Do golpe para as urnas: investigados pelo 8
de Janeiro são candidatos no Pará
“CONHEÇO HOMENS de
caráter e de coragem do agro. Estamos juntos desde 31/10/22 nas estradas e no
quartel de Marabá. Jamais desistirei da nossa pátria”. Estas anotações,
dirigidas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram encontradas no celular do
empresário de Xinguara (PA) George Washington de Oliveira Sousa, condenado por
terrorismo pela tentativa de explodir um caminhão de combustível no aeroporto
de Brasília em dezembro de 2022.
A prisão de Sousa, que
confessou ter preparado o artefato explosivo, trouxe à tona uma teia de
pecuaristas e garimpeiros do sul do Pará investigados por terem financiado e
participado de atos antidemocráticos contra a eleição de Lula. As manifestações
defendiam a intervenção do Exército para impedir a posse do petista como
presidente.
Desde a ascensão de
Bolsonaro, em 2018, alguns desses empresários paraenses se alinharam a
lideranças bolsonaristas e da extrema direita para defender seus interesses.
Hoje, eles buscam se firmar na política, disputando cargos nas eleições
municipais deste ano.
Sousa foi preso no
mesmo dia do atentado frustrado, véspera de Natal. Carregava um arsenal de
guerra. “Após o segundo turno das eleições, eu participei de protestos no Pará
e vim a Brasília com minha caminhonete, duas escopetas, dois revólveres, três
pistolas, um fuzil, mais de mil munições e cinco bananas de dinamite”, disse na
delegacia.
“A minha ida a
Brasília tinha como propósito participar dos protestos que ocorriam em frente
ao QG (quartel-general) do Exército e aguardar o acionamento das Forças Armadas
para pegar em armas e derrubar o comunismo”, continuou.
No depoimento, Sousa,
que administrava quatro postos de combustível em Xinguara, citou os nomes de
dois empresários da cidade como contatos pessoais. Um deles era Ricardo Pereira
da Cunha, o Ricardo da USA Brasil. Ele é sócio de uma empresa de mineração e
dono de uma loja em Xinguara usada para arrecadar verbas para os atos
antidemocráticos, como revelou a Repórter Brasil e confirmou, posteriormente,
uma investigação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de
Janeiro, do Congresso Nacional.
Segundo relatório de
inteligência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) obtido
pela comissão, a movimentação bancária da USA Brasil saltou de cerca de R$ 10
mil mensais para mais de R$ 300 mil em novembro de 2022, mês seguinte às eleições.
De acordo com o
relatório final da CPMI, as informações apontam para “o envolvimento de pessoas
ligadas ao garimpo ilegal, empresários, fazendeiros do agronegócio e mineração
como possíveis envolvidos na execução e fomento de atos antidemocráticos”.
“Nunca participei de
golpe, muito menos atentado a bomba”, diz Cunha à Repórter Brasil. O dinheiro
arrecadado era, segundo ele mesmo explica, para comprar comida para os
conterrâneos acampados em frente ao QG do Exército em Brasília.
Candidato a vereador
de Xinguara pelo PL, partido de Bolsonaro, Cunha disse que o autor da tentativa
de atentado era um “amigo que frequentava o acampamento”, almoçava e jantava no
local. “Minha campanha independe da minha participação no acampamento. Sou
convicto no que acredito e meu tripé é e continua sendo Deus, pátria e
família”, afirma.
• Pecuária e garimpo
Cunha é aliado de uma
família tradicional do sul do Pará na criação de gado de corte, os Lauriano.
Onício, o patriarca, possui fazendas em cidades da região. Seu nome e telefone
foram identificados pela Repórter Brasil em um grupo de WhastApp solicitando
depósitos para a conta da USA Brasil, em prol das manifestações golpistas em
Brasília.
O filho dele, Enric
Lauriano, é a face política da família. Presidente do PL em Xinguara, é o
candidato do partido a prefeito da cidade, com apoio pessoal de Bolsonaro.
