primárias
do governo. Isso gerou pressão direta sobre o BPC, uma vez que as projeções
indicam que o crescimento dos gastos com o benefício – atrelado ao
salário-mínimo, à informalidade no mercado de trabalho e ao envelhecimento da
população – supera o limite imposto pelo arcabouço fiscal, criando uma
incompatibilidade matemática e política.
Um dos primeiros
ataques, felizmente derrotado, partiu da ministra do Planejamento, Simone
Tebet, que sugeriu desvincular o benefício do salário-mínimo. Uma medida que
seria devastadora. Sem o reajuste atrelado ao mínimo, o BPC perderia valor
rapidamente, jogando milhões de brasileiros para além do limite da pobreza.
Mais uma vez, era a lógica perversa da austeridade: proteger as elites
empresariais enquanto os mais pobres pagam a conta. A resistência popular foi
fortíssima e a ministra não teve correlação de forças para avançar.
A saída da equipe
econômica do governo Lula então foi recorrer à velha tática dos pentes finos.
Vale lembrar que a mesma lógica foi aplicada pelos governos Temer e Bolsonaro,
então fortemente combatida pela esquerda. Em publicação oficial do PT em 2019, o partido lembrava que a operação
“pente-fino” de Bolsonaro ameaçava os direitos dos mais pobres. O texto
lembrava que o objetivo era fazer austeridade fiscal, reduzindo o programa, e
que a revisão dos benefícios, “por certo”, teria como efeito perverso o
cancelamento indevido de benefícios. Entretanto, o governo liderado pelo
partido anunciou que seguirá a mesma cartilha e prevê o cancelamento de 670,4
mil benefícios do BPC (Benefício de Prestação Continuada) em 2025.
Dentre as medidas
concretas dessa ofensiva, no final de julho, o governo publicou duas portarias
que alteram os critérios e exigências para o cadastramento e recebimento do
BPC. Uma das portarias determina que, para continuar recebendo o benefício, o
beneficiário deve estar inscrito no CadÚnico; caso contrário, o benefício será
suspenso. A outra exige o cadastro biométrico e a realização de revisões
periódicas. Após a notificação bancária, os beneficiários terão apenas 45 dias,
nos municípios de pequeno porte, para regularizar sua situação. Caso não haja
confirmação da notificação bancária ou de outros canais de comunicação, o
crédito será bloqueado em 30 dias após o envio da notificação. O não
cumprimento dessas exigências resultará na suspensão do benefício, desde que a
ciência da notificação seja comprovada. Se a ciência não for confirmada em até
30 dias, o valor do benefício será bloqueado.
Essas mudanças podem
resultar na perda de benefícios para inúmeras pessoas, já que muitos cadastros
estão desatualizados devido à sobrecarga de trabalho do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), dos centros de referência (CRAS/CREAS) e do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em diversos municípios, já há
registros de longas filas para a atualização. Além disso, em muitas cidades, a
população alvo do BPC tem acesso limitado a meios digitais, dificultando a
atualização de informações e a realização da biometria.
Dois fatores acabaram
levando à conversão das portarias em leis. Primeiro, as deputadas Samia Bonfim,
Fernanda Melchionna e Glauber Braga (do PSOL) apresentaram um Projeto de
Decreto Legislativo (PDL 338/2024) revogando as medidas. Havia risco de a pressão
popular crescer e a proposta ser aprovada.
Além disso, pesava uma
decisão do Supremo Tribunal Federal. Há meses, o STF considerou
inconstitucional uma lei que isentava 17 setores empresariais de contribuir
para a Previdência, permitindo-lhes um “compensação” insuficiente, por meio de
outros tributos. Segundo o Supremo, a inconstitucionalidade estava no fato de a
lei não apresentar fontes de arrecadação substitutas, o que supostamente
prejudicaria o “equilíbrio das contas públicas”, conforme previsto no arcabouço
jurídico brasileiro. O tribunal, no entanto, concedeu ao Legislativo um prazo
para adequar-se. Esgotava-se em 11/9. Se a exigência não fosse cumprida, os
setores privilegiados pela isenção voltariam a pagar contribuições
previdenciárias como todos os demais.
