Cerrado: fogo sobe 221% em agosto
O Cerrado registrou um
aumento de 221% nas áreas queimadas em agosto de 2024, segundo dados divulgados
nesta quinta-feira (18) pelo Monitor do Fogo, uma iniciativa da rede MapBiomas,
coordenada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
O número compara o
mesmo período do ano passado. Somente neste último mês, foram queimados
1.239.324 hectares, mais que o dobro do tamanho do Distrito Federal, contra
386.404 hectares em agosto de 2023.
A vegetação de savanas
é típica do bioma, composta por árvores, arbustos e gramíneas, e ocupa 41,7% de
tudo o que queimou no Cerrado nos primeiros oito meses do ano.
No mesmo mês, os
municípios com maior área queimada no bioma foram Barra do Garças (MT), com
102.328 ha, Nova Nazaré (MT), com 93.043 ha, e Lagoa da Confusão (TO), com
90.263 ha (veja ranking completo abaixo).
📝 ENTENDA: O Cerrado é o segundo maior bioma do país em extensão,
superado apenas pela Floresta Amazônica. Sua área cobre estados como Goiás,
Tocantins, Mato Grosso do Sul, sul do Mato Grosso, oeste de Minas Gerais,
Distrito Federal, oeste da Bahia, sul do Maranhão, oeste do Piauí e partes de
São Paulo, além de fragmentos no Paraná e na Amazônia.
Ainda segundo os dados
do Monitor do Fogo, embora as savanas tenham sido as áreas mais atingidas até
agora, o maior aumento percentual nas queimadas foi registrado nas formações
florestais do Cerrado.
Em agosto de 2024,
houve um crescimento de 410% nas áreas florestais atingidas pelo fogo, com
96.533 hectares queimados, em comparação com 18.910 hectares no mesmo mês de
2023.
"Ainda que a área
queimada em florestas do Cerrado seja menor do que a área queimada em savanas,
chama a atenção este número que foge à dinâmica comumente observada no
bioma", diz Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam.
"O aumento do
fogo nas formações florestais é algo novo e que pode estar relacionado à
intensificação das mudanças climáticas e ao desmatamento, que fragilizam estas
áreas e aumentam sua vulnerabilidade ao fogo", complementa.
O monitoramento do
Ipam também mostra que o fogo no Cerrado está cada vez mais frequente e
intenso, atingindo não apenas áreas naturais, mas também regiões agrícolas.
Em agosto de 2024, as
áreas agropecuárias registraram um aumento de 219% nas queimadas, com 440.843
hectares destruídos pelo fogo, em comparação com 138.274 hectares no mesmo mês
do ano anterior.
No mesmo mês, a área
total queimada no Cerrado foi 95% maior do que a média na comparação com os
últimos cinco anos, com 2.445.683 hectares destruídos.
Este foi o agosto com
a maior área queimada desde o início do monitoramento do projeto (2.445.683
hectares), o que coincide com o auge da estação seca na região, quando as
condições climáticas favorecem a propagação dos incêndios, principalmente os
causados pela ação humana. Em agosto do último ano 881.899 hectares foram
queimados.
"O Cerrado é um
bioma que evoluiu com a ocorrência de fogo de forma natural, mas é importante
lembrar que este fogo natural só ocorre na época chuvosa, por meio de raios,
então é bastante raro. Na seca, o fator humano é o principal responsável pelos
incêndios no bioma. É preciso criar mecanismos para que a gente possa manter
este bioma vivo, seja com a redução do uso do fogo e o manejo desta ferramenta,
seja com a criação de áreas protegidas", pontua Alencar.
• Municípios que mais queimaram
Ainda de acordo com o
relatório do Ipam, os estados de Mato Grosso e Tocantins foram os mais afetados
pelas queimadas em agosto de 2024.
Em Mato Grosso, os
municípios de Barra do Garças (102.328 ha), Nova Nazaré (93.043 ha) e
Campinápolis (83.364 ha) registraram as maiores áreas queimadas. Já no
Tocantins, as regiões mais afetadas foram Lagoa da Confusão (90.263 ha),
Formoso do Araguaia (86.439 ha) e Pium (62.116 ha).
Essas áreas estão
localizadas próximas à transição com a Amazônia e fazem parte da fronteira
agrícola do Matopiba, uma das regiões de expansão agropecuária no Brasil, que
engloba parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A primeira
sílaba do nome desses estados forma a palavra Matopiba. Essa região é o local
onde o desmatamento mais se concentrou.
Além das queimadas nas
savanas e florestas, os campos alagados do Cerrado também sofreram com o fogo.