Recentemente, o
ex-presidente deu a Lauriano a medalha de “imbrochável”. Trata-se de uma
condecoração com a imagem de Bolsonaro jovem adornada com a mensagem:
“imorrível, imbrochável e incomível”. O jogador de futebol Neymar, o presidente
da Argentina Javier Milei e um dos principais revendedores de retroescavadeiras
usadas em garimpos ilegais no Pará e em Roraima, Roberto Katusda, já foram
agraciados com a homenagem.
Lauriano foi descrito
no relatório da CPMI como lobista pró-garimpo e um dos articuladores do PL
191/2020, que defende a mineração em terras indígenas. Um relatório da Abin
citado pela comissão parlamentar aponta que Lauriano comprou uma escavadeira da
fabricante BMC Hyundai apreendida em 2022 dentro da Terra Indígena Kayapó, o
que, segundo os parlamentares, “corrobora a sua ligação com o garimpo ilegal”.
À Justiça Eleitoral,
Lauriano declarou a posse de três escavadeiras e de uma firma deste ramo.
Porém, omitiu na declaração a posse de uma empresa de compra e venda de gado,
conforme consta nas bases da Receita Federal.
A CPMI do 8 de Janeiro
identificou que Lauriano fez um pix de R$ 2.500 para financiar o acampamento
golpista em Brasília, além de ter colaborado com “a divulgação da rede de
financiamento do acampamento atuante em Marabá (PA)”, afirmou o documento final
da comissão.
A investigação do
Congresso sobre o 8 de Janeiro pediu o indiciamento de 61 pessoas. Dos 16
apontados como financiadores, 13 são ligados ao agronegócio, a maior parte
produtores de soja, contabilizou o De Olho nos Ruralistas.
Cunha e Lauriano
tiveram o indiciamento sugerido pela CPMI pelos crimes de “incitação ao crime”
e “associação criminosa”. Eles foram alvo de operações da Polícia Federal (PF),
mas não foram indiciados até o momento.
Procurado, Enric
Lauriano não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.
Ogronegócio tranca
estrada da soja e pressiona quartel em Marabá
Outro produtor rural
paraense investigado por envolvimento nos atos antidemocráticos é o presidente
do Sindicato dos Produtores Rurais de Marabá, Ricardo Guimarães de Queiroz. Ele
teria financiado e participado do bloqueio da rodovia Transamazônica na cidade,
em frente ao 52º Batalhão de Infantaria de Selva.
Segundo denúncia do
Ministério Público Federal (MPF), Queiroz “convocou pessoas a se manifestarem
na BR-155 e declarou expressamente que descumpriria a decisão judicial de
desbloqueio”.
Em um vídeo gravado
com uma pilha de pneus em chamas ao fundo, Queiroz disse: “Já recebemos ordem
judicial e não respeitamos”.
As investigações da
Polícia Federal e as diversas postagens do sindicato no Instagram demonstram “a
existência de um movimento organizado, estruturado, com a finalidade de se
insurgir contra o resultado democrático das eleições presidenciais”, diz a denúncia
do MPF.
Queiroz também foi
alvo de uma operação da PF por envolvimento na invasão ao aeroporto de
Brasília, ocorrida em dezembro de 2022. Queiroz foi preso na ocasião por porte
ilegal de armas e munições.
O advogado de Queiroz,
Antônio Quaresma, não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.
Antes mesmo de os
prédios públicos serem atacados em janeiro de 2023 em Brasília, o estado do
Pará já tinha inaugurado os ataques às instituições.
Dias após a vitória de
Lula, a professora Cláudia Kummer gravou um vídeo convocando a população de
Novo Progresso para queimar pneus na BR 163, a rodovia da soja, no sudoeste do
estado. No vídeo, ela diz que não aceitava o resultado das eleições. Professora
da rede pública municipal, Kummer já foi candidata a vice-prefeita de Novo
Progresso.
Quando a Polícia
Rodoviária Federal (PRF) tentou liberar o trânsito, os agentes foram atacados
pelos manifestantes com pedras e tiros. Um vídeo registra o momento em que
viaturas deixam o local com as sirenes disparadas. Um dos manifestantes grita:
“Fugiram! Arregaram! Viva a população! Aqui é Novo Progresso”.