A “saída” encontrada
pelos ministérios econômicos do governo Lula foi incluiu as medidas no Projeto
de Lei ( PL) 1847/2024, com a justificativa de coibir fraudes – uma
justificativa falsa. Seu relator no Senado foi o líder do governo naquela casa,
Jaques Wagner (PT-BA). Prevê-se que “economia” produzida pelo pente-fino no BCP
e também no INSS (atingindo, por exemplo, a aposentadoria por invalidez)
compense parte dos privilégios que o Estado brasileiro continua oferecendo aos
17 setores. Em relação ao pente-fino na aposentadoria por invalidez, o
secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, Sérgio Firpo,
afirmou ao Jornal O Globo:
No caso da
aposentadoria por invalidez, a gente deveria fazer uma avaliação a cada dois
anos para quem tem menos de 60 anos, mas a gente não faz. Há espaço para fazer
pelo menos 800 mil. Também é papel do Estado fazer uma reabilitação dessas
pessoas para que elas se tornem produtivas, estarem no mercado de
trabalho.
A situação, portanto,
agravou-se: enquanto as portarias poderiam ser facilmente revertidas por um
simples ato do presidente da República, o governo e o Congresso incorporaram
essas medidas num projeto de lei. Ele foi aprovado no Congresso Nacional nesta quinta-feira
(12/9) e pode ser em breve sancionado, tornando-se lei.
Vale lembrar um
episódio relacionado ao “pente-fino”. No início do mandato de Jair Bolsonaro, o
governo criou um bônus financeiro pago aos analistas do INSS por cada processo
analisado além da jornada regular de trabalho. O objetivo de acelerar a conclusão
de investigações sobre supostas irregularidades no Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS). Essa prática resultou em análises frágeis, prejudicando os
cidadãos. Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu que,
devido ao incentivo financeiro, analistas muitas vezes deixaram de solicitar
informações e documentos adicionais aos segurados, a fim de acelerar a
tramitação e concluir os processos mais rapidamente para receber o bônus.
No que se refere ao
atual pente-fino, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) estima que
essa varredura nos benefícios pode resultar em cortes de R$ 9 bilhões, valor
que corresponde a metade do impacto estimado da desoneração, de acordo com as
projeções do Ministério da Fazenda. Portanto, no que diz respeito especialmente
ao BPC, fica evidente que não há qualquer intenção de melhorar a qualidade do
programa; o verdadeiro objetivo é promover um severo ajuste fiscal sobre o
benefício.
É fácil comprovar que
o PL 1847/2024 tem como foco atacar o BPC Se a intenção fosse realmente
aprimorar o programa, e não apenas cortar gastos sociais, o espaço fiscal
gerado pelo pente-fino seria utilizado para incluir mais beneficiários,
ampliando a elegibilidade. Em uma abordagem genuína, aqueles que não precisam
do benefício seriam excluídos, enquanto mais pessoas vulneráveis seriam
contempladas. No entanto, o que observamos é exatamente o oposto.
Também podemos
comprovar que a intenção é atacar o BPC quando, oficialmente, representantes da
equipe econômica, como o secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas
Públicas do Ministério do Planejamento, Sérgio Firpo, sugerem ir além dos
ataques já previstos pelo pente-fino. O ministério, segundo o secretário,
estuda um modelo para o BPC muito semelhante ao proposto por Paulo Guedes em
2019, com alternativas como a desvinculação do benefício do salário mínimo e o
aumento da idade mínima de 65 para 70 anos. Fica claro que o objetivo não é
qualificar o programa, mas desmantelá-lo, adotando políticas que aprofundam
ainda mais o prejuízo para os mais vulneráveis. Por definição, o programa foi
incluído no PL 1847/2024 como uma medida de compensação, que só atingirá seu
propósito se resultar em cortes. A meta é clara: reduzir o número de
beneficiários.
A justificativa
apresentada para manter privilégios tributários a 17 setores empresariais foi a
“manutenção de empregos”. Trata-se de uma peça de ficção. O texto da lei afirma
que as empresas desoneradas devem manter 75% de seus empregados do ano anterior.
