Cientistas encontram elo entre microbiota
intestinal e condições médicas
A microbiota
intestinal — conhecida popularmente como
flora — tem se revelado um fator fundamental na saúde e no tratamento de
diversas condições médicas, incluindo o câncer. Artigos científicos recentes
mostram o papel das bactérias intestinais na luta contra tumores. Estudos
também apontam como esses micro-organismos influenciam na eficácia vacinal. Um
artigo revisitou a importância da barreira intestinal no tratamento do câncer
colorretal (CCR), uma das principais causas de morte relacionada ao câncer mundialmente.
O estudo destacou que,
apesar dos avanços na triagem, a incidência de CCR continua alarmantemente
alta, e a principal abordagem curativa envolve a ressecção cirúrgica do
segmento intestinal afetado. Complicações pós-operatórias frequentemente
envolvem uma barreira intestinal enfraquecida, que pode levar à disseminação de
lipopolissacarídeos bacterianos pró-inflamatórios, prejudicando a recuperação
dos pacientes.
A microbiota
intestinal e seus metabólitos desempenham um papel vital na regulação da
inflamação basal no intestino e no processo de cicatrização pós-cirúrgica. A
manutenção da integridade da barreira intestinal é essencial, e quando esta é
comprometida, pode resultar em inflamação sistêmica e intestinal, prejudicando
a recuperação e potencialmente contribuindo para a progressão do câncer. A
pesquisa sugere que a ativação de receptores como o PPAR por compostos
derivados da fermentação bacteriana de fibras alimentares pode fortalecer a
barreira intestinal e melhorar os resultados oncológicos.
A abordagem
multidisciplinar, que inclui a consideração da microbiota intestinal na gestão
do CCR, é crucial. A interação complexa entre dieta, microbiota e saúde
intestinal precisa ser explorada para desenvolver intervenções que melhorem a
recuperação pós-operatória e a sobrevivência dos pacientes. Compreender essas
interações pode abrir novas avenidas para terapias que promovam tanto a saúde
intestinal quanto a qualidade de vida dos pacientes.
Ana Carolina Salles,
oncologista da Oncologia D'Or, em Brasília, frisou que a microbiota intestinal
está intimamente relacionada à integridade da barreira intestinal. "Quanto
mais equilibrada, menos risco de quebra de barreira e translocação bacteriana.
A quebra da barreira intestinal aumenta o risco de inflamação e disseminação do
câncer e a desregulação do microbioma aumenta as chances de isso ocorrer."
Alexandre Nishimura,
médico coloproctologista, em São Paulo, reitera que a interação entre a
microbiota intestinal, inflamação e câncer colorretal é um campo promissor.
"Pesquisas contínuas sobre intervenções que modulam a microbiota e reduzem
a tensão, podem abrir novas fronteiras no tratamento e na prevenção de
complicações. Conscientizar sobre a importância da saúde intestinal ajuda a
melhorar hábitos alimentares, o que auxilia a microbiota e diminui inflamações.
Isso pode impactar positivamente o tratamento e a recuperação, além de reduzir
o risco de complicações cirúrgicas."
Paralelamente, um
estudo recente publicado na Nature Communications revelou que a microbiota
intestinal pode influenciar a eficácia da imunoterapia em pacientes com
mesotelioma, uma forma agressiva de câncer que se desenvolve no revestimento
dos pulmões ou do abdômen. O professor Dean Fennell, da Universidade de
Leicester, no Reino Unido, liderou a pesquisa que identificou como o
ecossistema bacteriano intestinal pode afetar a resposta do sistema imunológico
ao tratamento.
O ensaio analisou a
eficácia das imunoterapias atezolizumabe e bevacizumabe em pacientes com
mesotelioma recidivado — um tipo raro e agressivo de tumor que afeta o
revestimento dos pulmões, do abdômen ou do coração, e está fortemente associado
à exposição ao amianto— e encontrou que a presença de bactérias intestinais
específicas, como Prevotella e Eubacterium ventriosum, estava associada a uma
melhor resposta ao tratamento.
Fennell ressaltou que
"o ecossistema de bactérias que vivem no intestino pode ser um fator
significativo associado à sensibilidade do corpo à imunoterapia". A
pesquisa sugere que mudanças na dieta, que alterem a composição da microbiota
intestinal, podem melhorar a eficácia da imunoterapia, dando uma nova
perspectiva para o tratamento.