Essas áreas, que são
sazonalmente alagadas durante a estação chuvosa, registraram um aumento de 68%
na área queimada em agosto de 2024.
Embora naturalmente
úmidas, essas regiões acumulam grande quantidade de material combustível
durante o período de chuvas, o que, combinado com a seca de agosto, torna-as
mais suscetíveis aos incêndios.
"Se não
controlarmos os incêndios e o desmatamento do Cerrado, não vai ter mais água
saindo da torneira na casa da maior parte dos brasileiros. É por isso que a
campanha ‘Cerrado, Coração das Águas’, lançada em 11 de setembro, Dia Nacional
do Cerrado, tem como foco a questão hídrica: para que todos saibam como o
Cerrado é essencial para nossas vidas", acrescenta Yuri Salmona, diretor
executivo do Instituto Cerrados.
O bioma é responsável
por abrigar nascentes de oito das 12 principais bacias hidrográficas do país.
Aquíferos importantes, como o Guarani, que se estende por várias regiões,
também dependem da preservação do Cerrado para manter o equilíbrio hídrico.
• 135 milhões de toneladas de CO2
O desmatamento do
Cerrado também resultou na emissão de mais de 135 milhões de toneladas de
dióxido de carbono (CO2) entre janeiro de 2023 e julho de 2024, aponta um
relatório divulgado nesta semana pelo SAD Cerrado, sistema de alerta
desenvolvido pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Esse volume de
emissões é 1,5 vez maior que o total gerado anualmente pela indústria no
Brasil.
Atualmente, ao todo, o
Brasil emite cerca de 2,3 bilhões de toneladas de gases, sendo o sexto maior
emissor global. Somente de junho a agosto de 2024, as queimadas recordes na
Amazônia resultaram em 31 milhões de toneladas de CO2, como mostrou outro levantamento.
As savanas, que cobrem
grande parte do Cerrado com árvores retorcidas e arbustos, foram responsáveis
por 65% das emissões relacionadas ao desmatamento, somando 88 milhões de
toneladas de CO2.
Esse tipo de vegetação
é predominante no bioma, ocupando 62% da área remanescente, o que explica sua
contribuição para as emissões.
No período analisado,
as áreas campestres, que ocupam 6% da vegetação restante, foram responsáveis
por 7% das emissões, com destaque para o Maranhão. Já as florestas, segunda
formação mais rara no Cerrado, contribuíram com 27% das emissões.
"O aumento da
temperatura causado pelos gases de efeito estufa afeta as taxas de
evapotranspiração das plantas, impactando a circulação atmosférica e,
consequentemente, o regime hídrico, energético e alimentar, o que influencia
diretamente a economia do país", explica ao g1 Fernanda Ribeiro,
pesquisadora do IPAM responsável pelo SAD Cerrado.
🔥 Mais de 60% da vegetação restante do Cerrado está localizada em
áreas privadas, onde o desmatamento pode ser legalmente realizado em até 80%
das terras. Segundo o Ipam, isso representa um desafio para a preservação do
bioma, que necessita de políticas de incentivo à conservação e uma maior
fiscalização do desmatamento ilegal.
A fronteira agrícola
conhecida como Matopiba foi responsável por 80% das emissões, com 108 milhões
de toneladas de CO2 liberadas. O valor equivale à metade das emissões do setor
de transportes, conforme dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e
Remoções de Gases de Efeito Estufa).
Entre os estados que
mais emitiram CO2, o Maranhão lidera, com 35 milhões de toneladas resultantes
do desmatamento de 301 mil hectares de vegetação nativa.
Em Tocantins, o
segundo no ranking, foram emitidas 39 milhões de toneladas de CO2, provenientes
do desmate de 273 mil hectares.
Já a Bahia, em
terceiro, liberou 24 milhões de toneladas. O Piauí fecha a lista dos maiores
emissores, com 11 milhões de toneladas de CO2 emitidas.
"O desmatamento
no Matopiba é muito maior do que em outras regiões do Cerrado. Por isso, as
emissões de CO2 são significativamente mais altas nos estados do Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia. Embora também tenhamos observado um aumento em outros
estados como Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, os números absolutos
ainda são menores comparados ao que ocorre no Matopiba", diz Ribeiro.
• Com fogo descontrolado, animais lutam
pela sobrevivência na Ilha do Bananal (TO)
No Tocantins, um
ecossistema importante está ameaçado.
O fogo avança sem
controle na Ilha do Bananal. Desde julho de 2024, já destruiu 420 mil hectares,
quase dez vezes o tamanho da cidade de Curitiba.
