sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Os chavistas que votaram na oposição: 'Até a gente se cansou'

Para chegar aos bairros de baixa renda Niño Jesús e Catia, no extremo oeste de Caracas, é preciso percorrer ruas estreitas construídas de forma improvisada que percorrem todas as direções como um labirinto.

Algumas subidas são tão íngremes e algumas ruas tão estreitas que só são acessíveis por moto. Algumas casas só podem ser alcançadas subindo ou descendo centenas de escadas.

Durante a campanha presidencial de 2012, o então presidente Hugo Chávez descreveu o bairro como "um bastião da revolução bolivariana".

Mas há sinais de que não é mais.

"Sempre votei em Chávez e nas últimas eleições votei em Maduro. É a primeira vez que voto na oposição", diz uma mulher que pede para não ter o nome revelado.

A venezuelana acrescenta que seu pai é um "chavista hardcore" e diz que sempre acreditou que ser chavista era normal. "A oposição nunca venceu aqui, mas até os chavistas estão cansados ​​de Maduro", conclui ela.

Na noite de domingo, após fim da votação, os moradores do bairro se reuniram em frente à Escola Básica San Martín, em Niño Jesus, para ouvir os resultados dados pelas testemunhas da mesa após a contagem dos votos.

Um deles anunciou ao grupo que Maduro obteve 326 votos, mas que o vencedor foi Edmundo González com 854, mais que o dobro. O anúncio foi recebido com vivas, aplausos e gritos cheios de emoção que foram registrados em vídeos verificados pela BBC News Mundo.

Em outro centro de votação instalado na Escola Eugenio Mendoza Fé e Alegria, em outra área de Niño Jesús, o candidato da oposição obteve 1.518 votos, 63%, enquanto Maduro obteve 818 votos, segundo a ata apresentada pela oposição.

Em toda a freguesia de Sucre, divisão administrativa a que pertencem Catia e Niño Jesus, Edmundo González obteve 61,93% dos votos, segundo a mesma fonte.

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ainda não tornou públicas as atas que sustentam o anúncio oficial de que Nicolás Maduro foi o vencedor, algo que a oposição vê como um sinal claro de que houve fraude eleitoral.

·        'Sempre fomos chavistas'

"Catia e Ninõ Jesus sempre foram chavistas. Eu sempre votei em Chávez", diz Maikel Torres à BBC News Mundo. "Chávez fez muito pelo bairro, mas aquele cara (Maduro) nos fez empobrecer. Chega."

"Como é possível um presidente dizer que vai haver sangue se ele perder? É assustador", acrescenta.

Torres afirma que para a maioria das pessoas de Niño Jesús e de toda a Venezuela é "muito óbvio" que Nicolás Maduro perdeu as eleições.

"Aquele ditador roubou. Eles perderam o apoio do povo e isso é óbvio. Aqui no bairro você pode ver isso."

Desde que os resultados foram anunciados, a tensão persiste em Niño Jesús. Maikel discute com uma mulher que votou em Maduro.

"Senhora, ninguém aqui está tentando criar problemas para você. Estamos em paz", diz ele para uma mulher de 60 anos.

"Pacífico? Vocês são um lixo. Ontem à noite eles estavam chutando minha porta e eu sei que foi você", responde a senhora.

Mas a tensão não é exclusiva ao bairro.

·        Protestos

Na terça-feira (31), novos protestos ocorreram em várias cidades venezuelanas em consequência do resultado anunciado pela CNE, segundo o qual Maduro teria vencido com 51% dos votos, à frente de Edmundo González com 44%.

Milhares de pessoas reuniram-se em vários pontos de Caracas para manifestar o seu repúdio ao anúncio e garantiram que permaneceriam nas ruas até conseguirem uma mudança de governo.

A maior de todas as manifestações ocorreu nos arredores de Altamira e Los Palos Grandes, na zona leste da cidade, onde Maria Corina Machado e Edmundo González circulavam em um trio elétrico.

O partido no poder também saiu às ruas para "defender a paz".

Alguns reuniram-se na Plaza Sucre, em Catia, onde o governo organizou um comício.

Carlos Ponce, de 61 anos, é fundador do Movimento Nacional Comandante Eterno, uma organização chavista. Ele disse à BBC Mundo que a oposição precisa aceitar os resultados da CNE.

"Quando você vai a uma competição e há um árbitro, você simplesmente tem que aceitar o veredito dele. A CNE diz que Nicolás Maduro venceu e a oposição deve aceitar", afirmou.

·        Medo da repressão

Em Niño Jesús, a "nova oposição" tem saído às ruas com tachos e panelas para mostrar o seu descontentamento com os resultados oficiais.

"Ontem estavam queimando lixo", contou-me uma comerciante que preferiu não revelar sua identidade. "Também votei no Edmundo, mas não concordo com esses protestos porque no final nos prejudica. Desde domingo não há transporte e está tudo fechado. Não consegui vender nada nem ganhar dinheiro", acrescentou.

Muitos têm medo de dar a sua opinião abertamente: aceitam dar entrevista, mas não querem revelar os nomes por medo de represálias.

Segundo vários habitantes de Catia, é nesse bairro que mora a família de Cilia Flores, deputada e esposa de Nicolás Maduro.

"Muita gente não vai querer falar com você porque os grupos paramilitares também atuam aqui. Eles intimidam as pessoas e semeiam medo", explicou um morador, quase susurrando.

Ele se referia a organizações criadas por Hugo Chávez e definidas pelo governo como "grupos civis armados".

Os críticos dizem que há muita impunidade e que eles são completamente leais ao governo. Alguns cobram "impostos" dos comerciantes.

"Não sei se o presidente é Edmundo ou Maduro", diz-me outro morador do bairro que não quis revelar seu nome verdadeiro porque diz pagar aos grupos para poder vender suas mercadorias. "Votei no Edmundo. É a primeira vez que voto na oposição."

"Minha esposa me disse ontem à noite que iria protestar em Miraflores (o palácio presidencial) e eu disse a ela que ela estava louca. Lembrei a ela que temos dois filhos e, se eles a matarem, o que será que nossa família?"

Ele diz estar convencido de que o governo "roubou as eleições".

"Eles não vão querer abrir mão do poder. Controlam os cinco poderes, controlam o Exército, as armas. Quem vai abrir mão do poder assim? Eu também não iria embora", acrescenta com raiva.

·        Prisões

Segundo as autoridades, cerca de 750 pessoas foram detidas nos protestos pós-eleitorais.

Duas grandes ONG do país afirmam que várias pessoas morreram e dezenas ficaram feridas.

Na terça-feira, o ministro da Defesa da Venezuela chamou os protestos de "um golpe de Estado".

Cercado por tropas armadas, o general Vladimir Padrino leu um comunicado dizendo que o presidente Nicolás Maduro tinha a "lealdade absoluta e o apoio incondicional" dos militares.

Mas muitos novos opositores no bairro me disseram que não se deixarão intimidar e continuarão nas ruas.

Maikel Torres diz que não tem medo.

"Não tenho medo da morte, no final todos vamos morrer", diz ele. "Nunca quis problemas com meu vizinho. Mas o chavismo só fez isso: incutir o ódio", acrescenta, enquanto um rival chavista continua gritando do outro lado da rua.

"Mas não vou me esconder. Vou continuar nas ruas até que este governo caia."

 

¨      Líder do governo Lula no Congresso, Randolfe diz que reeleição de Maduro se deu "sem idoneidade"

O líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), se manifestou nesta quinta-feira (1) acerca da recente eleição presidencial na Venezuela. Embora Nicolás Maduro tenha sido proclamado vencedor, o resultado enfrenta contestação tanto da oposição quanto da comunidade internacional.

Em sua declaração, Rodrigues questionou a legitimidade do pleito, segundo o Metrópoles. “Uma eleição em que os resultados não são passíveis de certificação e onde observadores internacionais foram vetados é uma eleição sem idoneidade”.

A posição de Randolfe Rodrigues contrasta significativamente com a divulgada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual se filiou recentemente, em julho, após um período de um ano sem partido. Em nota oficial, o PT reconheceu a vitória de Maduro, saudando o povo venezuelano pelo que descreveu como uma “jornada pacífica, democrática e soberana”.

“Temos a certeza de que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que apontou a vitória do presidente Nicolás Maduro, dará tratamento respeitoso para todos os recursos que receba, nos prazos e nos termos previstos na Constituição da República Bolivariana da Venezuela”, afirma a nota, demonstrando confiança nas instituições venezuelanas para a resolução de quaisquer disputas eleitorais.

 

¨      González e María Corina 'têm que estar atrás das grades', diz Maduro

O presidente da VenezuelaNicolás Maduro, disse nesta quarta-feira (31) que seus principais opositores, María Corina Machado e Edmundo González Urritia, "têm que estar atrás das grades". Maduro havia dito na terça (30) que "a Justiça vai chegar para eles".

A fala de Maduro, que segundo ele é uma "opinião na condição de cidadão", foi uma resposta a uma repórter Madeleine García, da TV venezuelana "Telesur", durante coletiva com membros da imprensa nacional e internacional.

"Se você pergunta minha opinião como cidadão, digo a você que essa gente (Corina Machado e González) têm que estar atrás das grades e que tem que haver Justiça na Venezuela. Te diria como chefe de estado que haja Justiça e que eles deveriam, em vez de se esconder, apresentar-se ao Ministério Público e dar a cara a tapa", disse Maduro. Ele foi aplaudido por alguns presentes.

Edmundo González foi o candidato da coalizão de oposição que disputou as eleições presidenciais contra Maduro. Corina Machado é a principal opositora do presidente venezuelana e foi impedida de concorrer pela Suprema Corte em janeiro. O Ministério Público venezuelano, chefiado por um chavista aliado de Maduro, investiga os dois.

Maduro também voltou a chamar seus opositores de covardes, fascistas e criminosos e os acusou novamente de estar por trás dos protestos que tomaram o país contra os resultados das eleições.

Durante a coletiva, Maduro afirmou também que há uma tentativa de golpe de estado em curso contra a Venezuela, que seria articulada pela oposição e pela comunidade internacional. Antes das eleições, o presidente venezuelano acusou a mídia internacional presente no país para observar o pleito de ser "assassinos de aluguel".

“Não hesitarei para chamar o povo a uma nova revolução, nós não nascemos no dia dos covardes”, disse o presidente venezuelano.

<><> Pedido para Suprema Corte apurar atas eleitorais

Mais cedo nesta quarta, Maduro disse que pediu à Suprema Corte do país que conduza uma auditoria da eleição presidencial.

A decisão do presidente venezuelano, que também disse que seu partido está pronto para mostrar a totalidade da apuração das atas eleitorais, vem em meio a apelos internacionais para a divulgação da contagem detalhadas de votos depois que a oposição contestou sua vitória.

O Supremo Tribunal de Justiça venezuelano, assim como o Conselho Nacional Eleitoral, que atestou a vitória de Maduro, é alinhado ao presidente.

Favorita para derrotá-lo nas eleições, a líder da oposição, María Corina Machado foi inabilitada para ocupar cargos públicos por 15 anos em uma decisão do órgão de janeiro deste ano.

Mais cedo, nesta quarta, o Centro Carter, órgão de monitoramento internacional que acompanhou a eleição de domingo (28) como observador, atestou que ela "não atendeu aos padrões internacionais de integridade e não pode ser considerada democrática" e que a autoridade eleitoral "demonstrou claro viés" em favor do atual presidente Nicolás Maduro.

Em resposta, Maduro disse que a nota do Centro Carter já estava pré-escrita e apenas com alguns detalhes para preencher.

Antes, a Organização dos Estados Americanos (OEA) havia afirmado também não reconhecer o resultado da eleição. Disse haver indícios de que o governo Maduro distorceu o resultado.

<><> Líder da oposição fala em 16 mortes em protestos

Também nesta quarta, María Corina Machado fez um ataque a Nicolás Maduro e à repressão violenta de protestos contra o anúncio de sua reeleição no X.

A líder da oposição na Venezuela afirmou que, nas últimas 48 horas, ao menos 16 assassinatos, 11 desaparecimentos e mais de 177 detenções arbitrárias foram registradas no país e falou em um alerta ao mundo sobre "a escalada cruel e repressiva do regime" de Maduro.

"Diante da contundente e indiscutível vitória eleitoral que nós venezuelanos conseguimos, a resposta do regime é assassinato, sequestro e perseguição. (...) É a resposta criminosa de Maduro ao povo venezuelano que saiu às ruas em família e em comunidade para defender sua decisão soberana de ser livre. Esses crimes não ficarão impunes", postou Corina.

<><> Número de mortos chega a 12, segundo ONGs

O número de mortos nos protestos contra o anúncio da vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais da Venezuela subiu para 12, segundo ONGs que atuam no país e a Procuradoria-geral venezuelana.

O dia de manifestações intensas desta terça-feira (30), que foram marcados pela violenta repressão das forças de segurança, também deixou centenas de presos.

Liderada por María Corina Machado, a oposição afirma ter provas da sua vitória. Ela diz possuir cópias de 84% das atas, que provariam a fraude, e as publicou em um site.

A comunidade internacional também pressiona por uma recontagem transparente dos votos, com a OEA declarando não reconhecer resultado das eleições e com os observadores do Carter Center atestando que a votação "não atendeu aos padrões internacionais de integridade e não pode ser considerada democrática".

Segundo fontes ouvidas pela Reuters, a oposição espera que o aumento dos protestos contra a vitória de Maduro e da pressão estrangeira sobre o governo possa abrir caminho para a divulgação das contagens das urnas ou para uma solução negociada.

As manifestações contra a reeleição de Maduro também cruzam as fronteiras venezuelanas. Na segunda (29), várias pessoas se juntaram para protestar em Madri, na Espanha, e na noite desta terça (30), o mesmo ocorreu na Cidade do México e em Buenos Aires, na Argentina.

As ONGs Pesquisa Nacional de Hospitais, que monitora a crise hospitalar e centros de saúde da Venezuela, e Foro Penal registraram 11 mortos nos protestos, todos civis: duas em Caracas, uma em Tachira (noroeste), três Aragua (norte), três em Yaracuy (noroeste) e duas em Zúlia (noroeste).

Já o procurador-geral da Venezuela, Tarek Saab, afirmou que um militar também morreu em Caracas durante os protestos.

<><> Suspensão de voos para a Venezuela

Também nesta quarta, após anunciar a suspensão temporária de voos entre a Venezuela e o Panamá, o governo venezuelano ampliou a medida para voos entre o país e o Peru, segundo a Latam.

Em comunicado, a companhia disse que os voos saindo da Venezuela com destino a qualquer cidade peruana e os trajetos contrários estão suspensos até 31 de agosto.

A interrupção acontece um dia depois de a Venezuela romper relações diplomáticas com o Peru, após Lima afirmar que houve fraude nas eleições venezuelanas.

 

Fonte: BBC News Brasil/Brasil 247/g1

 

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