Como se proteger da poluição do ar causada
pelas queimadas
Os incêndios
florestais que se alastram por vários Estados do Brasil deixam um rastro de
destruição, geram imagens impressionantes e causam profundos danos na saúde das
pessoas.
Mas será que existem
algumas estratégias para minimizar esses riscos e proteger o corpo das ameaças
relacionadas à intensa poluição do ar?
Em comunicado
divulgado no domingo (25/8), o Ministério da Saúde traz uma série de
recomendações para evitar a exposição à fumaça — ou diminuir a probabilidade de
o contato com o material do fogo fazer mal.
A primeira orientação
é caprichar na hidratação. De acordo com o texto, "aumentar a ingestão de
água e líquidos ajuda a manter as membranas respiratórias úmidas e, assim, mais
protegidas".
O médico patologista
Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP) acrescenta que vale também hidratar as mucosas expostas, como os olhos,
as narinas e os lábios.
"Além disso, é importante
observar a urina. Se ela ficar escura, é sinal de que o corpo está mais
desidratado e o sangue começa a ficar concentrado demais", diz ele.
Esse sangue
"concentrado" pode representar um perigo para pessoas que já sofrem
com doenças cardiovasculares, pois aumenta o risco de entupimentos nos vasos
que irrigam o coração, o cérebro e outros órgãos vitais.
"Esse cuidado com
a ingestão de líquidos também é importante para idosos, que perdem a sensação
subjetiva de sede, e para bebês ou crianças pequenas, que dependem de alguém
ofertar água para eles", complementa o especialista.
O ministério também
sugere que as pessoas reduzam “o tempo de exposição” aos poluentes. Para isso,
deve-se permanecer “dentro de casa, em local ventilado, com ar condicionado ou
purificadores de ar”.
Bacias cheias d’água e
panos molhados espalhados pelos cômodos podem ser alternativas mais baratas aos
purificadores.
"As portas e as
janelas devem permanecer fechadas durante os horários com elevadas
concentrações de partículas, para reduzir a penetração da poluição
externa", continua a nota do ministério.
Saldiva avalia que
medidas do tipo — como fechar a casa e ligar o ar condicionado — podem até
ajudar, mas elas não estão disponíveis para a maior parte da população.
"As queimadas
representam uma vulnerabilidade a mais justamente para aqueles que já correm um
maior risco", destaca o patologista.
O ministério pede que
a população evite “atividades físicas em horários de elevadas concentrações de
poluentes do ar, e entre 12 e 16 horas, quando as concentrações de ozônio [um
tipo de poluente] são mais elevadas”.
Outra dica envolve
cobrir nariz e boca com máscaras cirúrgicas, panos, lenços ou bandanas para
reduzir a exposição às partículas grossas. Isso vale especialmente para os
indivíduos que moram em regiões onde há focos de queimadas.
Essa medida pode
amenizar o desconforto na hora de respirar — a inalação desse material pode
causar uma irritação forte no nariz e na garganta (veja mais a seguir).
O governo também
indica o uso de máscaras capazes de filtrar partículas mais finas,. Os modelos
são os mesmos que ficaram conhecidos durante a pandemia de covid-19, como a
N95, a PFF2 e a P100.
• Atenção em dobro para grupos de maior
risco
Alguns públicos
precisam ter um cuidado redobrado, pois os efeitos da poluição podem ser ainda
mais graves neles.
É o caso de crianças
menores de 5 anos, gestantes e indivíduos acima dos 60 anos.
Além de todas as
medidas citadas acima, essas pessoas devem ficar atentas a qualquer sintoma —
como dificuldades para respirar, mal estar, tosse, entre outros — e buscar
atendimento médico o mais rápido possível.
Já os indivíduos que
possuem alguma doença crônica — caso de asma, DPOC, diabetes, hipertensão, etc.
— podem conversar com o médico que realiza o acompanhamento do quadro para
verificar que há necessidade de fazer ajustes nas dosagens das medicações de rotina.
"Muitas vezes, os
poluentes que vêm das queimadas geram uma queda na oferta de oxigênio para o
corpo e, com isso, representam o fator de desequilíbrio, o gatilho necessário
para o desenvolvimento de quadros mais graves, como um infarto agudo do miocárdio",
resume o médico Antônio Carlos Palandri Chagas, ex-presidente da Sociedade de
Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).
