terça-feira, 6 de agosto de 2024

Petronio Portella Filho: ‘Austeridade, uma ideia perigosa’

Economistas do mercado financeiro projetam, para o Brasil, um déficit primário de 0,7% do PIB em 2024 (último relatório Focus). Segundo a maioria deles, isso seria algo imoral, uma demonstração de “descontrole fiscal”. Curiosamente, na última edição do Monitor Fiscal (abril/2024), o FMI projetou, para os 188 países que ele monitora, um déficit primário médio de 4,9% do PIB em 2024. E o tom da referida publicação não é alarmista. Ou seja, aqui no Brasil, exige-se mais austeridade fiscal do que no exterior. Tentam impor ao governo Lula uma agenda de austeridade que o impediria de cumprir o programa eleitoral com que ganhou a eleição.

Tal campanha torna urgente a leitura de “Austeridade, a História de uma Ideia Perigosa”, de Mark Blyth. Trata-se do melhor e mais completo livro que já foi escrito sobre a doutrina da austeridade econômica. Com esse livro, Blyth se tornou o crítico mais respeitado das políticas de austeridade. Uma excelente tradução do livro foi publicada no Brasil pela editora Autonomia Literária. O livro é excelente fonte bibliográfica, além de uma leitura agradável.

Vou iniciar a resenha do livro com uma indagação. Como pode alguém em sã consciência ser contra a austeridade? Segundo os dicionários, todas as acepções do vocábulo austeridade são positivas. Austeridade significa autocontrole, comedimento, frugalidade, despojamento e sobriedade. Não é por acaso que os defensores da austeridade a defendem com base em princípios morais.

A questão é complexa. Começa que a “austeridade” dos economistas tem pouco a ver com as virtudes listadas pelos dicionários. Segundo os doutrinadores, a austeridade é necessária porque os governos – todos eles diagnosticados como inchados – precisam cortar despesas fiscais, única maneira de equilibrar as contas públicas.  A “farra de gastos” que provocou aumentos no endividamento público deveria dar lugar a uma disciplina fiscal “moralizadora”, onde os governos só gastam o que arrecadam. A austeridade promoveria uma forma de deflação, ou seja, de redução dos preços. A economia se ajustaria via redução dos salários e preços, recuperando sua “competitividade” internacional. Tal política restauraria a confiança dos empresários, que voltariam a investir.

Segundo Blyth, a doutrina é problemática em vários níveis, a começar pelo diagnóstico do problema. O aumento do endividamento público das últimas décadas não foi resultado da expansão de gastos fiscais, muito menos do crescimento do Estado. Pelo contrário. O recente aumento do endividamento público, um fenômeno internacional, se deu numa época de ampla hegemonia do neoliberalismo. Tudo começou com uma crise bancária propiciada por uma das bandeiras mais caras do neoliberalismo, a desregulação do sistema financeiro. 

A crise do subprime (2007-08) foi protagonizada pelo setor financeiro privado dos EUA, que se engajou em atividades especulativas e fraudulentas sem a supervisão das autoridades. Algo similar aconteceu com grandes bancos de vários países. A solução americana foi usar o banco central para comprar ativos financeiros tóxicos do setor privado. Os balanços bancários do sistema financeiro privado foram saneados em troca da deterioração dos balanços do setor público. Nos Estados Unidos, a operação de resgate dos bancos pelo Federal Reserve foi apelidada de “Cash for Trash” (compra de lixo com dinheiro vivo).

Na prática, a dívida bancária foi socializada nos EUA e na maior parte dos países. A austeridade, argumenta Mark Blyth, é a contrapartida da operação de resgate dos bancos. Ela é também a forma como os bancos exigem que a dívida federal que eles transferiram para o Estado seja paga pelos contribuintes. Nas palavras de Blyth: “Austeridade não é apenas o preço da salvação dos bancos. Ela é o preço que os bancos querem que nós paguemos”.

O autor observa que, antes da crise de 2008, praticamente ninguém nos Estados Unidos ou no exterior estava preocupado com “o aumento descontrolado das dívidas públicas” nem com “o excesso de gastos fiscais”.  Quando a crise financeira se instalou, em 2008, a resposta inicial dos governos foi keynesiana. Os gastos fiscais foram expandidos, o que impediu a repetição da Grande Depressão de 1930. Mas, a partir da reunião do G-20 de junho de 2010, o keynesianismo deu lugar a uma estratégia denominada “growth friendly fiscal consolidation”, um eufemismo para a velha austeridade fiscal.

As restrições de Mark Blyth às políticas de austeridade podem ser resumidas em dois argumentos. Em primeiro lugar, os sacrifícios que ela impõe não são dirigidos aos responsáveis pela criação dos ativos tóxicos que originaram a crise. A austeridade sacrifica trabalhadores, classe média e empresários do setor produtivo – mas não toca nos privilégios dos bancos e rentistas.

Em segundo lugar, a austeridade NÃO FUNCIONA − se o significado da palavra “funcionar” for “promover crescimento econômico e reduzir dívidas públicas”. Pelo contrário. Blyth cita dados a perder de vista provando que a austeridade não só provoca estagnação econômica e aumento do desemprego, como também piora a situação dos devedores públicos e privados.

As dívidas de um governo são muito diferentes das dívidas de um indivíduo. A dívida de uma pessoa pode ser paga, inclusive na íntegra, se ela apertar o cinto. As dívidas do governo federal são quase sempre roladas. Tais dívidas só diminuem no longo prazo quando a taxa de crescimento do PIB é maior do que a taxa de juros real que incide sobre a dívida. A austeridade não funciona porque ela diminui a taxa de crescimento do PIB (e da Receita Fiscal), mantendo constante (ou aumentando) a taxa de juros.

As estatísticas são eloquentes.  Das políticas de austeridade fiscal resultou não só aumento nas dívidas públicas como também aumento nas taxas de juros que os bancos cobram para financiá-las. Ou seja, os próprios credores privados desconfiam da austeridade. O mesmo pode ser dito das bolsas de valores. Quando os governos anunciam grandes cortes de gastos fiscais, isso quase sempre provoca quedas das bolsas, ao invés do prometido retorno da confiança do setor privado.

No Brasil, logo após o impeachment da Dilma, botaram na Constituição o “teto de gastos”, que na verdade era um esmagador de gastos. O “teto” vigorou durante sete anos. Era tão radical que não chegou a ser cumprido, mas impôs uma agenda de redução do Estado, privatizações e cortes de direitos sociais. Os resultados foram desastrosos tanto para o crescimento quanto para o endividamento público. A Dívida Líquida do Governo Central e BC, durante as gestões petistas, havia diminuído de 37,7% do PIB (dez/2002) para 26,0% do PIB (abril/2016). Mas ela sofreu grande aumento durante as gestões “austeras” de Temer e Bolsonaro, quando saltou de 26,0% (abril/2016) para 47,1% (dez/2022).

Mark Blyth analisa as políticas de austeridade não só na prática, como também na teoria. Ele pesquisou as origens intelectuais e históricas da doutrina, começando com os autores clássicos e indo até a impostura da “austeridade expansiva” dos italianos. O estudo dos italianos, liderados por Alberto Alesina, deu credibilidade à tese esdrúxula de que austeridade fiscal seria uma política anti recessiva (na contramão de Keynes e da experiência mundial). Tal tese foi aplicada em vários países, após a crise financeira de 2008. Os resultados não poderiam ser piores: diminuição do crescimento econômico e aumento do desemprego e das dívidas públicas.

O autor mostra que a doutrina da “austeridade expansiva” foi amplamente contestada por vários autores, inclusive por um estudo do Fundo Monetário Internacional.  Paul Krugman zomba de tal crença e a compara com um culto à Fada da Confiança. Mas, como observa Blyth, a austeridade é uma doutrina zumbi. Por mais que fracasse, ela se recusa a morrer em definitivo. Volta e meia ela sai da catacumba.

Mark Blythe é muito crítico da União Europeia, que considera uma armadilha monetária e fiscal. A UE, ao tentar impor o modelo austero alemão para o continente europeu, ainda por cima com moeda única, produziu décadas de estagnação e uma gigantesca crise bancária. A diferença entre a crise bancária americana e a europeia é o tamanho do problema. Nos EUA os bancos são grandes demais para falir; na Europa, grandes demais para o governo resgatar.

A solução, segundo Blyth, seria os governos desistirem de salvar grandes bancos inadimplentes. Tais operações de resgate provocam saltos na dívida pública, que servem de pretexto para a “austeridade” perpétua. As elites aumentam a dívida e o povo paga por ela. A austeridade produz estagnação e a relação dívida/PIB não diminui no longo prazo. Melhor do que o banco central salvar bancos comprando títulos podres seria permitir falências e liquidações extrajudiciais, de forma organizada, impondo os sacrifícios da austeridade a banqueiros e especuladores. Quando isso acontecer – se isso um dia acontecer − poderemos então defender a austeridade macroeconômica com base em princípios morais.

 

•        Luís Nassif: ‘O BC precisa entrar urgente no mercado de câmbio’

Porque houve calmaria no mercado, no período de férias de Roberto Campos Neto? Porque o Banco Central pode atuar livremente no mercado de câmbio e de derivativos. Bastou voltar para que, já na véspera, o mercado voltasse a se agitar, com o cartel da Faria Lima se movimentando livremente.

Agora, Campos Neto terá um grande reforço em sua política de desestabilização da economia: os mercados globais entraram em uma fase de explosão.

Ontem, o índice de referência do Japão despencou 13%, o pior dia em 37 anos, após a “Segunda-feira negra” em outubro de 1987. E os mercados globais entraram em compasso de espera, com a perspectiva de uma recessão dos Estados Unidos.

A integração absurda dos mercados, com o livre fluxo de dólares e as regras de movimentação das taxas de juros, criaram um mundo ocidental estagnado e em permanente volatilidade. Se os dados econômicos são bons, o reflexo é aumento dos juros atraindo os dólares para os Estados Unidos e apreciando as moedas dos países na zona de influência do dólar. Ao contrário, se a economia americana se enfraquece, há a perspectiva de redução dos juros, afetando os mercados.

Agora, além da economia americana, há a expectativa de ampliação de conflitos a partir de Israel, após o atentado cometido no Irã.

Na Europa, o Stoxx Europa 600 caiu 3%. Os contratos da Nasdaq (a bolsa de tecnologia norte-americana) registraram queda de 5% e o S&P 500, queda prevista de 2,9% na abertura.

O que leva a esse terremoto é que o Federal Reserve seja obrigado a recuperar o atraso, na queda dos juros, com uma série de cortes rápidos. Esses cortes provocam uma alta nas cotações dos títulos norte-americanos.

Entenda o movimento:

1.       Os títulos são pré-fixados. Portanto, seu valor de resgate não muda.

2.       Mas são rolados no mercado, respondendo à taxa referencial de juros do FED.

3.       Quando as taxas caem, diminui a distância entre o preço pago pelo título e o valor de resgate. Ou seja, há um aumento no valor do título à vista.

4.       Os movimentos nos diversos mercados são ativos que saem aguardando a ação do FED, para poder morder na valorização dos títulos norte-americanos.

5.       À medida que os dólares saem de outras economias, provoca um aumento na taxa de câmbio desses países. Na segunda-feira, o ien subia 2,2% em relação ao dólar.

A busca de abrigo seguro levou a Berkshire Hathaway, de Warren Buffet, a reduzir pela metade sua posição na Apple, ao mesmo tempo que aumentava sua posição de caixa para R$ 277 bilhões, para a compra de títulos do Tesouro.

Ouvido pelo Financial Times, Seema Shah, estrategista-chefe global da Principal Asset Management, foi taxativo: “Não espero uma recuperação tão cedo, porque agora temos essa tempestade perfeita de carry trade japonesa sendo desfeita, fraqueza nas Big Techs dos EUA e tensões no Oriente Médio”.

Segundo o jornal, os futuros do índice Vix de turbulência – o chamado “medidor do medo” de Wall Street – subiram acima de 409 pontos, o maior nível desde os estágios iniciais da pandemia da Covid-19.

Nesta segunda, houve a suspensão de negociações no Japão, na Coréia. À medida que as cotações despencam, há um efeito imediato sobre os fundos hedge, com os investidores fechando posição e alavancando mais as perdas do mercado.

O índice Kospi, da Coreia do Sul, fechou em queda de 9,1%, enquanto o S&P/ASX australiano caiu 3,7% e o Sensex, da Índia, perdeu 2,9%.

As quedas atingiram mercados especulativos, como o de criptomoedas, com o bitcoin caindo 17% e o ether outros 17%,

Esse furacão chegará agora pela manhã ao Brasil. Se a irresponsabilidade de Campos Neto não for contida, e o BC não atuar no mercado de câmbio, haverá turbulência de monta pela frente.

 

Fonte: Jornal GGN

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário