Petronio Portella Filho: ‘Austeridade, uma
ideia perigosa’
Economistas do mercado
financeiro projetam, para o Brasil, um déficit primário de 0,7% do PIB em 2024
(último relatório Focus). Segundo a maioria deles, isso seria algo imoral, uma
demonstração de “descontrole fiscal”. Curiosamente, na última edição do Monitor
Fiscal (abril/2024), o FMI projetou, para os 188 países que ele monitora, um
déficit primário médio de 4,9% do PIB em 2024. E o tom da referida publicação
não é alarmista. Ou seja, aqui no Brasil, exige-se mais austeridade fiscal do
que no exterior. Tentam impor ao governo Lula uma agenda de austeridade que o
impediria de cumprir o programa eleitoral com que ganhou a eleição.
Tal campanha torna
urgente a leitura de “Austeridade, a História de uma Ideia Perigosa”, de Mark
Blyth. Trata-se do melhor e mais completo livro que já foi escrito sobre a
doutrina da austeridade econômica. Com esse livro, Blyth se tornou o crítico
mais respeitado das políticas de austeridade. Uma excelente tradução do livro
foi publicada no Brasil pela editora Autonomia Literária. O livro é excelente
fonte bibliográfica, além de uma leitura agradável.
Vou iniciar a resenha
do livro com uma indagação. Como pode alguém em sã consciência ser contra a
austeridade? Segundo os dicionários, todas as acepções do vocábulo austeridade
são positivas. Austeridade significa autocontrole, comedimento, frugalidade, despojamento
e sobriedade. Não é por acaso que os defensores da austeridade a defendem com
base em princípios morais.
A questão é complexa.
Começa que a “austeridade” dos economistas tem pouco a ver com as virtudes
listadas pelos dicionários. Segundo os doutrinadores, a austeridade é
necessária porque os governos – todos eles diagnosticados como inchados –
precisam cortar despesas fiscais, única maneira de equilibrar as contas
públicas. A “farra de gastos” que
provocou aumentos no endividamento público deveria dar lugar a uma disciplina
fiscal “moralizadora”, onde os governos só gastam o que arrecadam. A
austeridade promoveria uma forma de deflação, ou seja, de redução dos preços. A
economia se ajustaria via redução dos salários e preços, recuperando sua
“competitividade” internacional. Tal política restauraria a confiança dos
empresários, que voltariam a investir.
Segundo Blyth, a
doutrina é problemática em vários níveis, a começar pelo diagnóstico do
problema. O aumento do endividamento público das últimas décadas não foi
resultado da expansão de gastos fiscais, muito menos do crescimento do Estado.
Pelo contrário. O recente aumento do endividamento público, um fenômeno
internacional, se deu numa época de ampla hegemonia do neoliberalismo. Tudo
começou com uma crise bancária propiciada por uma das bandeiras mais caras do
neoliberalismo, a desregulação do sistema financeiro.
A crise do subprime
(2007-08) foi protagonizada pelo setor financeiro privado dos EUA, que se
engajou em atividades especulativas e fraudulentas sem a supervisão das
autoridades. Algo similar aconteceu com grandes bancos de vários países. A
solução americana foi usar o banco central para comprar ativos financeiros
tóxicos do setor privado. Os balanços bancários do sistema financeiro privado
foram saneados em troca da deterioração dos balanços do setor público. Nos
Estados Unidos, a operação de resgate dos bancos pelo Federal Reserve foi
apelidada de “Cash for Trash” (compra de lixo com dinheiro vivo).
Na prática, a dívida
bancária foi socializada nos EUA e na maior parte dos países. A austeridade,
argumenta Mark Blyth, é a contrapartida da operação de resgate dos bancos. Ela
é também a forma como os bancos exigem que a dívida federal que eles transferiram
para o Estado seja paga pelos contribuintes. Nas palavras de Blyth:
“Austeridade não é apenas o preço da salvação dos bancos. Ela é o preço que os
bancos querem que nós paguemos”.
O autor observa que,
antes da crise de 2008, praticamente ninguém nos Estados Unidos ou no exterior
estava preocupado com “o aumento descontrolado das dívidas públicas” nem com “o
excesso de gastos fiscais”. Quando a
crise financeira se instalou, em 2008, a resposta inicial dos governos foi
keynesiana. Os gastos fiscais foram expandidos, o que impediu a repetição da
Grande Depressão de 1930. Mas, a partir da reunião do G-20 de junho de 2010, o
keynesianismo deu lugar a uma estratégia denominada “growth friendly fiscal
consolidation”, um eufemismo para a velha austeridade fiscal.
As restrições de Mark
Blyth às políticas de austeridade podem ser resumidas em dois argumentos. Em
primeiro lugar, os sacrifícios que ela impõe não são dirigidos aos responsáveis
pela criação dos ativos tóxicos que originaram a crise. A austeridade sacrifica
trabalhadores, classe média e empresários do setor produtivo – mas não toca nos
privilégios dos bancos e rentistas.
Em segundo lugar, a
austeridade NÃO FUNCIONA − se o significado da palavra “funcionar” for
“promover crescimento econômico e reduzir dívidas públicas”. Pelo contrário.
Blyth cita dados a perder de vista provando que a austeridade não só provoca
estagnação econômica e aumento do desemprego, como também piora a situação dos
devedores públicos e privados.
As dívidas de um
governo são muito diferentes das dívidas de um indivíduo. A dívida de uma
pessoa pode ser paga, inclusive na íntegra, se ela apertar o cinto. As dívidas
do governo federal são quase sempre roladas. Tais dívidas só diminuem no longo
prazo quando a taxa de crescimento do PIB é maior do que a taxa de juros real
que incide sobre a dívida. A austeridade não funciona porque ela diminui a taxa
de crescimento do PIB (e da Receita Fiscal), mantendo constante (ou aumentando)
a taxa de juros.
As estatísticas são
eloquentes. Das políticas de austeridade
fiscal resultou não só aumento nas dívidas públicas como também aumento nas
taxas de juros que os bancos cobram para financiá-las. Ou seja, os próprios credores
privados desconfiam da austeridade. O mesmo pode ser dito das bolsas de
valores. Quando os governos anunciam grandes cortes de gastos fiscais, isso
quase sempre provoca quedas das bolsas, ao invés do prometido retorno da
confiança do setor privado.
No Brasil, logo após o
impeachment da Dilma, botaram na Constituição o “teto de gastos”, que na
verdade era um esmagador de gastos. O “teto” vigorou durante sete anos. Era tão
radical que não chegou a ser cumprido, mas impôs uma agenda de redução do Estado,
privatizações e cortes de direitos sociais. Os resultados foram desastrosos
tanto para o crescimento quanto para o endividamento público. A Dívida Líquida
do Governo Central e BC, durante as gestões petistas, havia diminuído de 37,7%
do PIB (dez/2002) para 26,0% do PIB (abril/2016). Mas ela sofreu grande aumento
durante as gestões “austeras” de Temer e Bolsonaro, quando saltou de 26,0%
(abril/2016) para 47,1% (dez/2022).
Mark Blyth analisa as
políticas de austeridade não só na prática, como também na teoria. Ele
pesquisou as origens intelectuais e históricas da doutrina, começando com os
autores clássicos e indo até a impostura da “austeridade expansiva” dos
italianos. O estudo dos italianos, liderados por Alberto Alesina, deu
credibilidade à tese esdrúxula de que austeridade fiscal seria uma política
anti recessiva (na contramão de Keynes e da experiência mundial). Tal tese foi
aplicada em vários países, após a crise financeira de 2008. Os resultados não
poderiam ser piores: diminuição do crescimento econômico e aumento do
desemprego e das dívidas públicas.
O autor mostra que a
doutrina da “austeridade expansiva” foi amplamente contestada por vários
autores, inclusive por um estudo do Fundo Monetário Internacional. Paul Krugman zomba de tal crença e a compara
com um culto à Fada da Confiança. Mas, como observa Blyth, a austeridade é uma
doutrina zumbi. Por mais que fracasse, ela se recusa a morrer em definitivo.
Volta e meia ela sai da catacumba.
Mark Blythe é muito
crítico da União Europeia, que considera uma armadilha monetária e fiscal. A
UE, ao tentar impor o modelo austero alemão para o continente europeu, ainda
por cima com moeda única, produziu décadas de estagnação e uma gigantesca crise
bancária. A diferença entre a crise bancária americana e a europeia é o tamanho
do problema. Nos EUA os bancos são grandes demais para falir; na Europa,
grandes demais para o governo resgatar.
A solução, segundo
Blyth, seria os governos desistirem de salvar grandes bancos inadimplentes.
Tais operações de resgate provocam saltos na dívida pública, que servem de
pretexto para a “austeridade” perpétua. As elites aumentam a dívida e o povo
paga por ela. A austeridade produz estagnação e a relação dívida/PIB não
diminui no longo prazo. Melhor do que o banco central salvar bancos comprando
títulos podres seria permitir falências e liquidações extrajudiciais, de forma
organizada, impondo os sacrifícios da austeridade a banqueiros e especuladores.
Quando isso acontecer – se isso um dia acontecer − poderemos então defender a
austeridade macroeconômica com base em princípios morais.
• Luís Nassif: ‘O BC precisa entrar
urgente no mercado de câmbio’
Porque houve calmaria
no mercado, no período de férias de Roberto Campos Neto? Porque o Banco Central
pode atuar livremente no mercado de câmbio e de derivativos. Bastou voltar para
que, já na véspera, o mercado voltasse a se agitar, com o cartel da Faria Lima
se movimentando livremente.
Agora, Campos Neto
terá um grande reforço em sua política de desestabilização da economia: os mercados
globais entraram em uma fase de explosão.
Ontem, o índice de
referência do Japão despencou 13%, o pior dia em 37 anos, após a “Segunda-feira
negra” em outubro de 1987. E os mercados globais entraram em compasso de
espera, com a perspectiva de uma recessão dos Estados Unidos.
A integração absurda
dos mercados, com o livre fluxo de dólares e as regras de movimentação das
taxas de juros, criaram um mundo ocidental estagnado e em permanente
volatilidade. Se os dados econômicos são bons, o reflexo é aumento dos juros
atraindo os dólares para os Estados Unidos e apreciando as moedas dos países na
zona de influência do dólar. Ao contrário, se a economia americana se
enfraquece, há a perspectiva de redução dos juros, afetando os mercados.
Agora, além da
economia americana, há a expectativa de ampliação de conflitos a partir de
Israel, após o atentado cometido no Irã.
Na Europa, o Stoxx
Europa 600 caiu 3%. Os contratos da Nasdaq (a bolsa de tecnologia
norte-americana) registraram queda de 5% e o S&P 500, queda prevista de
2,9% na abertura.
O que leva a esse
terremoto é que o Federal Reserve seja obrigado a recuperar o atraso, na queda
dos juros, com uma série de cortes rápidos. Esses cortes provocam uma alta nas
cotações dos títulos norte-americanos.
Entenda o movimento:
1. Os títulos são pré-fixados. Portanto, seu
valor de resgate não muda.
2. Mas são rolados no mercado, respondendo à
taxa referencial de juros do FED.
3. Quando as taxas caem, diminui a distância
entre o preço pago pelo título e o valor de resgate. Ou seja, há um aumento no
valor do título à vista.
4. Os movimentos nos diversos mercados são
ativos que saem aguardando a ação do FED, para poder morder na valorização dos
títulos norte-americanos.
5. À medida que os dólares saem de outras
economias, provoca um aumento na taxa de câmbio desses países. Na
segunda-feira, o ien subia 2,2% em relação ao dólar.
A busca de abrigo
seguro levou a Berkshire Hathaway, de Warren Buffet, a reduzir pela metade sua
posição na Apple, ao mesmo tempo que aumentava sua posição de caixa para R$ 277
bilhões, para a compra de títulos do Tesouro.
Ouvido pelo Financial
Times, Seema Shah, estrategista-chefe global da Principal Asset Management, foi
taxativo: “Não espero uma recuperação tão cedo, porque agora temos essa
tempestade perfeita de carry trade japonesa sendo desfeita, fraqueza nas Big
Techs dos EUA e tensões no Oriente Médio”.
Segundo o jornal, os
futuros do índice Vix de turbulência – o chamado “medidor do medo” de Wall
Street – subiram acima de 409 pontos, o maior nível desde os estágios iniciais
da pandemia da Covid-19.
Nesta segunda, houve a
suspensão de negociações no Japão, na Coréia. À medida que as cotações
despencam, há um efeito imediato sobre os fundos hedge, com os investidores
fechando posição e alavancando mais as perdas do mercado.
O índice Kospi, da
Coreia do Sul, fechou em queda de 9,1%, enquanto o S&P/ASX australiano caiu
3,7% e o Sensex, da Índia, perdeu 2,9%.
As quedas atingiram
mercados especulativos, como o de criptomoedas, com o bitcoin caindo 17% e o
ether outros 17%,
Esse furacão chegará
agora pela manhã ao Brasil. Se a irresponsabilidade de Campos Neto não for
contida, e o BC não atuar no mercado de câmbio, haverá turbulência de monta
pela frente.
Fonte: Jornal GGN
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