"Portanto, se o
indivíduo estiver com sintomas, como uma dor no peito, é importante buscar os
serviços de emergência o mais rápido possível", reforça o especialista,
que também é professor titular da Faculdade de Medicina do ABC, na Grande São Paulo.
Para as enfermidades
que têm medicações usadas especificamente em momentos de crise, como a asma,
vale reforçar o estoque de doses em casa, discutir com o profissional de saúde
o momento adequado de fazer o uso delas e, claro, buscar o atendimento de emergência
caso os incômodos não melhorem.
O Ministério da Saúde
também recomenda que pacientes com quadros crônicos avaliem "a necessidade
e a segurança de sair temporariamente da área impactada pela sazonalidade das
queimadas".
• Outros desdobramentos da fumaça
O médico Paulo Correa,
presidente da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia (SBPT), lembra que, além de representar um risco à saúde de
pacientes com doenças crônicas, os incêndios florestais podem gerar uma série
de outros problemas secundários.
"Além de toda a
destruição da biodiversidade, a fumaça gera uma redução da visibilidade, o que
pode gerar problemas para o tráfego de veículos e aumentar o risco de
acidentes", lembra o especialista, que também é professor da Universidade
Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais.
Essa, aliás, é uma
preocupação que aparece nas notas divulgadas pelo governo de São Paulo, um dos
Estados atingidos pelas queimadas mais recentes.
As autoridades
paulistas pedem que a população "redobre a atenção ao dirigir" e
"evite atravessar áreas com cortinas de fumaça e fogo".
"Caso seja
inevitável, reduza a velocidade, mantenha os faróis baixos acesos e uma
distância segura do veículo à frente", diz o texto.
Outra orientação é a
de evitar "se deslocar pelas rodovias e rotas com interdições" e,
"se for necessário, busque rotas alternativas seguras."
O governo de SP ainda
orienta que, ao avistar um foco de incêndio ou fumaça densa, as pessoas devem
sair imediatamente da área, buscar um abrigo seguro e informar o Corpo de Bombeiros
(no número 193) ou a Defesa Civil (192).
• Os efeitos imediatos das queimadas no
organismo
As queimadas geram uma
série de moléculas que são inaladas e têm um efeito tóxico no organismo.
Algumas dessas
substâncias são conhecidas genericamente como material particulado, ou MP.
Dentro desse grupo, alguns desses compostos são tão pequenos que conseguem
"escapar" de praticamente todos os mecanismos de filtragem do sistema
respiratório.
Para ter ideia, alguns
desses MPs têm menos de 10 micrômetros de diâmetro. Isso signfica que um fio de
cabelo chega a ser de 30 a 40 vezes maior do que eles.
"O nosso corpo
consegue remover parte dessas substâncias. Mas quando a quantidade ultrapassa
os limites, esses poluentes começam a se depositar e geram uma espécie de
'tatuagem' nos pulmões, uma marca que você não consegue mais tirar",
explica Saldiva.
Parte desses poluentes
chega aos alvéolos, as pequenas estruturas pulmonares onde acontece a troca do
gás carbônico pelo oxigênio. Com isso, eles caem na corrente sanguínea e podem
se espalhar por diversos órgãos.
E os efeitos disso
podem ser agudos ou crônicos.
Nos dias que sucedem
as queimadas, quando a poluição atmosférica atinge o ápice, a maioria das
pessoas que respiram aquele ar pode experimentar sintomas como irritação dos
olhos, do nariz e da garganta.
Um estudo realizado em
2019 pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) acompanhou uma centena de cidades
amazônicas afetadas pelo fogo — e descobriu que o número de crianças internadas
com problemas respiratórios dobrou durante a temporada de incêndios florestais
nesses lugares.
Os autores do
levantamento estimam que viver num município próximo aos focos de queimada
aumenta em 36% o risco de hospitalizações no público infantil.
"A inflamação
causada por essas partículas pode também dificultar os mecanismos de defesa dos
pulmões. Isso abre espaço para que bactérias e vírus 'peguem carona' e causem
infecções", explica Saldiva.
Essa mesma inflamação
citada pelo patologista também bagunça outras partes do corpo, como o processo
de coagulação do sangue — o que aumenta a sobrecarga sobre o coração.
Agora, imagina o que
isso pode representar para alguém que já sofre com hipertensão, diabetes,
colesterol alto, arritmias...
Ainda sobre os
impactos imediatos que as queimadas trazem à saúde, Saldiva fez parte de um
time de pesquisadores que avaliou o efeito específicos dos incêndios florestais
nas hospitalizações por complicações do diabetes.