Suzete Notaroberto,
gastroenterologista da Clínica Hepato, no Rio de Janeiro, frisou que a
microbiota intestinal tem um papel crucial na eficácia de abordagens contra o
câncer, especialmente imunoterapias e quimioterapias. "Estudos demonstram
que pacientes com maior diversidade de microbiota tendem a ter respostas
melhores a esses tratamentos. Alterações no microbioma podem contribuir para a
resistência a terapias oncológicas. Certas bactérias podem degradar
medicamentos quimioterápicos, como a gemcitabina, tornando-os menos eficazes.
Além disso, pacientes com microbioma saudável podem apresentar menor toxicidade
gastrointestinal induzida por quimioterapia."
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PALAVRA DE ESPECIALISTA
Muitas funções
A microbiota
intestinal refere-se ao conjunto de trilhões de microrganismos, incluindo
bactérias, vírus, fungos e arqueias — que não têm núcleo celular organizado ou
organelas membranosas— que habitam o trato gastrointestinal. Essa comunidade
microbiana desempenha um papel fundamental na manutenção da saúde geral,
influenciando processos como digestão, metabolismo, imunidade, e até a saúde
mental. As principais funções: digestão e metabolismo; imunidade; proteção da
barreira intestinal e regulação do sistema nervoso. - Suzete Notaroberto,
gastroenterologista da Clínica Hepato, no Rio de Janeiro
• Influência na vacina
Pesquisadores do
Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Estadual da Geórgia, nos
Estados Unidos, descobriram que certos tipos de bactérias intestinais podem
comprometer a eficácia da vacina contra o rotavírus. O estudo publicado na
revista Cellular and Molecular Gastroenterology and Hepatology revela que a
composição da microbiota intestinal pode influenciar a resposta ao imunizante
e, em alguns casos, deixar as crianças vulneráveis ao rotavírus mesmo após a
plicação.
O rotavírus é um
agente patogênico conhecido por causar diarreia grave, vômito, febre e dor
abdominal em bebês e crianças. A infecção pode levar à desidratação severa e
exigir hospitalização. Apesar da eficácia comprovada das vacinas, sua ação é
reduzida em alguns países, especialmente naqueles mais pobres. O estudo sugere
que a variabilidade na resposta vacinal pode estar relacionada à microbiota
intestinal.
Os imunizantes contra
esse patógeno são fabricados com o uso de vírus vivos atenuados, que precisam
infectar o intestino para estimular uma resposta imunológica adequada.
Entretanto, a proteção fornecida pela vacina varia entre indivíduos.
No estudo, foram
realizados transplantes microbianos de crianças com alta ou baixa resposta à
vacina para camundongos. Os resultados mostraram que ratos que receberam
microbiota de pacientes altamente responsivos geraram uma resposta imunológica
robusta contra o rotavírus, enquanto aqueles que receberam microbiota com baixa
responsividade continuaram suscetíveis ao vírus.
A análise dos
microbiomas revelou uma associação com a bactéria Clostridium perfringens,
conhecida por ocasionalmente causar doenças. A administração oral de C.
perfringens em camundongos replicou parcialmente a baixa resposta à vacina
observada. Segundo Gewirtz, líder do ensaio, as descobertas "refletem que
C. perfringens pode ser um dos vários micróbios que impactam a infecção e,
consequentemente, as respostas imunológicas provocadas pelos vírus da vacina
contra o rotavírus."
Segundo Giovanni
Monteiro Ribeiro, professor do Centro Universitário Uniceplac em Brasília e
especialista em microbiologia e imunologia, a manipulação da função ou
composição microbiana por meio de alteração da dieta, ou enxerto de microbiota
pode, em breve se tornar uma abordagem viável para controlar a imunidade e as
respostas à vacina. "Isso não vale apenas para a microbiota intestinal,
mas também para todos os tecidos de barreira. Por exemplo, em locais como a
pele ou o pulmão, que são caracterizados por baixa biomassa microbiana,
alterações sutis em nutrientes definidos —como açúcares, proteínas e outras
moléculas disponíveis para os micro-organismos— podem ter um impacto dramático
na composição da microbiota."
"No futuro,
vacinas projetadas racionalmente que aproveitem as propriedades adjuvantes da
microbiota podem ter um grande impacto na prevenção de doenças", reforçou
Ribeiro.
Fonte: Correio
Braziliense
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