Como isso pode ser chamado de “manutenção de empregos” se 25% dos trabalhadores
podem ser demitidos sem qualquer restrição? Isso não é preservação de postos de
trabalho, é um corte autorizado e descarado. A verdade é que essa narrativa foi
montada para que alguns setores progressistas possam vender a ideia de que
estão protegendo empregos, quando, na realidade, estão apenas garantindo que a
desoneração do grande capital continue até 2027 — enquanto a compensação vem às
custas de cortes no BPC, sacrificando os mais pobres. É um artifício pouco
honesto, cuidadosamente projetado para apaziguar a militância e os eleitores,
enquanto esconde o verdadeiro propósito: assegurar que os ricos continuem
colhendo os frutos, enquanto os vulneráveis, como de costume, ficam com a
conta.
O BPC é mais do que
uma política pública. Ele representa a linha mínima de dignidade que uma
sociedade deve garantir aos seus cidadãos mais vulneráveis. Portanto, a luta
pela manutenção e ampliação desse benefício é uma luta por justiça social,
contra um sistema que insiste em precarizar a vida da classe trabalhadora e dos
mais pobres. A resistência contra essas medidas de austeridade deve ser
enérgica, pois o ataque ao BPC é, em última instância, um ataque à própria
noção de solidariedade e justiça social.
¨ Governo publica 23 setores beneficiados por programa de
depreciação acelerada
O governo federal
publicou nesta quinta-feira a lista dos 23 setores da economia beneficiados
pelo programa de depreciação acelerada, que tem como justificativa
"modernizar o parque industrial brasileiro" por meio de investimentos
privados.
Na primeira etapa do
programa, o governo prevê 3,4 bilhões de reais em créditos financeiros para a
compra de máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos novos, sendo 1,7
bilhão de reais em 2024 e a outra metade no ano que vem, informou o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
A depreciação
acelerada é um mecanismo que funciona como antecipação de receita para as
empresas, afirmou o Mdic.
"Toda vez que
adquire um bem de capital, o empresário pode abater seu valor nas declarações
futuras de IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) e de CSLL (Contribuição
Social Sobre o Lucro Líquido). Em condições normais, esse desconto é paulatino,
feito em até 20 anos, conforme o bem vai se depreciando", informou o
ministério.
"Com a
depreciação acelerada, o abatimento poderá ser feito em apenas duas etapas –
50% no primeiro ano, 50% no segundo", afirmou a pasta.
Segundo o Mdic,
estudos de bancos privados e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
apontam que o programa tem potencial para alavancar investimentos da ordem de
20 bilhões de reais, com reflexos no aumento do PIB e na geração de empregos.
Os setores
beneficiados são: Alimentos, Artefatos de couro, artigos para viagem e
calçados, Produto têxteis, Confecção de artigos de vestuário e acessórios,
Produtos de madeira, Papel e celulose, Impressão e reprodução de gravações,
Biocombustíveis Produtos químicos (exceto beneficiados pelo Reiq), Farmacêutico
Produtos de borracha e plástico, Minerais não metálicos, Metalurgia, Produtos
de metal, Equipamentos de informática, eletrônicos e ópticos, Aparelhos e
materiais elétricos, Máquinas e equipamentos, Peças e acessórios para veículos,
Equipamentos de transporte (fabricação de trens, navios e aeronaves),
Construção de edifícios, Móveis e Obras de infraestrutura.
Há ainda uma categoria
chamada "produtos diversos" que abrange itens como material de
escritório, guarda-chuva, painéis, letreiros, joalheria, instrumentos musicais,
artigos esportivos e "outros produtos considerados de produção residual".
Segundo o Mdic, o
programa foi criado com base em um sistema de cotas em que os recursos
destinados a cada setor serão proporcionais ao tamanho das atividades na
economia. Para que setores maiores não sejam excessivamente beneficiados, os
valores destinados a cada um deles não pode ultrapassar o limite de 12% do
total do programa.
Fonte: Outras
Palavras/Reuters
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