O trabalho, publicado
em julho de 2024, revela que existe uma relação direta (e pouco conhecida)
entre a poluição relacionada às queimadas com internações de pacientes com
diabetes.
Para o pneumologista
Correa, a queda da qualidade do ar não apenas exacerba as doenças
respiratórias, com o agravamento de quadros como asma e DPOC.
"A qualidade ruim
do ar restringe as atividades do lazer, as práticas esportivas, os
deslocamentos para trabalho e escola. E tudo isso também traz um efeito
psicolóico importante", lembra ele.
• Repercussões de longo prazo
Os efeitos das
queimadas podem se prolongar por semanas, meses ou até anos. Lembra aquela
história de que os poluentes formam uma espécie de "tatuagem" no
sistema respiratório?
"Uma parte das
partículas fica no próprio pulmão e gera bronquite, enfisema e câncer. Outra
vai para o cérebro, para os rins... Algumas dessas partículas conseguem
atravessar a placenta durante a gestação e afetar o desenvolvimento do
bebê", exemplifica o patologista.
O professor da FMUSP
destaca que pesquisas publicadas nos últimos anos tentam desvendar justamente o
papel da poluição atmosférica vinda das queimadas na saúde humana — há
suspeitas de que as partículas geradas nesses eventos têm uma ação diferente do
que é visto com as moléculas que vêm de automóveis ou das fábricas, por
exemplo.
Numa série de
postagens no X (o antigo Twitter), o epidemiologista Otavio Ranzani, professor
do Instituto para Saúde Global em Barcelona, na Espanha, destacou alguns desses
trabalhos específicos sobre os incêndios florestais.
Alguns deles mostram
que as queimadas resultaram num aumento expressivo nas hospitalizações e na
mortalidade por problemas respiratórios, cardiovasculares e por todas as causas
nas regiões mais afetadas.
Uma pesquisa da
Fundação Getúlio Vargas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte e outras
instituições publicada no ano passado analisou dados de 2003 a 2018 e
relacionou o aumento de queimadas em alguns biomas brasileiros com um excesso
de mortes nessas regiões.
Os incêndios em áreas
de plantação de soja na Amazônia, por exemplo, geraram um aumento de 0,64
microgramas por metro cúbico de MPs, o que gerou 3.872 mortes em excesso.
Algo parecido pode ser
visto nas queimadas em campos de cana de açúcar na Mata Atlântica, que levaram
a 7.600 mortes a mais, e no Cerrado, com 1.632 óbitos extras.
Outras investigações
ainda detectaram que os incêndios florestais afetam o peso de recém-nascidos,
estão relacionados com partos prematuros e podem até aumentar a frequência de
problemas congênitos, como o desenvolvimento de fenda lábio-palatina e de problemas
neurológicos.
Ainda entre crianças,
há estudos que encontraram uma relação entre os poluentes que vêm do fogo com
absenteísmo e baixo desempenho escolar.
No geral, a poluição
atmosférica que vem de todas as fontes (incêndios, escapamento de carros,
indústria, queima de lenha, entre outros), provocou mais de 8 milhões de mortes
em 2021.
O dado, que vem de um
relatório feito por instituições como Unicef e Instituto de Métricas em Saúde
da Universidade Washington, nos EUA, ainda revela que a poluição do ar é o
segundo principal fator de risco para óbitos, atrás apenas da hipertensão.
No Brasil, estima-se
que 49 mil pessoas morram todos os anos por causa da poluição atmosférica, de
acordo com o Centro de Consenso Copenhague, uma organização americana que faz
análises sobre políticas públicas.
Por fim, Saldiva
destaca que as queimadas causam problemas de saúde em várias partes do mundo há
alguns séculos.
"Temos registros
de incêndios florestais pelo menos desde a era colonial na América Latina, a
partir do século 16. Só que os incêndios nunca chegaram a áreas de grande
visibilidade", diz ele.
"Nos últimos
anos, eles passaram a afetar com maior frequência a Califórnia, nos Estados
Unidos, e partes da Europa. No Brasil, vemos que eles começam a acontecer agora
na região Sudeste."
"E se há algo de
bom numa história terrível como essa, em que há destruição de bioma,
adoecimento e mortes, é o aprendizado. Infelizmente, só melhoramos diante de
uma crise, de um susto, e tomara que a situação atual possa modificar as
políticas públicas no futuro", conclui ele.
Fonte: BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário