Influência das línguas africanas no
português brasileiro é alvo de estigmas
A influência de
línguas africanas na língua portuguesa brasileira recebeu o nome de pretoguês e
gera, até hoje, diversos estigmas e preconceitos. De acordo com Sheila Perina,
doutoranda pela Faculdade de Educação (FE) da Universidade de São Paulo, em cotutela
com a Universidade Pedagógica de Maputo, da África, o termo tem origem
colonial, e surgiu para indicar uma maneira pejorativa de classificar o
português falado pelos negros nas ex-colônias, indicando que o modo de falar
dos africanos e de seus descendentes não poderia ser considerado português
legítimo.
Apesar disso, ela
explica que o termo ganhou um novo significado em solo brasileiro: “Por conta
desses discursos que circulavam durante o período colonial no Brasil, a
antropóloga e intelectual Lélia González propõe uma positivação do termo, para
descrever a variedade do português que é profundamente influenciado pelas
línguas africanas. Nós falamos o pretoguês, um português profundamente marcado
pelas influências das línguas africanas”.
Sobre as
características da africanização do português brasileiro, a especialista
comenta que o grupo de línguas Bantu tem um padrão silábico consoante-vogal que
trouxe uma influência para a nossa língua. Alguns exemplos dessa influência na
fala do português brasileiro são o apagamento ou enfraquecimento do “r” final
dos infinitivos verbais, além da não marcação do plural com o morfema “s”, como
ocorre no português europeu — nas línguas Bantu, a indicação do singular ou
plural é feita por um prefixo, como indica Sheila.
Contudo, essa
influência das línguas africanas no português são, frequentemente, alvos de
estigmas. A doutoranda afirma que isso é produzido por opressões ligadas tanto
à raça quanto à classe, e é observável, por exemplo, no preconceito que muitas
pessoas sofrem ao não marcarem o plural. Ela complementa: “Isso é devido à
influência das línguas Bantu, e é apresentado no português brasileiro quando
nós dizemos ‘os menino’, ou ‘os livro’, porque marcamos esse plural
inicialmente e não no final”.
• Preconceito linguístico
Mesmo com muitas
palavras brasileiras de origem africana, o que cria uma receptividade com o
nosso léxico, com influências em nível estrutural, a pesquisadora alerta que há
uma resistência das instituições de ensino em reconhecer a contribuição de
línguas africanas. Isso ajuda a criar e perpetuar estigmas, enfatizando o
racismo científico e linguístico enraizado na sociedade brasileira, fator que
contribui para que as marcas das línguas africanas no português não sejam
legitimadas.
“Os países que hoje
têm o português como língua oficial e vivenciaram a colonização vivem questões,
principalmente relacionadas à educação e à legitimação do português popular,
que se assemelham. São países que têm a sua variedade popular do português profundamente
marcada pela influência das línguas Bantu, e essa influência na estrutura da
língua portuguesa tende, como um processo natural de evolução, a se distanciar
da norma padrão, gerando estigma, racismo e preconceito. São elementos que as
pessoas vivem diariamente e não se dão conta que isso tem uma raiz histórica
que está ligada a todo o processo de colonização linguística que nós sofremos”,
explica.
Por esse motivo,
Sheila entende que a possibilidade desses países se reunirem em um espaço de
discussão é fundamental, em congregações sobre o debate da língua portuguesa
brasileira e africana. Um desses exemplos foi a Semana da Língua Portuguesa em
Pretória, na África do Sul, evento do qual a especialista foi palestrante.
• Debates sobre o português brasileiro
Outro palestrante do
evento, Celso Luiz de Oliveira Junior, mestrando em Antropologia Social pela
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, comenta que,
mesmo com a África do Sul não sendo um país de língua portuguesa, a influência
africana na nossa linguagem cria uma proximidade muito maior do português
brasileiro com os sul-africanos, por exemplo, no sentido da sonoridade e da
forma de pronunciar, algo que não ocorre com o português europeu.
Ele ainda complementa
sobre a importância de eventos como esse, com discussões sobre racismo
institucional, descolonização das relações e das próprias instituições, já que
auxiliam na promoção da legitimidade do reconhecimento internacional em relação
à africanidade da língua portuguesa brasileira — conforme o pesquisador, o
Brasil tem vários exemplos de negação institucional da cultura de pessoas
negras quando se trata de apresentar símbolos nacionais no exterior —, além da
representatividade na esfera pública, visto que a língua de um país é um dos
maiores símbolos de uma nação.
“Do ponto de vista
institucional, acredito que tenha ocorrido um certo ponto de inovação nessa
situação toda, a relação com a diplomacia me parecia uma questão bem
interessante e inovadora, não apenas para tratar questões burocráticas ou
negociar politicamente, mas foi para provocar a interação entre eventuais
parceiros acadêmicos, se utilizando da produção acadêmica e cultural já
colocada, ao mesmo tempo que também agregou o conhecimento. São novas portas
que se abriram, portas para novas conexões, produções, divulgação científica e
promoção de cultura e extensão universitária”, finaliza.
Fonte: Por Davi
Caldas, no Jornal GGN
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