sábado, 28 de setembro de 2024

Base aliada de Lula aprovou bets que agora questiona: “É como abrir as portas do inferno”

Parlamentares de partidos da base aliada de Lula que agora questionam, em iniciativas legislativas, termos da legalização das bets, votaram em peso a favor do projeto de lei que definiu as regras atuais para as apostas online, no ano passado. A regulamentação desse mercado é iniciativa do governo federal e tem sido liderada pelo Ministério da Fazenda.

Até mesmo integrantes do PT dizem, agora, terem subestimado efeitos negativos e o alcance desse mercado nas contas dos brasileiros. Apesar disso, as bets são liberadas no país desde 2018, por meio de lei, e o fenômeno cresce desde então, com televisões e redes sociais veiculando propagandas de apostas.

DESDE TEMER

Após a lei que liberou as bets no Brasil, aprovada no governo Michel Temer (MDB), o governo de Jair Bolsonaro (PL) deveria ter regulamentado o mercado, mas não o fez. No ano passado, o governo Lula editou uma MP (medida provisória) sobre o tema e, a partir disso, um projeto de lei passou a ser discutido no Congresso.

Na primeira votação na Câmara, em setembro de 2023, o texto, que contemplou, no geral, a proposta do governo, foi aprovado simbolicamente (quando não há contabilização individual de votos). Apenas deputados do PSOL e do Novo foram contra. A grande mudança na Câmara foi a inclusão de jogos online, onde entram cassinos e outros jogos de azar em ambiente virtual — o que não constava no texto original do governo.

No Senado, em dezembro do ano passado, o texto-base também foi votado simbolicamente, mas dois destaques foram aprovados e, ao contrário do que o governo queria, o tema voltou à Câmara. Na última sessão do ano, a Casa aprovou com 292 votos favoráveis e 114 contrários. Somente a oposição e a minoria orientaram contra o texto.

“JOGO RESPONSÁVEL”

Em agosto deste ano, o Ministério da Fazenda definiu regras de “jogo responsável” para o mercado de apostas, com objetivo de mitigar vício e endividamento excessivo. A pasta definiu em outras duas portarias como será a fiscalização e as penalidades em caso de infração, que incluem multa de até R$ 2 bilhões.

Os efeitos completos da legalização entrarão em vigor em janeiro de 2025, e o governo conta com grande arrecadação. O texto da lei já prevê, por exemplo, regras gerais para a publicidade, algo que tem sido questionado agora no Congresso.

Diversos parlamentares apresentaram propostas para mudar o texto chancelado por eles mesmos no ano passado. Isso ocorre em meio a denúncias envolvendo bets, o surgimento de dados mais robustos sobre impactos na vida cotidiana e embates de setores como o varejo e o de bancos.

DIZ A CNC

Segundo a CNC (Confederação Nacional do Comércio), apostas online deixaram um total de 1,3 milhão de brasileiro inadimplentes no primeiro semestre deste ano. Um outro projeto na Câmara, da presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), é um dos que preveem o veto de propagandas.

Gleisi disse à Folha que é necessário que os parlamentares analisem o tema ainda neste ano. Segundo ela, é preciso fazer uma “avaliação crítica” do que ocorreu.

“Subestimamos os efeitos nocivos e devastadores sobre o que isso causa à população brasileira. É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno, não tínhamos noção do que isso poderia causar”, diz ela. “Principalmente essa ação muito ofensiva das casas de jogos e o uso de publicidade extrema.”

COM LIRA

Ela diz que vai procurar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para propor um esforço dos parlamentares acerca do assunto. “Precisamos fazer alguma coisa neste ano, temos que ter noção do que causamos, a nossa responsabilidade, e o que pode ser feito. Isso também é responsabilidade do Congresso.”

O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) também é autor de outras matérias que tratam da regulamentação. Uma delas, apresentada nesta semana, proíbe a utilização de cartões de crédito e contas bancárias do Bolsa Família nessas apostas.

´À reportagem, ele diz que não é o caso de acabar com as bets, mas, sim, aperfeiçoar a legislação. “Agora mudou porque chegamos a conclusão de que precisa aperfeiçoar. Não ter vetado o uso dos cartões, o Bolsa Família e não termos regulamentado as propagandas foi ruim para as famílias brasileiras. O endividamento está claro, está tendo consequências. Precisamos sempre ter coragem de reformar e melhorar as legislações.”

 

•        CNC quer proibir bets, que Haddad considera “grave problema social”

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apresentou uma ação ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (24), pedindo que a Corte declare inconstitucional a lei que regulamenta as apostas esportivas online (bets). A ação direta de inconstitucionalidade está sob a relatoria de Luiz Fux. O ministro deve ouvir a posição da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) antes de analisar o pedido. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal também podem ser chamados a se manifestar.

APROVAÇÃO

A Lei das Bets foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em dezembro de 2023. A legislação que regulamenta o mercado das bets no país é fruto de uma mobilização do governo. Lula editou em julho do ano passado medida provisória para definir as regras do setor.

O governo estimou na época que, em um mercado totalmente regulado, sedimentado e em pleno faturamento, o potencial de arrecadação anual giraria entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões, mas na prática o total é muito maior.

A CNC sustenta que a aprovação da lei ampliou a disponibilidade de apostas esportivas no Brasil e isso desencadeou de forma proporcional o endividamento das famílias. “Levando parte significativa da sociedade a um comportamento financeiro de altíssimo risco, e prejudicando consideravelmente a economia doméstica, o comércio varejista e o desenvolvimento social”, afirmam os advogados da entidade.

DESEQUILÍBRIO

A confederação afirma que, a partir da edição da norma, se verifica “a perceptível mudança no comportamento dos consumidores das classes C, D e E que deixaram de alimentar a economia local, e passaram a direcionar boa parte de sua renda aos jogos de apostas online, acreditando ser esta a solução de sua situação financeira precária”.

O Banco Central estima que cerca de 24 milhões de pessoas físicas participaram em agosto de jogos de azar e apostas no Brasil, realizando ao menos uma transferência via PIX para essas empresas. A maioria tem entre 20 e 30 anos, embora as apostas sejam realizadas por indivíduos de diferentes faixas etárias.

O valor médio mensal das transferências aumenta conforme a idade: para os mais jovens, o valor gira em torno de R$ 100 por mês, enquanto para os mais velhos o valor ultrapassa R$ 3 mil por mês, de acordo com os dados de agosto de 2024.

SUSPENSÃO

A CNC defende a suspensão imediata da lei alegando que a intenção é evitar que o setor do comércio varejista nacional “sofra ainda mais com as nefastas consequências negativas geradas ao cenário da economia doméstica em decorrência do aumento dos níveis de endividamento das famílias e o redirecionamento dos gastos”.

A confederação também argumenta que a ampliação do mercado de bets no Brasil tem impacto na saúde dos apostadores. De acordo com a CNC, a lei incentiva “os efeitos maléficos e adversos causados pela prática compulsiva do jogo de apostas online”.

“Desta forma, ao editar a Lei n.º 14.790/23, sem a adoção de políticas efetivas que garantam a saúde mental dos apostadores, o Estado estaria contribuindo diretamente para o aumento de agravos à saúde, significando afirmar que a referida norma viola o disposto no art. 196, da Constituição Federal”, diz a entidade.

NOTA

Já era esperado. São os pobres e a classe média que apostam nas bets e se endividam. O governo é como Silvio Santos e faz tudo por dinheiro. O ministro Fernando Haddad afirmou que há uma distância tênue entre “o entretenimento e a dependência” e admite que “isso virou um problema social grave, e nós vamos enfrentar esse problema adequadamente, da maneira mais madura possível”. Mas a verdade é que, ao invés de tomar dinheiro de ricos nos cassinos, o governo preferiu extorquir os pobres pelo celular… É deprimente.

 

•        Deputado busca barrar apostas com recursos do Bolsa Família

O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) está propondo uma medida visando proibir o uso tanto dos cartões de crédito quanto das contas vinculadas ao programa Bolsa Família para realizar apostas, sejam online ou em estabelecimentos físicos, informa o jornalista Lauro Jardim em sua coluna no jornal O Globo. Segundo dados do Banco Central, só em agosto, cerca de 5 milhões de pessoas atendidas pelo programa enviaram R$ 3 bilhões para empresas de apostas via PIX.

A preocupação do deputado está embasada nos dados alarmantes que mostram que 4 milhões dessas pessoas são chefes de família, que transferiram R$ 2 bilhões por meio do mesmo método. Na avaliação do parlamentar, esse comportamento está comprometendo as finanças familiares de forma devastadora.

"O endividamento causado pelas apostas tem destruído famílias e causado ruína financeira para diversas pessoas", destacou Lopes em sua justificativa, de acordo com a reportagem.

A iniciativa pretende, segundo o deputado, "proteger a população brasileira do superendividamento e também os benefícios sociais", garantindo que o recurso destinado ao sustento familiar não seja desviado para o jogo, que tem gerado impactos negativos na economia das famílias mais vulneráveis.

Na quarta-feira (25), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que o governo está preparando um projeto para regulamentar as apostas esportivas online por meio das chamadas 'bets'. “Vamos ter no Ministério da Fazenda um sistema de controle. Vai impedir a pessoa de apostar com cartão de crédito. Vamos ter, CPF por CPF, quem está apostando, tudo sigiloso. Vamos poder ter um sistema de alerta em relação a pessoas que demonstrem dependência psicológica do jogo", disse Haddad.

Na terça-feira, durante um evento organizado pelo Brasil e pela Espanha na Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Lula (PT) já havia sinalizado que o governo tem se preocupado com o endividamento de pessoas de baixa renda causado por apostas online. "Estamos percebendo no Brasil o endividamento das pessoas mais pobres tentando ganhar dinheiro fazendo aposta. É um problema que vamos ter que regular, senão daqui a pouco vamos ter cassino funcionando dentro da cozinha de cada casa”, disse o presidente.

 

Fonte: FolhaPress/CNN Brasil/Brasil 247

 

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