Em meio à catástrofe,
os animais lutam pela sobrevivência. Sem vegetação e água, um lobo-guará foi
visto caminhando entre as cinzas. O veado bebeu água na mão do brigadista para
não morrer de sede. O jabuti não resistiu.
Rios e lagos secaram e
milhares de espécies de peixes morreram. Jacarés gigantes apareceram nas
aldeias indígenas tentando se refugiar.
A Ilha do Bananal é
formada pelo que especialistas chamam de "fauna compartilhada",
quando animais de biomas diferentes convivem no mesmo lugar. São bichos do
Cerrado, da Amazônia e do Pantanal em uma espécie de corredor ecológico.
Pesquisadores temem uma migração em massa das espécies.
"Quando você
perde animais que fazem parte da base da cadeia, você interfere em todos os
outros. Isso quer dizer que vai haver um efeito cascata. Algumas espécies, com
capacidade de deslocamento veloz, vão para outros lugares. E aquelas que não
têm, vão acabar morrendo”, afirma Renato Torres, biólogo.
No Pantanal de Mato
Grosso do Sul, a situação se repete. No município de Miranda, agentes do Ibama
e da Polícia Ambiental do estado resgataram um filhote de macaco-prego entre as
cinzas e também salvaram uma onça-pintada, que foi levada para um hospital veterinário.
• Produção de ouro registrada pelos
garimpos no Brasil cai 84% após aumento de controle
As medidas adotadas
pelo Brasil em 2023 para controlar o comércio de ouro e combater a extração
ilegal surtiram efeito: o mercado do ouro brasileiro não é mais o mesmo e a
produção registrada pelos garimpos despencou 84%.
É o que mostra o
estudo “Ouro em Choque: medidas que abalaram o mercado”, que acaba de ser
lançado pelo Instituto Escolhas e traz um balanço sobre o impacto das mudanças
nas regras do comércio de ouro.
Duas medidas tiverem
efeitos significativos e imediatos no mercado: a obrigatoriedade de notas
fiscais eletrônicas e o fim do pressuposto da boa-fé, ambas voltadas para as
transações com o ouro do garimpo.
Prova disso é que, em
2022, os garimpos registraram uma produção de 31 toneladas de ouro. Em 2023,
logo após as mudanças, o volume caiu para 17 toneladas (redução de 45%). Entre
janeiro e julho de 2024, o volume de produção dos garimpos já é 84% menor do
que o registrado no mesmo período em 2022.
• Presunção de boa-fé: uma lei sancionada
em 2013 permitia que ouro fosse comercializado apenas com base nas informações
dos vendedores, sob presunção de boa-fé. No entanto, em abril 2023, o ministro
Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a aplicação da
presunção da boa-fé no comércio de ouro.
Mais de 70% da queda
na produção de ouro dos garimpos em 2023 foi registrada no Pará. Entre janeiro
e julho de 2024, o recuo na produção garimpeira do estado já é de 98% em
comparação com o mesmo período de 2022.
O efeito das medidas
adotadas também foi sentido nas exportações brasileiras de ouro. Em 2023, elas
diminuíram 29% e, entre janeiro e julho de 2024, o volume exportado foi 35%
menor do que o registrado no mesmo período em 2022.
Em 2023, os estados
que registraram a maior queda nas exportações de ouro foram São Paulo – que não
produz ouro, mas escoa o metal de garimpos na Amazônia – e Mato Grosso – onde
predomina a extração por garimpos.
Em relação ao destino,
chama a atenção a queda nas exportações para Índia, Emirados Árabes Unidos e
Bélgica, que, juntos, deixaram de comprar 18 toneladas de ouro, principalmente
de São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
“Com a adoção de
medidas de controle onde, sabidamente, há indícios de ilegalidade, o mercado
encolheu mesmo com o alto preço do ouro. Isso significa que portas foram
fechadas para o ouro ilegal. Se, antes, o metal era facilmente ‘esquentado’ e
exportado como ‘legal’, agora a história mudou e aumentaram os custos e o risco
das operações ilícitas”, afirma Larissa Rodrigues, diretora de pesquisa do
Instituto Escolhas.
Segundo Rodrigues,
apesar de importantes, esses são apenas os primeiros passos. Há muito trabalho
a ser feito até a completa transformação do setor.
“Combater a extração
ilegal deve ser uma prioridade, porque ela provoca danos ambientais e sociais
enormes e de difícil reversão”, ressalta.
Entre os próximos
passos sugeridos pelo estudo do Escolhas, está a obrigatoriedade da
transformação das operações garimpeiras que atingem determinado patamar de
valor de produção em empresas de mineração, o que permitiria melhores condições
para lidar adequadamente com as obrigações sociais e ambientais.
Fonte: g1
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