Pouco mais de um mês
depois do levante, Kummer foi alvo de mandado de prisão da Justiça Federal
durante a Operação 163 Livre. Não foi encontrada pela PF e ficou foragida por
mais de cem dias até conseguir a revogação do pedido de prisão. Em maio, ela
foi homenageada pela Câmara Municipal de Novo Progresso.
O advogado de Kummer
disse que ela não participou do levante
contra a PRF, apesar de ter gravado a convocação. “Não houve uma tentativa de
golpe de Estado, conforme se investiga. Em momento algum, ela cita tal situação.
Ela, assim como várias pessoas da sociedade, não gostaram do resultado das
eleições e protestaram”, afirma o advogado.
• Zequinha Marinho
No sul do Pará, uma
das principais lideranças políticas ligadas ao agronegócio é o senador Zequinha
Marinho (Podemos), atual vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária,
braço institucional da bancada ruralista no Congresso.
Pastor evangélico e
bolsonarista ferrenho, Zequinha pode ser classificado como um defensor do
“ogronegócio” em Brasília. No mês passado, ele se tornou alvo do Supremo
Tribunal Federal (STF) após a Justiça do Pará enviar para a corte uma
investigação que aponta o suposto envolvimento do senador no uso de seu
gabinete para favorecer grileiros de terras indígenas no Pará. O caso pode
configurar um possível crime de advocacia administrativa. A ministra Cármen
Lúcia ainda vai decidir se abre um inquérito contra ele.
Zequinha é abertamente
defensor da exploração econômica das terras indígenas. Ele recebeu em Brasília
representantes de uma cooperativa de ouro investigada pela PF por exploração
ilegal do minério. Já defendeu também invasores das terras indígenas Ituna/Itatá
e Apyterewa, dentre eles um homem apontado pelo Ibama como o maior grileiro de
terras da Amazônia.
Zequinha também teve o
nome envolvido com os atos antidemocráticos após as eleições de 2022. Foi ele
quem autorizou a entrada no Congresso, em novembro daquele ano, de George
Washington, o mentor do frustrado atentado à bomba.
Um ex-assessor de
Zequinha também teve participação ativa nos atos antidemocráticos: Luciano
Guedes, pecuarista de Redenção, apoiou os acampamentos em Brasília e na capital
federal, defendendo a intervenção militar. Entre agosto de 2019 a julho de
2022, ele ocupou cargo comissionado no gabinete do senador.
Guedes atuou na
campanha de Zequinha para o governo do Pará, em 2022, quando o senador foi o
escolhido de Bolsonaro no estado, mas saiu derrotado por Hélder Barbalho (MDB).
Nas principais cidades do sul do Pará, contudo, Zequinha venceu: 55% dos votos
em Redenção e 59% em Xinguara.
Não é por acaso que
Zequinha é o político que mais aparece na agenda oficial do ex-secretário de
Assuntos Fundiários do governo Bolsonaro, Luiz Antonio Nabhan Garcia.
Personagem da série de reportagens “Ogronegócio: milícia e golpismo na
Amazônia”, Nabhan dedicou mais espaço em sua agenda para representantes da
banda truculenta do agronegócio, conforme revelou a Repórter Brasil, a partir
da análise de seus compromissos oficiais.
Procurado, Luciano
Guedes não retornou os contatos da reportagem. Nabhan Garcia também não
respondeu às perguntas enviadas.
Já o senador Zequinha
Marinho disse que não mantém relação com os financiadores de atos
antidemocráticos Ricardo Pereira da Cunha e Enric Lauriano, citados na
reportagem. Disse ainda que não comentaria sobre Guedes, pois ele não faz mais
parte de sua equipe. Por fim, declarou que os encontros com Nabhan Garcia
tiveram como tema a regularização fundiária do estado.
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Esta reportagem teve
apoio da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center.
Fonte: Repórter Brasil
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